Porque os jornais não conseguem mais inovar, por Luis Nassif

Temas relevantes de política, economia, sociedade, passaram a ser padronizados. O repórter sai para a cobertura já amarrado a bordões convencionais.

Historicamente, os grupos de mídia brasileiros sempre fizeram parte da banda gerencialmente mais atrasada do universo empresarial.

Houve algumas tentativas de implementar ferramentas gerenciais, mas sem resultados concretos..

Uma das experiências foi o chamado Projeto Folha, ainda nos anos 80. Otávio Frias criou indicadores de produtividade. Cada repórter tinha que produzir determinado número de matérias por semana.

Assim que entrei na Folha, como repórter especial, tinha como colegas um elenco de grandes repórteres. Solto, sem as responsabilidades de comando que tinha no Jornal da Tarde, tratava de propor e desenvolver grandes pautas. Incomodava os colegas.

Um deles me chamou a atenção:

  • Nós, que temos bom texto, não precisamos apurar muito não. Basta desenvolver os textos.

Outro, que havia passado pelo JT, sempre que levantava temas mais aprofundados, em vez de uma reportagem de fôlego, transformava a cobertura em várias matérias menores, quase inexpressivas.

Era evidente que o modelo quantitativo não era adequado.

Outra experiência curiosa foi com a TV Bandeirantes. Convenci a direção a contratar a Fundação de Desenvolvimento Gerencial (FNDG), de Vicente Falconi, da qual eu era membro do Conselho. O resultado foi hilário. Concluiu que a grande mudança, para reduzir os custos, seria fechar o Jornal da Noite às 18 horas.

Mesmo assim, o  problema central dos jornais não foi o olhar vesgo sobre temas gerenciais, mas a absoluta falta de noção sobre modelos de inovação tecnológica.

O ambiente de inovação

Os anos 90 e 2000 foram pródigos em discussões sobre formas de aumentar a competitividade das empresas. E um dos temas centrais era a questão da inovação.

Há diversas pré-condições para se criar um  ambiente eficiente de inovação:

1. Liberdade de pensamento e de experimento.

Não se trata de algo meramente retórico. O ambiente tem que estimular as inovações e ter tolerância com experiências mal-sucedidas. Não há nada pior do que não tentar com medo de errar.

2. Capacidade de questionamento.

Especialmente as coberturas continuadas têm que ser submetidas a questionamentos dos jornalistas, para evitar a estratificação de erros.  Não há nada pior para o jornalismo do que a ditadura da primeira versão. Constata-se o erro de avaliação. Em vez da correção, insiste-se no erro, obrigando a cobertura a ser cada vez mais enviesada para justificar a conclusão inicial.

3. Sala de situação

Especialmente nas coberturas continuadas, há uma enxurrada de informações levantadas. Há a necessidade imperiosa de uma sala de situação, na qual editores experientes juntem as peças, identifiquem as vulnerabilidades da cobertura e redirecionem os repórteres.

O ambiente das redações

Os anos 90 foram um período fora da curva, com os jornais buscando uma pluralidade relativa. A estratégia, no caso, era chegar a um público politicamente mais diversificado. Conseguia-se a diversificação na relação de colunistas. As reportagens, manchetes e editoriais continuavam sob controle estrito dos proprietários.

A partir de 2005, a mídia acentua vícios que acabam por comprometer totalmente sua qualidade.

O primeiro, foi o enquadramento das redações nas regras rígidas e anti-jornalísticas introduzidas pela Veja e seguidas pelos demais jornais, dentro do ambiente de guerra política do chamado jornalismo de esgoto. Criam uma geração burocratizada e temerosa que, em geral, saía com boa formação das faculdades e eram sufocados no trabalho profissional.

O segundo foi a maneira de enfrentar a crise financeira. Havia a necessidade de redução de custos. Só que a redução adequada implicaria em uma revisão dos modos de produção, uma reinvenção.

O novo modelo deveria ter 

– jornalistas experientes como coordenadores de cobertura; 

– repórteres experientes nas coberturas especiais

– uma brigada de jornalistas de dados;

– um corpo de jovens repórteres para a cobertura do dia-a-dia;

– um banco de dados de repórteres freelancers em todos os cantos.

– o uso da tecnologia para aumentar a eficiências das ações rotineiras.

Com gestão, poderiam substituir as enormes redações dos anos 90 por redações m,ais enxutas e eficientes.

