Sarkozy quer Brasil mediando Irã

Do Estadão

Sarkozy telefona para Lula e incentiva Brasil a tentar levar Teerã ao diálogo

Hoje, em visita oficial a Moscou, Lula buscará apoio de um 3º membro permanente do Conselho de Segurança

Tânia Monteiro e Denise Chrispim Marin, de O Estado de S. Paulo

Aliado à Turquia e respaldado pela posição dúbia da China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ontem o aval do presidente da França, Nicolas Sarkozy, para sua missão de convencer o Irã a retomar as negociações sobre um acordo com as potências nucleares. Ainda hoje, em visita oficial a Moscou, Lula buscará o apoio de um terceiro membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Rússia, a esse acordo que, em tese, poderá evitar novas sanções contra Teerã.

No domingo, em Teerã, o presidente brasileiro se encontrará com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, e o presidente do Congresso, Ali Larijani. Segundo diplomatas brasileiros, Lula tentará convencer Ahmadinejad a evitar declarações contundentes, como a que fez ontem, quando afirmou que as resoluções da ONU contra o programa nuclear do Irã “não valem um centavo”.

Além dessa iniciativa solitária, uma ofensiva conjunta do Brasil e da Turquia sobre Teerã poderá ocorrer na segunda-feira, quando o premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, deverá se somar a Lula na abertura da 14.ª Cúpula do G-15, grupo de países em desenvolvimento que caiu no ostracismo na última década e foi convocado por Ahmadinejad.

A conversa entre Sarkozy e Lula demorou cerca de 20 minutos, segundo o Itamaraty, e o tema central foi a questão do Irã.

Do ponto de vista do Brasil e da Turquia, recuos pontuais do Irã e das potências nucleares (EUA, Rússia, China, França e Inglaterra) e Alemanha poderão permitir a conclusão do acordo prevendo a troca de urânio levemente enriquecido do Irã por combustível para a usina de Teerã, fabricante de radiofármacos. Para os dois aliados, esse seria um passo essencial para reconstruir a confiança mútua e impedir o isolamento do Irã.

A questão nuclear iraniana dominará boa parte da conversa de hoje entre Lula e o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev. Assim como a China, a Rússia está sensibilizada pela questão iraniana, por causa da ampla rede de comércio e negócios e da intensa cooperação bilateral, inclusive na área nuclear.

Pressão dos EUA. Ao mesmo tempo, Moscou se aproximou da administração de Barack Obama, presidente dos EUA, país que mais insiste na via das sanções.

Ainda ontem, em visita à Turquia, Medvedev declarou que a proposta de acordo nuclear com o Irã “não seria uma maneira ruim de resolver essa situação”, desde que aprovada por “todos os participantes do processo”. Sobretudo, os EUA. Segundo o embaixador do Brasil em Moscou, Carlos Antônio da Rocha Paranhos, ainda não se pode dizer que a Rússia apoiaria automaticamente novas sanções ao Irã.

Assim como o Brasil, o país não considera a retaliação um instrumento eficaz. Mas, se não houver alternativa, a Rússia defende que as sanções não devam paralisar a economia iraniana ou causar problemas sérios para a população. “Os russos estão estudando a evolução da posição iraniana. Eles têm assinalado que não estão esgotadas todas as possibilidades de diálogo”, disse Paranhos.

PONTOS-CHAVE

Rússia

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Moscou, onde ficará até amanhã à noite. Lula se reunirá com o presidente Dmitri Medvedev e com o premiê Vladimir Putin

Catar

Lula chega a Doha na noite de amanhã e se reúne com o emir do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani, no sábado. No fim da tade, o presidente brasileiro segue para o Irã

Irã

Líder brasileiro chega à capital Teerã na noite de sábado. No domingo, Lula se reúne com o presidente Mahmoud Ahmadinejad e com o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei

Espanha

Lula chega a Madri na tarde de segunda-feira, onde ficará até quarta-feira. Na capital espanhola, presidente participará da 6ª Cúpula América Latina e Caribe-União Europeia

Portugal

Presidente brasileiro chega a Lisboa na tarde de quarta-feira e se reúne com o líder português, Cavaco Silva. Na noite de quarta-feira, ele deixa o país com

Do Valor

Para russos, Lula tem credibilidade para estabelecer diálogo com o Irã

Raymundo Costa, de Moscou
13/05/2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca no fim da tarde de hoje em Moscou sob a expectativa dos russos em relação à etapa seguinte de sua viagem, o Irã. O Kremlin considera que Lula tem capacidade de interlocução e credibilidade para arrancar um compromisso dos iranianos no sentido da retomada do diálogo sobre seu programa nuclear. O Irã transformou-se num tema central de uma viagem mais de consolidação de uma parceria estratégica que por novos acordos. Uma boa notícia: a partir de junho acaba a exigência da concessão de vistos de curto prazo (90 dias) para viajantes russos e brasileiros.

