Dirceu diz que foi “assediado moralmente” por Fux

Da Folha

‘Fux disse que ia me absolver’

EX-HOMEM FORTE DO PT CONDENADO NO MENSALÃO DIZ TER SIDO ‘ASSEDIADO’ QUANDO MINISTRO ESTAVA EM CAMPANHA PARA STF

FERNANDO RODRIGUES,  MÔNICA BERGAMO

O ex-ministro José Dirceu, 67, afirmou ontem que foi “assediado moralmente” pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, e disse que ele prometeu absolvê-lo no julgamento do mensalão.

Em entrevista à Folha e ao UOL, ele diz que foi procurado pelo magistrado há cerca de dois anos, quando Fux ainda era ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e fazia campanha para ser indicado pela presidente Dilma Rousseff para integrar o STF.

O “assédio” teria durado seis meses, até Dirceu concordar em recebê-lo. Durante o encontro, o ex-ministro diz que, sem que perguntasse nada, Fux “tomou a iniciativa de dizer que ia me absolver”.

Segundo Dirceu, “ele, de livre e espontânea vontade, se comprometeu com terceiros, por ter conhecimento do processo, por ter convicção”.

Fux votou pela condenação de Dirceu. O petista afirmou que ele “já deveria ter se declarado impedido de participar desse julgamento”.

Ex-homem forte do PT e do governo Lula, Dirceu foi condenado pelo STF a dez anos e dez meses de prisão. Seus advogados aguardam a publicação dos votos dos ministros, que deve ocorrer em breve, para apresentar recursos e tentar reverter a sentença.

Em dezembro do ano passado, Fux admitiu à Folha que encontrara Dirceu quando estava em campanha para o STF, mas negou ter prometido sua absolvição. Ele disse que leu o processo depois e que ficou “estarrecido”.

Dirceu diz que o argumento de Fux é “tragicômico” e “soa ridículo, no mínimo”. A seguir, os principais trechos da entrevista do ex-ministro.

Folha/UOL – Como foi seu encontro com Luiz Fux?
José Dirceu – Eu não o conhecia, eu fui assediado moralmente por ele durante mais de seis meses para recebê-lo.

Como foi esse assédio?
Através de terceiros, que eu não vou nominar. Eu não queria [recebê-lo].

Quem são esses terceiros?
São advogados, não são lobistas. Eu o recebi, e, sem eu perguntar nada… Porque ele [hoje] dizer para a sociedade brasileira que não sabia [na época do encontro] que eu era réu do processo do mensalão é tragicômico. Soa ridículo, no mínimo, né? Como o ministro do STJ [cargo ocupado na época por Fux] não sabe que eu sou réu no processo? E ele tomou a iniciativa de dizer que ia me absolver. Textualmente.

Assim?
Eu disse: “Eu não quero que o sr. me absolva. Eu quero que o sr. vote nos autos. Não é porque não tem prova, não. Eu fiz contraprova porque eu sou inocente”. Para fazer uma síntese do encontro, é isso.

E o sr. acreditava que ele ia inocentá-lo? Isso pesou na nomeação dele [de Fux para o STF]? A presidente Dilma levou isso em consideração?
Não acredito que tenha pesado, não acredito que tenha pesado.

Na hora de discutir a nomeação dele…
Eu não participei. Porque, evidente, eu como réu tinha que tomar todos os cuidados para evitar que minha situação se agravasse, como o resultado final mostrou.

Como é que o sr. se sentiu quando o ministro Fux votou pela sua condenação?
Depois dos 50 anos que eu tenho de experiência política, infelizmente eu já não consigo me surpreender. A única coisa que eu senti é a única coisa que me tira o sono. Nem a condenação me tira o sono porque tenho certeza que eu vou revertê-la.

O que foi?
O comportamento do ministro Luiz Fux. Porque é um comportamento que… Ele, de livre e espontânea vontade, se comprometeu com terceiros, por ter conhecimento do processo, por ter convicção, certo? Essa é que era a questão, que ele tinha convicção e conhecimento do processo. É um comportamento quase que inacreditável.

O sr. acha que cabe alguma medida no caso?
Eu acho que ele já deveria ter se declarado impedido de participar desse julgamento.

