Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Venezuela poderá eleger Maduro para impedir retrocesso

Por Maíra Vasconcelos, no Portal Luis Nassif

Venezuela poderá eleger Maduro para impedir retrocesso político

“É possível que Maduro vença por uma ampla maioria já que o eleitorado chavista está impactado com a morte prematura de seu líder e teme um retrocesso político”. A análise é da PhD em Ciência Política e professora do curso de Relações Internacionais da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Renata Peixoto de Oliveira.

Ela também considerou que dar continuidade e avançar com as chamadas “missões bolivarianas” – nome dado por Hugo Chávez aos programas de assistência social – será tarefa principal de Nicolás Maduro (PSUV), tido favorito em pesquisas de opinião, para fazer progredir a “Revolução Bolivariana”. Caso seja eleito presidente hoje, Maduro e o movimento socialista bolivariano terão o desafio de criar unidade e gerar novas lideranças, condições políticas abafadas pelo personalismo e centralização das decisões políticas apoiadas por 14 anos em Hugo Chávez.

– Se vingar a continuidade do projeto político da chamada revolução bolivariana, com Nicolás Maduro no poder até 2019, além da manutenção dos serviços de assistência e distribuição de renda, em que se faz necessário avançar na área social?

De uma maneira geral, o ponto forte de sustentação e legitimidade do governo Chávez foi o avanço na área social, sendo assim, a ampliação e manutenção destas políticas públicas, principalmente, das “missões” bolivarianas, garantirão não apenas a melhoria dos indicadores sociais como garantirão uma importante base de apoio para a continuidade do projeto chavista.

– Caso vença Maduro, pensar sua identidade como político e presidente… Ao que transparece em seu discurso chavista, Maduro construirá sua própria imagem, desenvolvida e solidificada, ao mesmo tempo e durante seu mandato como presidente. Poderíamos dizer que em regimes políticos personalistas, como foi o de Hugo Chávez, o problema desta postura está em não dar vazão para que possam surgir diferentes perfis políticos dentro do mesmo movimento?

Nicolas Maduro não é Chavez, tanto ele quanto o eleitorado têm plena consciência disso. São histórias de vida e legados distintos. Mas Maduro ocupou um importante papel dentro governo, principalmente à frente do Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores e foi colocado pelo próprio Chávez como seu herdeiro político. O modo de governar do presidente falecido se baseava fortemente em seu carisma e a centralização de decisões deu pouca margem para o surgimento de outras figuras políticas de peso dentro do chavismo. Caberá aos partidários do governo e ao seu eleitorado reinventar-se sem Chávez, buscando no seu legado a base de sustentação política deste movimento e de seu governo.

– Os simbolismos em torno da figura de liderança de Hugo Chávez foram um fator político de condução de massas tão importante como é a ação concreta rumo a um projeto ou um acordo econômico. Como disse Lula da Silva, Nicolás Maduro não tem o mesmo carisma e o alcance popular de Hugo Chávez, o que lhe exigirá a executar uma política mais orgânica. O que seria na prática essa “política orgânica”, dentro das possibilidades dadas pelo país?

Sem os apelos políticos de Chávez, sua oratória e figuras de retórica, caberá aos líderes do chavismo, dentre eles Maduro, optar por uma política de resultados, mostrar eficiência na manutenção das conquistas e em avanços para o país.

– Se os eleitores de Hugo Chávez colocaram-se ao lado do líder bolivariano pelos benefícios reais conseguidos via programas de assistência social, como entender o eleitorado de Henrique Capriles, no sentido do cidadão que busca por um representante que defenda seus interesses?

A polarização política que marca a sociedade Venezuelana desde o episódio do “Caracazzo”, de 1989, e reforçada a partir da ascensão de Chávez em 1999, nos mostra claramente o que marca os principais enfrentamentos políticos do país. Basicamente, Chávez representaria a ruptura com as elites tradicionais, a possibilidade de um governo preocupado em redistribuir as riquezas advindas da receita petroleira, enquanto a oposição ao chavismo sempre representou os interesses das classes que se sentiram atingidas, que perderam espaço político e viram seus interesses econômicos ameaçados.

– A margem de diferença de pontos entre Maduro e Capriles, em caso de vantagem e vitória do primeiro candidato, poderá indicar um fortalecimento, manutenção ou queda da força do movimento revolucionário bolivariano?

Mesmo Chávez ao se manter por 14 anos no poder, enfrentou momentos de alta e perda de popularidade. Isto é normal diante de possíveis desgastes de um projeto político. Mesmo assim, manteve a maioria e venceu todas as eleições que disputou, só enfrentando uma derrota política com o plebiscito sobre reforma constitucional em 2007. É possível que Maduro vença por uma ampla maioria já que o eleitorado chavista está impactado com a morte prematura de seu líder e teme um retrocesso político. As eleições Venezuelanas ocorrerão em meio às comemorações do retorno de Chávez ao poder depois do malfadado golpe de Estado de Abril de 2002, o que em si nos mostra todo o simbolismo que envolverá as eleições de amanhã.