Coincidência ou não, o presidente russo Dimitriy Medvedev encontra-se com Lula depois de viagem que fez ontem à Turquia, país que o Irã considera “confiável”, assim como o Brasil, e que também defende a retomada das negociações com os iranianos. Segundo o embaixador brasileiro em Moscou, Carlos Antonio da Rocha Paranhos, muito embora algumas autoridades tenham dito que a Rússia pode vir a apoiar a ampliação das sanções, o governo “sempre assinalou que não estão esgotadas todas as possibilidades de diálogo com o Irã”. Os russos dizem que sanções não são eficazes.

“Ele estão estudando o quadro, avaliando a evolução da posição iraniana e têm insistido muito nessa questão de que não estão esgotadas todas as possibilidades de algum tipo de entendimento com a parte iraniana”, disse o embaixador Paranhos.

A visita de Lula a Moscou ocorre um mês depois da segunda conferência de líderes dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), realizada em Brasília. O desembarque de Lula em Moscou é precedido de recados elogiosos do presidente Medvedev. De acordo com o Kremlin, a Rússia vê atualmente o Brasil como um interlocutor privilegiado da Rússia em todas as questões de política internacional, regionais e naquelas mais “candentes da realidade internacional”, como é o caso do Irã. Em mensagem enviada ao Itamaraty, Medvedev mandou dizer que quer ouvir Lula, a quem considera mais que um líder regional, mas “líder internacional, de grande carisma”, com o qual tem uma “boa química pessoal”.

“Eles (os russos) têm muita expectativa em relação a essa viagem que o presidente Lula vai fazer a Teerã porque consideram que ele tem capacidade de interlocução, tem credibilidade para tentar alcançar algum compromisso, da parte do lado iraniano, que permita uma retomada de um diálogo em torno do programa nuclear”, disse o embaixador Paranhos em conversa com jornalistas, ontem, na sede da representação brasileira em Moscou.

Depois do encontro com Medvedev, Lula terá uma reunião de trabalho com o primeiro-ministro Vladimir Putin. Além do Plano de Ação da Parceria Estratégica e dos acordos para dinamizar as relações comerciais a aliança tecnológica, os dois países devem “debater as possibilidades de adoção de mecanismo de pagamento em moedas locais para o comércio bilateral”.

A meta de Brasil e Rússia para 2010 era chegar a um fluxo de comércio de US$ 10 bilhões, mas a crise financeira internacional interrompeu o crescente comércio que caiu de US$ 8 bilhões para US$ 4,28 bilhões de 2008 para 2009. Ainda assim, a diplomacia brasileira vê razões para otimismo: no primeiro trimestre de 2010 o comércio Brasil-Rússia já bateu a casa do US$ 1,2 bilhão. Talvez não repita 2008, mas pode chegar perto.

Lula participará do Fórum Comercial Brasil-Rússia, a ser realizado amanhã. Para o Itamaraty o mais importante da incursão brasileira no antigo coração do comunismo é a qualidade, em vez da quantidade. A Rússia é de longe o maior e mais importante mercado para o segmento da carne brasileira, mas também já recebe investimentos brasileiros. A 50 quilômetros da capital, o grupo JBS toca um investimento, em associação com um grupo italiano, de fabricação de hambúrgueres e derivados de carne para toda a rede McDonald’s, um dos símbolos do capitalismo que invadiram a Rússia.

A Sadia teve um investimento de industrialização de frangos em Moscou, mas vendeu sua parte ao sócio russo. Mas permaneceu com a Perdigão sob a marca Brazil Foods. A Perdigão, aliás, beneficiou-se do sucesso que a novela “Escrava Isaura” fez na Rússia, nos anos 70, para lançar produtos com o nome de “Fazenda”, palavra que popularizou-se no país como a atriz Lucélia Santos, protagonista da história. Os russos ricos também passaram a chamar suas dachas de “fazenda”. A Ambev e a Marcopolo, que fabrica carrocerias, são duas outras logomarcas brasileiras no cenário de Moscou. “A Rússia, num certo sentido, descobriu o Brasil”, diz Paranhos.

A Gazprom quer montar um escritório no Rio e está interessada na camada pré-sal, expert que é na liquefação de gás em alto mar e no transporte para o continente. Mas a “química” da petrolífera russa com a Petrobras não é boa, segundo apurou o Valor. Há conversas no campo da energia nuclear – a Rússia quer vender usinas de pequeno porte. E na área espacial: Moscou desenvolveu um novo sistema de navegação global por satélite que pode ser tocado em parceria com o Brasil – a fabricação dos monitores de vídeo, por exemplo.

Os russos gostariam de fazer uma parceria para a fabricação de caças de quinta geração, mas esses planos foram comprometidos com a exclusão do Sukhoi da “short list” do caça que será escolhido pelo governo brasileiro parar a FAB. Mas estão previstos acordos na área da defesa. E a inevitável discussão sobre a reforma da ONU e de seu Conselho de Segurança, no qual Lula aspira um assento permanente.

Luis Nassif

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