A sua defesa vai apresentar recursos [para reverter a condenação]. O sr. tem esperança?
Vai apresentar. Depois do transitado em julgado, vamos para a revisão criminal. E vou bater à porta da Comissão Internacional de Direitos Humanos. Não é que fui condenado sem provas. Não houve crime, sou inocente; me considero um condenado político. Foi um julgamento de exceção, político.

Mas era um tribunal cuja maioria foi nomeada pelo ex-presidente Lula e por Dilma.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O que caracterizou o julgamento como político é evidência pública. Um julgamento que foi deliberadamente marcado com as eleições [municipais de 2012]. A transmissão de um julgamento como esse pela TV é algo inacreditável.

O sr. acha que os ministros ficaram com medo da TV?
É evidente que houve pressão externa sobre o Supremo. Enquanto eu suspirar, vou lutar para provar a minha inocência. Porque eu nunca tive a presunção da inocência. Eu não consigo entender por que eu fui condenado. Porque eu era ministro? Chefe da Casa Civil? Líder do PT? Mas onde estão as provas? Os recursos tiveram origem em empréstimos que as empresas do Marcos Valério fizeram em um banco e que foram repassados para o PT. E eu estava na Casa Civil, não estava na direção do PT. Não respondia pelas finanças nem pelas decisões executivas do PT.

Se o ex-presidente Lula não tem nada com isso, por que Marcos Valério é recebido por Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e um de seus assessores mais próximos?
Boa pergunta para ser dirigida ao Paulo Okamotto. Eu nunca tive nenhum contato com Marcos Valério. Nem antes nem depois. E o Lula não tem nenhuma preocupação. Conheço os fatos, ele não tem nada a ver com isso. Absolutamente. A não ser que se queira, agora, dar um golpe que não conseguiram dar antes. Quer dizer, transformar o Lula em réu na Justiça brasileira. A não ser que se vá fazer esse tipo de provocação ao PT e ao país, à nação brasileira.

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‘Penso que era melhor se tivesse morrido’

Dirceu diz que, embora tenha tido esse sentimento em algumas ocasiões, não pensou em se matar: ‘Sou apaixonado pela vida’

Ex-ministro afirma ainda que vai continuar na vida pública e que fará política até ‘o último suspiro’

DE SÃO PAULO
DA COLUNISTA DA FOLHA

Na entrevista, Dirceu relata o que sentiu ao longo do processo. “Eu às vezes penso que era melhor se eu tivesse morrido do que passar pelo que eu estou passando”, diz o ex-ministro.

Mas pensou em se matar? “Sou um apaixonado pela vida. Jamais pensaria.”

Folha/UOL – O PT tem dado o apoio que o sr. gostaria?
José Dirceu – Tem. Todo o apoio que eu preciso o PT me dá. Dentro dos limites do PT. Porque o PT não pode transformar essa questão na razão de ser do PT. Muito menos um governante.

O PT foi solidário com Eduardo Campos quando ele enfrentou o escândalo dos precatórios [nos anos 1990]. Ele continua atendendo o sr.?
Nós fomos solidários até porque era uma acusação completamente injusta. Toda vez que eu vou a Pernambuco, eu sou recebido pelo governador. Ele é muito solidário comigo. Minha relação com ele é excelente.

Ele foi solidário no mensalão?
Totalmente solidário.

O que é a regulação da mídia que o PT está defendendo?
A regulação pode ser da propriedade cruzada. A regulação por causa da cultura, da etnia, das minorias nacionais. A regulação pode ser para o pluralismo para acabar com o monopólio.

No Brasil, o sr. pode dar algum exemplo concreto? O que seria regulação da propriedade cruzada?
Você pode pôr limites. O que não é possível é alguém, além de deter 70%, 80% de toda a publicidade do país nas suas organizações, ter uma propriedade cruzada quase que fantástica de rádios e televisões e jornais.

O sr. está se referindo a quem?
Às Organizações Globo. Porque têm, por exemplo, os seus associados nos Estados. Por exemplo, em SC e no Rio Grande do Sul, a RBS controla os jornais praticamente.