Nada disso ocorreu. Numa ponta, decidiu-se reduzir a folha de salários substituindo jornalistas mais experientes por menos experientes, mas mantendo o modelo original. Na outra, não houve a menor preocupação em selecionar temas. Entraram no ritmo da informação online, com proliferação de pequenas notas, em vez de matérias aprofundadas e contextualizadas.

Finalmente, o golpe fatal, a estratificação absoluta da cobertura. Temas relevantes de política, economia, sociedade, passaram a ser padronizados. O repórter sai para a cobertura já amarrado a bordões convencionais. A insegurança faz com que repórteres, redatores e editores se acomodem no que foi dito ontem, para não correr o risco de um enfoque novo errado.

Não há o menor estímulo à busca de conhecimento, ao aprofundamento de temas em economia, política, ciências, inovação e tecnologia. É uma cobertura padronizada e setorizada, pior do que a setorização dos anos 70 e 80 que, ao menos, cobria um número maior de setores.

Hoje em dia, a disputa introduzida pela CNN, a nova lógica das redes sociais, está permitindo algum protagonismo para os jornalistas. Os mais talentosos tentam escapar da camisa de força do aquário. 

Mas aparentemente não há canais institucionalizados permitindo que o jornalismo desabroche. COntinuam sendo empresas familiares, nas quais o jornalismo consegue alguns respiros individuais. Mas nada que ajude na construção do país.

Luis Nassif

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  1. Nenhum comerciante fala mal do produto que vende.
    Os donos da mídia corporativa são comerciantes.
    O produto que vendem?
    O modelo neoliberal, do qual são tributários e beneficiários, para usar linguagem eufemística.
    O modelo neoliberal, como se sabe, tem argumento e roteiro bem definidos, mocinhos e vilões imutáveis, e destina-se a promover o bem-estar e a felicidade generalizados; portanto, não admite improvisos, alterações, ou desvios.
    Estamos de tal modo inseridos nessa “bigbrotherização” do mundo, via rede (redil?) social de sua preferência, que nem percebemos isso.
    Por exemplo: no final dos anos 70, passei uma temporada em São Paulo. Tinha o hábito de ouvir jogos de futebol, no rádio. Havia um comentarista, Mário Moraes, de uma franqueza hoje inimaginável; se o jogo estava ruim, ele o dizia com todas as letras (só não falava a palavra ‘merda’, mas deixava claro que o referido vocábulo definia com clareza a qualidade do espetáculo), para desespero do narrador, Joseval Peixoto, cujas queixas e súplicas por uma opinião mais amena ele ignorava olimpicamente.
    Naquela época, jogos de futebol, no rádio ou televisão, eram, ainda e basicamente, fatos jornalísticos; hoje são produtos. Em lugar de comentários, ou resenhas, estatísticas tão completas quanto inúteis, quantas vezes chutou de direita, quantas de esquerda, quantas vezes parou no meio de campo para limpar o salão, quantas patoladas deu ou levou, além de sandices como mapas de calor, e outras engenhocas para mostrar o mais recente software adquirido pela emissora, enfim, toda sorte de estupidez capaz de preencher espaço, evitar opiniões desagradáveis, e assegurar o embotamento mental do telespectador.
    Pois bem: o mundo, em si, até o surgimento da mídia de esgoto, era um fato jornalístico; hoje, é, de um lado, um produto a ser vendido – o modelo neoliberal – e, de outro lado, um judas a ser espancado: a solidariedade, o progresso justo e para todos, a sociedade de cooperação, e não de competição. Em uma palavra: o comunismo ateu.
    O século XX nos impôs o primado da imagem, do som. A sinestesia venceu, o intelecto atrofiou-se. A mídia corporativa resiste em abandonar o papel impresso, sabe-se lá o motivo. Talvez porque seja a última representação palpável de seu antigo poder, cuja perda, como se sabe, produz desânimo e nostalgia. Em grande parte, perderam o trem da História: quando subiram nele, todos os assentos já estavam ocupados, pelo Google e congêneres; estão viajando em pé, e ficando cansados. Logo, logo, saltam na Estação Oblívio, onde, por exemplo, eu, que quero escrever e ler, já estou.
    Poderia ter sido diferente, para eles? Não sei. Provavelmente, não. A palavra, o texto, são relíquias que aguardam o descanso eterno. E encerro por aqui; é preciso espantar a amargura.
    Até a próxima live.

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