O lançamento nesta quarta-feira (26) do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados 2022, organizado e publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), revela mais do que números de um período, o governo Bolsonaro, ainda com consequências na vida dos povos indígenas.
A operação desse desmanche completo da política indigenista estatal esteve nas mãos do delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, nomeado por Jair Bolsonaro presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) depois de outros presidentes não cumprirem a missão de aniquilar com a atuação do órgão.
“Estamos encerrando um ciclo de perversidades. Foi um ciclo programático de não demarcar as terras indígenas, explorar as demarcadas e desterritorializar as comunidades indígenas. Por isso as invasões, violência desmedida, quase 30 mil garimpeiros no território Yanomami”, explica o missionário Roberto Liebgott, um dos coordenadores do relatório e com atuação juntos aos povos do Sul do país.
Para a antropóloga Lucia Helena Rangel, coordenadora do relatório, assessora do Cimi e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, só é possível tipificar criminalmente o que integrantes do governo Bolsonaro fizeram com a política indigenista: “são criminosos. Esse presidente da Funai foi criminoso, o Bolsonaro foi criminoso. Os dados estão aí, os fatos estão aí”.
Bruno e Dom
Neste cenário estão os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos em junho de 2022 na região da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no Amazonas, que tiveram ampla repercussão nacional e internacional engajando a sociedade àquilo que ambos buscavam denunciar.
Bruno e Dom foram mortos por pessoas vinculadas à rede criminosa que articula as invasões ao território do Vale do Javari, que colocam povos em situação de isolamento voluntário sob perigo e riscos de massacres talvez nunca revelados à sociedade que deveria protegê-los.
“O Poder Executivo não apenas ignorou a obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras dos povos originários como também atuou para flexibilizar este direito, por meio de Projetos de Lei e de medidas administrativas voltadas a liberar a exploração de terras indígenas”, diz o relatório.
Genocídio Yanomami
As invasões garimpeiras ao território Yanomami, que, sob o olhar conivente do Estado, geraram enormes danos ambientais e uma crise sanitária sem precedentes, atingiram seu ápice em 2022 e na virada para 2023 se revelaram em uma tragédia humana com mortes por desnutrição extrema e estupros.
Em maio de 2021, Bolsonaro visitou a TI Yanomami, disse que respeitava a decisão dos indígenas contra o garimpo, mas frisou que trabalhava para aprovar a mineração em terras indígenas porque, segundo ele, essa é uma demanda “dos índios”, sem especificar a que grupos se referia (Brasil de Fato, 2022).
Antes, em novembro de 2020, Bolsonaro afirmou que a TI Yanomami não deveria existir: “a reserva Yanomami. Tem mais ou menos 10 mil índios. O tamanho é duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. Justifica isso? Lá é uma das terras com o subsolo mais rico do mundo”, disse.
O garimpo ilegal cresceu 54% em 2022 e devastou 1.782 hectares da TI Yanomami. O monitoramento da Hutukara Associação Yanomami (HAY) aponta crescimento acumulado de 309% do desmatamento associado ao garimpo entre outubro de 2018 e dezembro de 2022.
Diante da situação, o recém empossado governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva instalou na TI Yanomami uma emergência em saúde pública.
Em quatro meses de emergência, de fevereiro a maio, o Ministério da Saúde contabilizou 122 mortes de indígenas Yanomami. Do total, 67 das vítimas são crianças e adolescentes entre 0 e 14 anos, ou seja 54,4%.
Assassinatos Brasil afora
No Mato Grosso do Sul, Maranhão e Bahia os conflitos e a total falta de proteção aos povos indígenas resultaram em assassinatos, “inclusive com o envolvimento de forças e agentes policiais atuando como “segurança privada” para fazendeiros”, aponta o relatório do Cimi.
Na TI Comexatibá, no extremo sul da Bahia, Gustavo Silva da Conceição, garoto Pataxó de apenas 14 anos, foi brutalmente assassinado durante um dos vários ataques a tiros efetuados por grupos que os indígenas definem como “milicianos”.
No Mato Grosso do Sul, o assassinato de Alex Recarte Lopes, jovem Guarani Kaiowá de 18 anos, na Reserva Indígena Taquaperi, em Coronel Sapucaia, motivou uma série de retomadas de terra, que foram duramente atacadas por fazendeiros e por operações policiais realizadas sem mandado judicial.
Uma dessas operações, ocorrida no Tekoha Guapoy, em Amambai, resultou no assassinato do Guarani Kaiowá Vitor Fernandes, de 42 anos, e deixou várias pessoas feridas. Devido à brutalidade do ataque, os Kaiowá e Guarani passaram a se referir ao caso como “massacre de Guapoy”.
Desproteção aos isolados
No caso dos povos isolados, há diversos indícios de que em 2022 alguns grupos sofreram ataques. Mesmo nos casos em que são reconhecidos pela Funai, muitos povos isolados passaram o ano de 2022 totalmente desprotegidos.
O relatório do Cimi demonstra o caso dos isolados do Mamoriá Grande, cuja presença no município de Lábrea (AM) foi confirmada pela Funai, mas não gerou nenhuma medida de proteção por parte do órgão indigenista.
Também o caso dos isolados da TI Jacareúba/Katawixi, também no Amazonas, que passou o ano inteiro de 2022 sem nenhuma proteção, devido à decisão da Funai de não renovar sua Portaria de Restrição de Uso.
Violência contra o patrimônio
O relatório do Cimi sistematizou 1.334 casos de violência contra o patrimônio dos povos indígenas em 2022. Entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados, destacam-se os casos de extração de recursos naturais como madeira, garimpo, caça e pesca ilegais e invasões possessórias ligadas à grilagem de terras.
Conforme o Cimi, o governo Bolsonaro é marcado por violações e desmonte dos órgãos de proteção e assistência facilitando casos de extração de recursos naturais como madeira, garimpo, caça e pesca ilegais e invasões. Os indígenas resistem às agressões e então a violência escala.
Dentre os casos destacados pelo relatório, além dos já citados acima, há o assassinato de três Guajajara da TI Arariboia, no Maranhão: Janildo Oliveira, Jael Carlos Miranda e Antônio Cafeteiro, que foram mortos em setembro de 2022, no espaço de tempo de apenas duas semanas.
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