Direito ao asilo é tradição latino-americana

Por Alceste Pinheiro

Comentário ao post ““Eu me sentia um agente do DOI-Codi”, diz Eduardo Saboia

É uma tradição latino-americana, estabelecida em acordos, inclusive, o direito ao asilo. E acusação de crime comum não o impede. Se assim fosse, Goulart não receberia asilo no Uruguai. Aliás, o Stroessner, um ditador de direita, lhe ofereceu asilo em Assunção. Brizola teria sido devolvido para ser julgado pelos militares brasileiros. Arraes nem se conta. José Dirceu não teria para onde ir. Gabeira, acusado de um sequestro, não viveria para escrever “O que é isso, companheiro”. Portanto, nesse caso específico, não está errado o diplomata que trouxe esse boliviano (que deve ser um merda mesmo), mas o Morales (que deve ser um homem decente), que dificultou a saída de um asilado, tal como o definiu o Governo Brasileiro. Pensem nisso e evitem desmoralizar esse instrumento, que pode vir um dia a beneficiar a quem hoje goza de respeitabilidade e apoio político à esquerda. Sobre isso, se quiser, pergunte aos inúmeros brasileiros que puderam correr as embaixadas de países latinoamericanos por causa golpe de 1964. Ou dos que estavam no Chile conseguiram correr para a Embaixada Argentina no golpe de Pinochet. E não esqueçam que o Stroessner, aquele mesmo filho da puta que ofereceu a salvação da vida a Goulart, obteve aqui asilo quando foi derrubado no Paraguai, o que nunca foi contestado por ninguém.

Esclareço que defendo um instrumento humano que a América Latina construiu, o do direito ao asilo político, independente da acusação. O boliviano (que, repito, deve ser um merda) é um político de oposição que solicitou asilo, soberanamente concedido pelo Governo Brasileiro. Nesse tempo todo, o Itamarati, tentou um salvo conduto ao senador, em uma confirmação do estatuto de asilado político. Nesse tempo todo, o que aconteceu foi uma intransigência, que levou às autoridades bolivianas a invadir um avião brasileiro que transportava o ministro Celso Amorim. Ora, o estatuto de asilado político quem concede é o governo do país que abriga a quem o pede. Portanto, o erro não é do Saboia, nem do Governo Brasileiro, mas do Governo Boliviano. De acordo com a acusação de crime comum, o erro teria sido do Lula, que asilou quem não devia. Não acho que seja o caso: o Governo Brasileiro manteve uma tradição que beneficiou muito mais a esquerda do que a direita.

Há uma tradição na América Latina – inclusive regulada em lei – de se conceder asilo. Nesse caso específico, não é a Bolívia quem decide. Como não podia ser Honduras, quando o presidente foi deposto e a direita brasileira queria que o entregassem aos golpistas. O Brasil disse não e pronto. Se o país decidiu que o senador era acusado por vingança política é uma atitude soberana pela tradição e pelos acordos internacionais da região. Errado está em não conceder o salvo conduto. Imagina se Pinochet faz isso com a multidão de brasileiros que correram para a Embaixada Argentina quando do golpe. Se o Brasil agisse de forma diferente, estaria jogando por terra um instrumento que salvou tantas vidas. Imagina se o México decide não abrigar os brasileiros trocados pelo embaixador americano porque entre os trocados estava gente que matou e roubou banco ou o cofre do Ademar.

Luis Nassif

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