– Com Lula da Silva e Néstor Kirchner, durante o governo Chávez foram assinados convênios comerciais no setor energético, por exemplo, como também foi dado início á reaproximação com Evo Morales e Rafael Correa. A pauta econômica de relações internacionais foi diversificada? A política externa venezuelana continua atada ás relações com os Estados Unidos e a Colômbia, até que ponto?

Diante da forte interdependência histórica entre Venezuela, Colômbia e Estados Unidos é difícil uma ruptura abrupta, já que isso não aconteceu durante o governo Chávez. O que vimos foram momentos de tensão alternados por tentativas de reaproximação. Quanto às relações estreitas entre outros governos da região, também é provável que se Maduro saia vencedor, as relações com governos aliados prossiga, da mesma forma como a tendência a diversificar suas relações diplomáticas e comerciais com outros países, a fim de diminuir o isolamento internacional marcado pelas décadas de importante aliado dos Estados Unidos na região.

– Segundo as riquezas do país, qual a chance de diminuir a alta importação produtos alimentícios, que chega a 75% do total consumido.

Com Chávez e, possivelmente, com o prosseguimento do chavismo no poder, existirá uma tendência em se diminuir a dependência externa por conta da centralidade conferida ao petróleo que acabou sufocando o desenvolvimento de outros setores econômicos. Contudo, esta dependência histórica do petróleo, o desenvolvimento de um parque industrial diversificado e o crescimento da agroindústria não ocorrerá do dia para noite. Nenhum governo venezuelano foi capaz de fazê-lo, Chávez deu o pontapé inicial. Além disso, as riquezas do petróleo ainda são fundamentais para a promoção do desenvolvimento econômico e social. A Venezuela petroleira é que pode garantir o fim da dependência do petróleo e o desenvolvimento de outros setores, o que implicará na diminuição das importações.

– Como entender que o partido MAS, representante do socialismo, com bases no comunismo do século XX, passou a atuar ao lado de Henrique Capriles? Como entender a formação da MUD e os todos os pequenos partidos que o formam, sendo muitos dissidentes do socialismo?

A política partidária venezuelana mudou consideravelmente durante mais de uma década do chavismo no poder. O surgimento de novos partidos, como o próprio PSUV, ou a formação de novas alianças reflete o contentamento e o descontentamento de setores ligados ao governo Chávez com sua condução política. Isto natural em qualquer processo democrático, democracia não é apenas consenso, democracia é dissenso. Existem grupos que vão romper por completo compondo as fileiras da oposição; outros tentarão se colocar como outra via dentro do mesmo projeto revolucionário e outros se colocarão como representantes legítimos do processo, verdadeiros herdeiros políticos de Chávez. Para um regime político sempre acusado de ser autoritário, a existência de partidos de oposição que se organizam livremente e participam de eleições livres, bem como, a existência de uma mídia que faz aberta oposição ao projeto chavista, colocam em xeque esses argumentos.

– A igreja católica chegou a formular oposição á Chávez? E qual o papel do catolicismo no discurso dos representantes políticos na Venezuela?

Durante o golpe de 2002, setores do alto clero apoiaram os golpistas. Em 14 anos, e diante da complexidade e de grupos e segmentos distintos desta instituição religiosa é difícil rotular seu posicionamento, pois isto pode diferir de acordo com temáticas e determinados dogmas. Independentemente, Chávez sempre teve forte relação com o cristianismo, sua fé sempre foi alardeada, tornando-se um componente interessante e curioso de sua proposta de formulação de um socialismo do século XXI, não ateu, mas cristão. Assim como os mártires da independência latino-americana do século XlX, a figura de Jesus Cristo sempre esteve presente no ideário bolivariano de Chávez, teria sido ele o primeiro comunista da história? O ideário de promoção da justiça social do governo Chávez sempre esteve atrelado a “filosofia” cristã.

– A proximidade entre os governos da Venezuela e de Cuba foi fundamental para a promoção da chamada Revolução Bolivariana de Chávez? Fontes independentes falam em mais de 100 mil cubanos trabalhando, atualmente, na Venezuela, enquanto dados oficiais citam 40 mil cubanos.

Principalmente os médicos cubanos foram essenciais para que a Missión Barrio Adentro levasse programas de atendimento e acompanhamento médico às comunidades carentes na Venezuela, notadamente, em Caracas. A Revolução Cubana continua sendo um baluarte para as esquerdas latino-americanas e ao adotar um discurso e uma política de defesa da autonomia e soberania dos países da região, Chávez teve que se posicionar com relação ao bloqueio que os Estados Unidos mantêm com relação a Cuba, mesmo após o fim da Guerra Fria. Assim, ainda é mais relevante ressaltar o quanto foi fundamental para Cuba o apoio político e econômico do governo Bolivariano.

– Sobre a participação das forças armadas no processo político venezuelano.

Chávez tem origem militar e o exército sempre foi um ponto de apoio importante para seu governo, isto pode explicar em grande parte os investimentos que fez para modernização das Forças Armadas em seu país. Mas de fato, ainda existe outra problemática no que se refere as relações entre civis e militares na Venezuela, além dos militares desempenharem importante papel político, ocorreu um certo tipo de militarização de amplos setores da sociedade civil, formando exércitos bolivarianos para garantir o sucesso da Revolução.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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