A luta por uma infância livre de publicidade

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
[email protected]

Em entrevista ao GGN, Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do Criança e Consumo, desenha a publicidade destinada ao público infantil, seus impactos, as lutas, e o papel das famílias e da justiça no desenvolvimento infantil  

Por Ana Gabriela – Especial para o Jornal GGN

Jornal GGN – O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), aprovou, em março 2014, a resolução 163, que considera abusiva o direcionamento de comunicação mercadológica à criança. E, apesar do Código de Defesa do Consumidor (CDC) declarar que todo tipo propaganda abusiva é crime, a resolução do Conanda não é fiscalizada. É neste cenário que pais e entidades se unem na luta por uma infância livre de publicidade.

Mesmo antes da decisão do Conanda, o programa Criança e Consumo, criado em 2006 pelo Instituto Alana, já visava proteger os menores de 12 anos de idade contra a publicidade. A princípio, lutando por esses direitos com base no Artigo 227, da Constituição Federal (1988), que assegura os direitos da criança e sua prioridade absoluta; no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que garante o respeito com os menores; e no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que considera  abusiva a publicidade que se aproveita da deficiência e do julgamento da experiência da criança.

“Nós começamos nossas atividades em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, na região do Jardim Pantanal. Lá, com o Instituto Alana, a gente desenvolvia um trabalho com a comunidade, de atendimento social. E, a partir da realidade local – nós estamos falando da periferia de São Paulo – , começaram a  aparecer alguns casos que traziam uma reflexão de consumismo na infância, inclusive casos de violência contra as crianças por conta do consumismo”, explica Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do Criança e Consumo, em entrevista ao GGN.

Inspirado no projeto desenvolvido pela ONG international Campaign for a Commercial Free Childhood – CCFC, de Boston (EUA), o Criança e Consumo foi o primeiro projeto no Brasil a tratar o consumismo e a infância de maneira conjunta, com base em estudos e fundamentos do que se entende por publicidade, aquela dirigida ao público infantil e as regras que podem ser aplicadas, sabendo que esse é um tema que “afeta as crianças da periferia, mas também afeta a infância como um todo.”, aponta Ekaterine.

Com um trabalho de “advocacy” e uma equipe multidisciplinar, o programa se empenha em influenciar políticas públicas que protejam os direitos das crianças frente aos apelos comerciais, além de fazer valer a legislação já existente para combater esses abusos e colocar à disposição, de pais e profissionais, um material de apoio sobre o impacto do consumismo na formação infantil.

“O Criança e Consumo trabalha com base na legislação brasileira e no que a nossa Lei nacional determina. Nós fazemos uma análise conjunta e sistemática, dessa legislação. Estudamos várias normas, analisamos isso conjuntamente e, então, construímos esse entendimento de que é proibida a publicidade dirigida ao público com menos de 12 anos de idade.”, completa a coordenadora do projeto.

Como identificar uma publicidade abusiva

O fato é que toda publicidade tem apelo ao consumo. E como os pais e a sociedade podem identificar uma publicidade que fere os direitos da criança? Segundo Ekaterine, a partir do ordenamento jurídico do Criança e Consumo, publicidade abusiva é qualquer propaganda que vai contra os valores da sociedade.  

“Existem alguns tipos de publicidade abusiva na legislação, uma delas é a publicidade focada no público com menos de 12 anos de idade. Mas uma publicidade discriminatória, uma publicidade que atenta contra os valores ambientais, também á uma publicidade abusiva. Por que? porque ela vai contra algum valor social.” , diz Ekaterine.

Ainda, de acordo com o Criança e Consumo, a publicidade deveria ser focada somente no público adulto. “Claro que toda publicidade tem o objetivo de vender produtos ou serviços, a questão é que quando uma publicidade foca na infância ela se direciona a um público que está em uma peculiar fase de desenvolvimento do ponto de vista biológico, psicológico e social. Essa criança não consegue entender ainda o que é uma publicidade e para o que ela serve, que o objetivo dela é vender e convencer alguém, ela ainda precisa da mediação de um adulto para fazer essa compreensão do mundo, durante o seu processo de desenvolvimento.”, completa.

