Enriquecimento e voto: Russomano é culpa do Lula?

Enriquecimento e voto: ou o sucesso de Russomano é culpa do Lula?

 

Retomando a leitura do livro Ofício de Sociólogo (Vozes, 2007) de Pierre Bourdieu, J-C Chamboredon e J-C Passeron, deparei-me com um trecho de um artigo que os autores reproduzem (p.134) para argumentar e justificar a necessidade de clareza na formulação de hipóteses de modo a permitir suas futuras verificações e que achei muito apropriado para a discussão a respeito do “fenômeno” Russomano. Nenhuma novidade, é verdade, já vi neste blog, análises nesta direção, mas é interessante como reforço do argumento porque trata-se de hipóteses sobre a Inglaterra, o que deve servir ao menos como paralelo para entendermos o atual quadro político brasileiro.

 

«[…] O elo entre “enriquecimento” e “sufrágio” é mediatizado pela situação social do operário enriquecido. Se, como pensamos, essa situação se caracteriza, quase sempre, pelo corte em relação com o meio operário e se as atitudes predominantes dependem do “coletivismo utilitário” e do “primado da família”, a escolha do partido ao qual ficará ligado o operário tem mais possibilidades (para retomar Duverger) de ser baseado na associação do que na comunidade. Ou seja, sua atitude utilitária em relação com o sindicalismo tem todas as possibilidades de se estender à política, e seu voto ser dado a quem mais oferecer. É nesse segmento da classe operária que votar nos conservadores, nas circunstâncias atuais, tem possibilidades de significar “votar na prosperidade”. No entanto, um voto tão calculado e oportunista implica ligações políticas muito frágeis e não há necessidade de erguer o espantalho do desemprego generalizado para fazer perceber de que maneira elas podem ser deslocadas. Com efeito, uma vez que o operário fez a experiência de um nível de vida crescente, acaba por considerar como legítimo esperar do futuro uma continuação de aperfeiçoamento. Assim, sua fidelidade política presente pode vir a ser rapidamente invertida se ele associar a não-realização de suas esperanças à política empreendida pelo governo. A mesma lógica de “frustração relativa” pode aparecer no caso do operário que aspira a uma promoção social, embora a natureza de suas expectativas seja sensivelmente diferente. No entanto, na medida em que suas aspirações, no sentido de uma melhoria de estatuto social (e não uma simples melhoria de nível de vida), não forem reconhecidas pelos grupos a cujo estatuto pretende ter acesso, seu enriquecimento e suas expectativas poderão implicar, entre outras conseqüências possíveis, a revisão de suas idéias políticas que deve ser levada em consideração para avaliar a fisionomia futura da clientela dos partidos.»

John H. GOLDTHORPE e David LOCKWOOD – “Affluence and the British Class Structure” [1961] [Acesso – pago – ao artigo em inglês: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-954X.1963.tb01230.x/abstract ]

 

Concluindo, o sucesso da política econômica dos governos Lula-Dilma, pode justificar o sucesso de Russomano em nas eleições de São Paulo?

A emergência de uma nova classe trabalhadora na primeira década do século XXI que altera seu modo de ação coletiva de um “coletivismo de solidariedade” tradicional, para um “coletivismo utilitário”, mudando o centro de gravidade da classe operária para a família (“primado da família”), no sentido de que o principal objetivo agora seria a promoção econômica e social do núcleo familiar, ou seja, o sucesso da política econômica do PT é o calcanhar de aquiles de Haddad e quiça do lulismo no futuro?


É preciso esclarecer que esse trecho todo, citado entre as aspas, sucede a construção de quatro hipóteses que os autores fazem “sobre os efeitos prováveis […] do enriquecimento da classe operária sobre a estrutura social britânica” daquele momento. 


Se alguém me garantir que não infligirei os direitos da Editora Vozes, eu publico aquelas hipóteses que são interessantes também. Ademais, vale dizer que os autores afirmavam que os operários que ascendiam socialmente não formavam uma “nova classe média”, mas entravam numa posição de convergência, tornando-se (independentemente) uma “nova classe operária”, ao lado da emergência de uma “nova classe média” oriunda, por sua vez da classe média tradicional. Em comum, mas por causas e meios distintos, possuíram os mesmos fins e meios de Ação Social: uma ação coletiva caracterizada exatamente por um coletivismo-utilitário/primado da família. A Nova classe operária se caracterizaria por adquirir um novo individualismo via atenuação do coletivismo de solidariedade e a nova classe média se caracterizaria por adquirir um novo “coletivismo” via atenuação do “individualismo radical” (obtendo uma maior sensibilidade aos estatutos sociais). Os fins comuns entre as novas classes sociais: “uma orientação para o consumo (de bens, tempo, possibilidades de instrução, etc.)” implicando na transformação da familia em um centro de decisões independente no caso de projetos para o futuro.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador