A entrevista do Blog com Temporão – 2

Plano de saúde deve devolver, em recursos financeiros, gastos de clientes em hospitais públicos

Por Bruno de Pierro
Da Agência Dinheiro Vivo


Da Agência Brasil

Na segunda parte da entrevista – clique aqui e confira a primeira parte da entrevista – concedida ao Brasilianas.org, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão traça uma avaliação sobre a atuação dos conselhos e conferências de saúde, reforçando a necessidade de reformulação urgente, pois “as conferências acabaram se transformando em longos e custosos debates inócuos, com produção de centenas de ‘decisões’ e propostas que nunca são viabilizadas”, avalia.

O ministro ainda fala dos embates que teve dentro e fora do governo, explicitando as maiores dificuldades de se fazer política pública no Brasil. “Nunca me interessei pela vinculação partidária de ninguém, acho isso uma coisa pobre, temos que olhar o currículo e a experiência de formação de cada um”.

Por fim, fala quais recomendações passou ao novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha e revela qual será seu futuro na administração pública. Não sem antes explicar o que aconteceu com o Cartão SUS e com o Sistema de Ressarcimento ao SUS. Confira.

Brasilianas.org – No final de dezembro do ano passado, foram publicadas duas portarias, que passaram a valer no início de janeiro, reduzindo o valor de tratamentos de pacientes do SUS com linfoma e leucemia mieloide crônica. As reduções vão de 9% a 22%. Isso se deveu à falta de verba, ou a uma interferência do judiciário?

José Gomes Temporão – Nem um nem outra. Nesse caso específico, é o reflexo de que nós fizemos acordos com a indústria farmacêutica e reduzimos drasticamente o preço pelo qual o ministério pagava por esses medicamentos. Isso que se falou de que deixamos de repassar verba é um não-fato. Fui obrigado a reduzir o repasse, porque agora os hospitais gastam muito menos com o pagamento dos medicamentos.

No caso de medicamentos que são monopólio, feitos por um único produtor, nós centralizamos a compra. Antes, a compra era feita diretamente pelos hospitais, e é evidente que cada hospital pagava de um jeito ou de outro. E quando centralizamos, obrigamos os laboratórios a fazerem preços mais interessantes. No caso de um único produtor, não se faz licitação, por razões óbvias.

Como o senhor avalia o movimento dos conselhos de saúde e também das discussões que permeiam as redes sociais e as conferências?

O setor de saúde foi que liderou esse processo de conferências e conselhos, tudo isso começou na saúde, outros setores foram, depois, copiando e adaptando. É uma experiência brasileira, extremamente relevante, não só as conferências, que são periódicas, a cada quatro anos, como os conselhos, municipais, estaduais e o nacional, acompanham, fiscalizam.

Eu vejo e muitos estudos mostram que há necessidade de uma revisão e reformulação profunda, porque as conferências acabaram se transformando em longos e custosos debates inócuos, com produção de centenas de “decisões” e propostas que nunca são viabilizadas, porque o relatório final é absolutamente fragmentado muitas vezes. E os conselhos, que, a meu ver, foram tomados por corporações e grupos políticos.

O senhor poderia dar um exemplo?

O conselheiro muitas vezes está ali para defender interesses de grupos e facções de corporações. É um risco, que acontece em todo tipo de processo, e me parece que tanto o modelo de conferência, como o modelo de conselho, merece uma revisão. Um exemplo curioso está no Conselho Nacional de Saúde (CNS). Não sei se você tem essa informação, mas os médicos não participam mais do conselho.

Eles se retiraram, porque no processo de escolha na eleição dos representantes desses profissionais de saúde, colocaram os médicos, que, com certeza, são a profissão mais importante no setor de saúde, numa posição secundária. Qual o sentido de um Conselho Nacional de Saúde que não tem médicos? Não tem sentido.

Queria aproveitar para perguntar o que o senhor pensa sobre o embate, comum nos ministérios, que há entre o profissional e o político. No seu caso, que é médico, houve pressões políticas, judiciárias até, que impediram medidas de caráter mais técnico. Como se dão os embates no ministério?

Eu sou sanitarista, professor há 30 anos na Fundação Oswaldo Cruz [Fiocruz], mas ao mesmo tempo sou político, porque venho da política de saúde e militei no movimento sanitário, também fui militante do Partido Comunista Brasileiro. Na realidade, depende da visão de política que você tem. A minha visão de política é uma visão em que a saúde, o sistema universal de acesso é a questão central.

Sim, a política está em tudo, na verdade.

Sim, exatamente. E quando você coloca outros interesses, outras visões, você entra no mérito se são justas ou injustas. Posso dizer, tranquilamente, que montei uma equipe bastante profissional; meus secretários, diretores são pessoas altamente qualificadas. Houve, sim, embates e tentativas de nomes que, a meu ver, não tinham o perfil adequado. Nunca me interessei pela vinculação partidária de ninguém, acho isso uma coisa pobre, temos que olhar o currículo e a experiência de formação de cada um. Com toda a franqueza, essa não foi uma questão que afetou minha gestão, apesar do problema da Funasa, uma outra questão.

Mas no caso das fundações, houve embates dentro do próprio governo

Mas o curioso é que, no caso das fundações, tanto o Ministério do Planejamento, quanto outros ministérios, como o da Educação e o da Ciência e Tecnologia, apoiaram. Inclusive, fui várias vezes ao Congresso, acompanhado desses ministros, para me reunir com Michel Temer, para cobrar a votação, mas nada acontecia. [As posições contrárias às fundações] podiam até ser parte do governo, mas não eram posições do governo como um todo. Havia muita pressão também de partidos e grupos de parlamentares que se colocavam contrários.

Mas acho que estamos condenados a lidar com essa discussão, que não é brasileira, mas sim mundial. Espanha, Portugal e Inglaterra estão lidando com essa questão e estão repensando e revendo as matérias e nós, infelizmente, estamos mantendo estruturas arcaicas dos anos 1950 na gestão de hospitais públicos.

Em relação ao Cartão SUS e o Sistema de Ressarcimento ao SUS, dois pontos que foram anunciados, mas que não vingaram, gostaria de saber quais as razões dos impedimentos?

O ressarcimento não foi julgado no Supremo Tribunal Federal, e toda e qualquer tentativa de cobrança do ministério, na maioria das vezes, os planos e seguros recorrem. A ANS [Agência Nacional de Saúde] desenvolveu um novo sistema eletrônico de ressarcimento, houve uma série de problemas operacionais, que impediram que o sistema operasse plenamente como nós esperávamos, em 2009. E agora em 2010, o processo foi retomado, mas ainda está muito longe do que seria necessário. Essa é realmente uma questão de responsabilidade da agência, é responsabilidade dela, constitucional, operar o ressarcimento.

Mas quero destacar que há uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, e que ele não se posicionou. Na verdade, o Supremo negou a liminar, mas a matéria ainda vai ser julgada e, hoje mesmo, lendo o jornal, vi a manifestação de um médico se posicionando contra o ressarcimento. Existe uma grande polêmica, e minha visão pessoal é que sim, o SUS deve ser ressarcido por esses gastos. E esse é um ponto que deixou a desejar, pois minha meta era sair do governo com o processo de ressarcimento plenamente implementado, e isso não aconteceu.

Isso se relaciona, de carta forma, ao que se fará no estado de São Paulo, que passará a oferecer 25% dos leitos do SUS para os planos de saúde? O senhor é contra isso, como já manifestou, mas a idéia de ressarcimento não é semelhante?

Aí tem outra questão por trás, que é mais complexa. Isso é a falta de recursos financeiro e a busca de uma receita adicional ao ceder parte de sua capacidade hospitalar. O ressarcimento é o seguinte. Cada ação executada por uma pessoa que tem plano de seguro, o plano de seguro deve devolver, em recursos financeiros, o gasto dessa cobertura, seja internação, seja exames ou procedimentos de alta complexidade. O processo era todo feito, acredite se quiser, em papel; esses processos iam para os municípios e demoravam meses, anos.

Quando estava tudo pronto e se realizavam as cobranças, os planos de saúde entravam na justiça alegando que eram homônimos, discordando e dizendo que não havia cobertura. E esse emaranhado de problemas burocráticos inviabilizava qualquer ressarcimento. O que nós fizemos foi criar um programa, tipo o da Receita Federal, via Internet, acabando com a papelada e encurtando tudo. E é esse processo que deveria ter entrado em 2009, mas que apenas agora, entre 2010 e 2011, vai começar a operar.

E no caso do Cartão SUS?

Quando ele foi pensado, no início de 2000, havia, naquela época, uma tecnologia obsoleta, em relação ao que se tem hoje. Acabou mesmo não dando certo. O que fizemos nesse período, mesmo com muita gente criticando, foi não dar um passo sem que houvesse uma robusta proposta técnica muito amadurecida e discutida. Isso agora entreguei ao ministro Alexandre Padilha, para que ele possa tomar a decisão. É uma medida para melhorar a racionalidade e eficiência do sistema, mas não é simples de ser implementado num país de 190 milhões de pessoas. Mas, ao contrário de 2000, hoje temos uma tecnologia melhor, com computadores mais eficientes.

Qual a recomendação mais urgente que o senhor passou para o novo ministro Alexandre Padilha?

Uma das coisas que eu mais me orgulho na minha gestão foi ter resgatado a questão do planejamento. E ao contrário de gestões anteriores, que trabalharam com algumas marcas, três ou quatro grandes projetos, o [programa] Mais Saúde, que elaboramos, é um robusto processo de planejamento estratégico, com metas, indicadores.

Então, o que passei para o ministro Padilha foi isso. Passei também o livro de encargos, uma inovação do governo do presidente Lula, que é um conjunto de indicadores e números sobre orçamentos, despesas e contratos, para que o novo ministro possa saber o que exatamente está recebendo. E, evidentemente, conversei com ele sobre temas mais candentes, como a questão da dengue, investimentos e políticas que devem ter continuidade. Por fim, me coloquei, evidentemente, à disposição dele, que montou uma equipe muito técnica, de altíssima qualidade, com secretários que são meus colegas e alguns até ex-alunos meus.

Tem pretensões de voltar a atuar em governo?

Já me apresentei ao presidente da Fiocruz, onde voltarei a dar aula. 

Luis Nassif

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