O papel da família

As famílias são afetadas diretamente pelas diversas publicidades e a fiscalização dos conteúdos acessados pelas crianças é fundamental. “É importante que as famílias saibam o que as crianças estão acessando, seja na televisão, na internet ou dentro dos espaços de convivência. E que compreendam os impactos do consumismo e o que ele pode acarretar. Em alguns casos ele pode ocasionar obesidade infantil, violência, a diminuição de brincadeiras criativas e o distanciamento da criança com a natureza.” diz Ekaterine.

Mais que buscar informações sobre o tema, supervisionar os acessos da criançada e denunciar os conteúdos abusivos, os pais podem desenvolver alternativas que ajudam quando o assunto é consumismo. Atividades ao ar livre ou refeições conjuntas longe da televisão e dos dispositivos móveis são boas opções.

“É preciso que os pais tenham o conhecimento sobre o tema e acessem essas informações, para que cada família gere sua reflexão e consiga conversar com essa criança de acordo com a sua idade, sobre o porquê não acessar aquela quantidade de tela todos os dias, ou consumir tanto. É importante que os pais consigam ter alternativas para o desenvolvimento dessas crianças sem esse consumo exacerbado.” aponta.

A luta pela justiça

Após identificar uma publicidade abusiva, ainda há muitos passos até que o autor dessa propaganda seja punido. Tudo começa por meio de uma denúncia que pode ser feita de forma independente ou encaminhada para entidades como o Instituto Alana. No caso do Criança e Consumo, existe um setor específico de ouvidoria, que atende desde dúvidas até as denúncias.

“Na parte jurídica, nós recebemos as denúncias de publicidades dirigidas às crianças e o que nós fazemos? Nós analisamos cada uma dessas denúncias, seja ela veiculada na televisão, em meios digitais, impressos, dentro de escolas, dentro de espaços públicos ou centros comerciais. Cada caso é uma caso e se nós identificamos que aquela é realmente uma publicidade focada no público infantil, nós redigimos um documento.”, explicou a coordenadora do Criança e Consumo.

Este documento pode ser encaminhado para a própria empresa autora do abuso ou para Órgãos públicos fiscalizadores dos direitos da criança e do adolescente. “Nós podemos encaminhar para o Procon, para o Ministério Público, para a Defensoria Pública,  para o Ministério da Justiça, para o Ministério da Educação, dependendo do caso e do tipo de publicidade. E, a partir daí, é o Órgão que vai determinar que ação ele vai tomar, nós ficamos na expectativa de que o Órgão escute a empresa e faça reuniões com os envolvidos.”, diz Ekaterine.

A legislação brasileira é protetiva no que diz respeito aos direitos da criança e até nas relações de consumo. Mas não existe um Órgão específico para a fiscalização desses feitos publicitários destinado às crianças e é nesse momento que se faz necessário o bom senso das empresas e dos anunciantes.

“É preciso que as empresas respeitem a legislação e deixem de fazer ações publicitárias diretamente dirigidas às crianças e é preciso também que os Órgãos responsáveis pela fiscalização de violação desses direitos, no campo da defesa do consumidor ou da infância, atuem fiscalizando as infrações para que isso, eventualmente, seja analisado pelo poder judiciário.”, explica a coordenadora do Criança e Consumo.

O Criança e Consumo move diversas ações judiciais contra empresas autoras de publicidades consideradas abusivas. Entre os casos que foram vencidos e considerados ilegais pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), está a campanha publicidade “É hora de Shrek”, de 2007, que estimulava as crianças a juntar embalagens de biscoitos da marca e pagar mais R$ 5 para ganhar um relógio exclusivo. A causa foi vencida em 2016.

“Nós temos decisões favoráveis do poder judiciário a respeito do tema, têm duas decisões do STJ de denúncias que nós fizemos, aproximadamente há 10 anos, e que agora chegam à Brasília e têm outras decisões tramitando em outros tribunais a respeito do tema. Então, existe uma sensibilização do poder judiciário, mas nós entendemos que ainda há um longo caminho a ser realizado e que muitas outras coisas ainda podem ser feitas.” pontua Ekaterine.

Todas as denúncias e respostas de casos sobre o tema, em que o Criança e Consumo atua, estão disponíveis (aqui).

Assine

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador