Eleições na Turquia

Do O Globo

Erdogan ruma para terceira vitória na Turquia

RIO – Os holofotes se concentram em Brasil, Rússia, Índia e China, mas no ano passado a economia turca cresceu 8.9%, impulsionando os ambiciosos planos do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) de adicionar a letra T, de Turquia, ao grupo dos Brics – ou Bricts. Se a preocupação inicial do governo de Ancara era apenas atender às demandas para a entrada na União Europeia, investimentos e novas parcerias no Oriente Médio não só reforçaram a economia como renderam, ainda, uma enorme influência política na região que, agora, se vê às voltas com o futuro após a Primavera Árabe.

SAIBA MAISErdogan é primeiro-ministro há sete anos

Quando 52,5 milhões de eleitores turcos forem às urnas nas eleições gerais de domingo, estará aberta a temporada de observação de um Verão Turco: com a vitória certa do AKP e o terceiro mandato do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, resta saber como o líder conservador e linha-dura que resgatou a política e a economia do país vai administrar os temores internos de autoritarismo – e os externos, devido às raízes islâmicas do partido e de suas alianças com países como a Síria.

As projeções indicam que o AKP deve arrebatar entre 42% e 48% dos votos. E à frente dessa popularidade está o primeiro-ministro, classificado como um fenômeno sem precedentes na História da Turquia. Aos 57 anos, Erdogan, um muçulmano devoto, conseguiu aumentar sua ampla base de apoio nas camadas mais pobres – e religiosas – e conquistar a elite e a classe empresarial, fazendo uma plástica no partido, que de extrema-direita, ganhou cara de centro-direita, a exemplo da União Democrata Cristã na Alemanha.

– Erdogan se acha um herói nacional. Pela primeira vez na Turquia a disputa entre secularistas e islamistas ficou fora da agenda. Seu maior mérito foi envolver a classe média e atrair pequenos e médios empresários. Com o crescimento da desigualdade, nesta campanha, bem estar social e distribuição de renda foram o alvo. A estratégia parece ter dado certo – disse ao GLOBO Ihsan Dagi, professor de Relações Internacionais e colunista do diário “Zaman”.

Nas ruas, os cartazes de Erdogan dão uma pista de sua ambição: “A Turquia está pronta, o objetivo é 2023”. O perfil altivo e autoconfiante do homem que detesta críticas, persegue jornalistas e já teria processado milhares de pessoas por calúnia assusta seus críticos.

Obcecado em alterar a Constituição para democratizá-la – pelo menos dois terços da Carta Magna, imposta em 1982 durante a ditadura, receberam emendas – Erdogan é suspeito de querer transformar a Turquia num sistema presidencialista e de tentar se perpetuar no poder até 2023, quando se comemora o centenário da fundação da Turquia moderna de Ataturk. O temor externo de um superpoderoso Erdogan chegou até a levar veículos como a revista “Economist” e o “New York Times” à publicação de editoriais endossando o voto ao maior bloco de oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP), de centro-esquerda.

– Corremos um risco. O AKP é o partido de um homem só. Tudo funciona em torno de Erdogan, mas com a mudança de perfil do partido, o AKP é hoje formado por vários segmentos, que não aceitariam qualquer tipo de autoritarismo – afirmou Ihsan Dagi. – De qualquer modo, seria bom que o AKP ganhasse menos de 330 das 550 cadeiras do Parlamento. Sem maioria arrebatadora, fica a lição de que ele precisa trabalhar junto com a oposição.

Entre a União Europeia e um ‘neo-otomanismo’

A entrada na União Europeia ainda é uma prioridade em Ancara mas, nos corredores do poder, a determinação parece seguir o estilo pragmático do premier: “fazer mais e falar menos”. A busca de novos parceiros econômicos como os vizinhos Irã e Síria – além de resgatar velhas áreas de influência turca nos Bálcãs e na Europa Oriental – é apontada como fator de sucesso da política que reduziu o desemprego a 11%, padrão considerado baixo no país, e elevou a Turquia ao posto de 16 economia do mundo.

Ainda que a última pesquisa da Fundação Turca de Estudos Sociais e Econômicos (Tesev) mostre que 69% da população são a favor da entrada no bloco europeu, nas ruas, isso já começa a ser questionado.

– A pergunta ‘vale a pena entrar num bloco endividado quando se cresce e se ganha influência regional’ começa a crescer – assegura o cientista político Selcuk Colakoglu, da Organização de Pesquisa Estratégica Internacional, de Ancara.

Para ele, a dúvida vem da influência política conquistada nos últimos nove anos. A mediação turco-brasileira, no ano passado, frente ao Irã de Mahmoud Ahmadinejad, é um exemplo do bom trânsito de Ancara no mundo muçulmano. Não é raro, aliás, encontrar quem fale em um chamado “neo-otomanismo” – referência às aspirações equivalentes às do antigo Império Otomano, que teriam provocando, inclusive, desconfiança no antigo governo egícpio sob Hosni Mubarak.

As mudanças da Primavera Árabe são, ao mesmo tempo, a consagração do modelo político muçulmano tradicional e secular e, principalmente, um desafio à nova gestão de Erdogan: é chegada a hora de seu governo mostrar liderança, batendo de frente, por exemplo, com a vizinha Síria pelas violações aos direitos humanos.

– Sua principal plataforma externa era a política de zero problema com os vizinhos – relembra o analista Selcuk Colakoglu. – Mas os problemas são muitos, como o comércio bilateral e a instabilidade no Iraque após a retirada americana. A Turquia também perdeu líderes que conhecia, como Muamar Kadafi na Líbia, onde havia bilhões em investimentos turcos. Erdogan também precisará mostrar força diante de Bashar al-Assad, por exemplo. Os refugiados sírios são, agora, um problema desagradável para o governo.

Luis Nassif

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