O sr. acha que deveria acontecer o quê?
Eu não quero dizer o que deveria acontecer. Eu quero dizer o seguinte: que é preciso tirar esse espantalho, a camiseta 13 do PT, e discutir, seriamente, a regulação da mídia no Brasil. Interessa à cultura brasileira.

Não foi o próprio PT que acabou envenenando o debate?
O PT não envenenou o debate. O PT se defende. Eu, pelo menos, todos são testemunhas, que vou para imprensa, peço para escrever. Eu fico alguns momentos sem dar entrevista porque os meus advogados não permitem.

*[Risos] O sr. está dizendo que os seus advogados mandam no sr.?*
Evidente, eu tenho juízo, não é? Eu tenho que ouvir os meus advogados.

O ex-presidente Lula avançou um pouco nessa discussão sobre mídia. A presidente Dilma recuou. Ela teme esse debate?
Não. Eu acho que ela tem os pés no chão. Ela tem que governar o país.

Por que o ex-presidente Lula decidiu lançar tão cedo a candidatura à reeleição da presidente Dilma?
Porque queriam jogar xadrez só com as brancas ou com as pretas. Acharam que nós não existimos. O presidente Fernando Henrique Cardoso assume o papel de coordenador, conselheiro e agitador da campanha de Aécio Neves presidente da República. O governador Eduardo Campos se lança candidato à Presidência. E nós vamos ficar esperando 2014?

Quem o sr. acha que são os candidatos que devem acabar, realmente, concorrendo no ano que vem à Presidência?
Marina Silva com o partido dela, que é bem-vindo. O governador Eduardo Campos eu acho que é candidato.

É irreversível?
Não. Irreversível nenhuma candidatura é. Mas eu diria que ele é candidato legítimo, com todo o direito. E o senador Aécio Neves, pelo PSDB, acho que está consolidado. Há que ver o que fará o nosso José Serra, que já foi candidato duas vezes, que foi senador, prefeito, governador, deputado, secretário, tem todos os méritos e condições de ser candidato a presidente da República. Se ele fará um novo partido com o PPS e o PMN… Se vai tentar compor com o Eduardo Campos ou não, se vai apear o Aécio ou não e se será candidato. Eu acho que ele sempre, legitimamente, quis ser presidente. Se tem um homem no Brasil que lutou por isso foi o Serra.

O sr. está dizendo, então, que a presidente Dilma [será candidata] à reeleição. Aécio Neves, Eduardo Campos, Marina Silva… José Serra, uma incógnita. E Joaquim Barbosa?
É muito difícil prever isso.

O sr. pode passar um período preso. Como vai participar da política como tem dito?
Primeiro precisa ver se eu vou ser preso. Porque eu vou me defender na Justiça para não ser preso. É um direito que eu tenho. Eu tenho determinação de continuar a participar da vida política e vou encontrar meios em qualquer circunstância que eu esteja.

No Natal passado houve uma possibilidade de o ministro Joaquim Barbosa decretar a prisão dos condenados. Como foi o seu sentimento?
Um sentimento de indignação. Porque era uma arbitrariedade nunca vista. Eu não diria que eu tenho medo da prisão. Eu tenho um sentimento de revolta.

Preparou-se para ser preso?
Sim, eu estou preparado para qualquer circunstância. Não vou dizer que eu não possa fraquejar. Não sou nenhum super-homem. Sou um cidadão como qualquer outro. Eu às vezes penso que era melhor se eu tivesse morrido do que passar pelo que eu estou passando.

Mas o sr. chegou a pensar…
Não, eu sou um apaixonado pela vida. Jamais pensaria.

A sua vida política com o mensalão está encerrada?
Não. A minha vida política não está encerrada. Isso é uma ilusão. Quem acredita nisso não me conhece. Não está encerrada. Eu vou fazer política até o último suspiro. Escrever é fazer política. Vocês fazem muita política, os jornalistas. E como fazem! E os jornais, então, nem se fala. E a televisão, então, noticiário nem se fala! Eu vou fazer política.

NA INTERNET
Assista à entrevista e leia o texto na íntegra
folha.com/no1259925

Luis Nassif

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