Bolsonaro em Moscou – Sob os tambores da guerra a exibição da irrelevância, por Arnaldo Cardoso

Para quem conhece a História e a reconhece como fonte de aprendizado, a Primeira Guerra Mundial faz lembrar que mesmo pequenos erros podem levar a acidentes cuja escalada pode ser imprevisível

BOLSONARO EM MOSCOU – Sob os tambores da guerra a exibição da irrelevância

por Arnaldo Cardoso

É conhecida a tática utilizada por governantes enfraquecidos, que diante de crises no ambiente doméstico, tentam fazer do cenário externo palco para a audiência interna.

Parece ser o caso dessa viagem de Bolsonaro à Rússia. Em ano eleitoral, com crise econômica, social e política agravando-se a cada dia e popularidade em queda, circular entre líderes mundiais em palco onde o jogo da grande política está sendo jogado, parece ter sido identificado como oportunidade rara para simular ação que, na realidade, desde o primeiro dia de seu governo, Bolsonaro inviabilizou, qual seja, a de conduzir uma política externa orientada para a busca de diálogos qualificados na comunidade internacional, visando uma inserção altiva do país e a persecução de seus legítimos interesses.

Nos últimos dias o mundo tem acompanhado as notícias sobre investidas diplomáticas que ocorrem ao mesmo tempo em que um intimidador aparato militar avança sobre terra, mar e ar nas fronteiras e entorno da Ucrânia. A mediação tem sido a aposta da diplomacia mundial para demover os impulsos bélicos aflorados, como até o Papa Francisco não se imiscuiu da responsabilidade, conclamando “todo esforço pela paz” e a “consciência dos líderes políticos”.

Emmanuel Macron, presidente francês que ocupa neste momento a presidência rotativa da União Europeia tem sido o principal interlocutor ocidental no diálogo com o presidente russo, Vladimir Putin. Depois do telefonema do último dia 12 entre Putin e o presidente norte-americano Joe Biden não ter produzido qualquer avanço para o fim da crise, é o chanceler alemão Olaf Scholz que entra como reforço ao esforço diplomático. Antes da viagem à Kiev e Moscou, Scholz se orientou com a ex-chanceler alemã Angela Merkel que conhece Putin como nenhum outro líder ocidental o conhece, em função de tê-lo encontrado diversas vezes, tanto em bons quanto em maus momentos, e ter podido examinar como o líder russo lida com os jogos de poder que parece jogar com calculado prazer.

É desconcertante observar que, justamente esses líderes mundiais que hoje ocupam a arena principal neste momento de crise mundial, foram todos alvos de ataques levianos de Bolsonaro e sua trupe e, em contrapartida, lhe retribuem com declarado desprezo e indiferença.

Sem precisar voltar muito no tempo, vale resgatar que diante de crises internacionais, o Brasil já desempenhou papel de mediador, sendo um dos exemplos mais eloquentes a viagem do ex-presidente Lula e de Erdogan da Turquia em 2010 para negociações em Teerã, em meio à ameaça norte-americana de bombardear o país persa para impedir o avanço de seu projeto nuclear.

Infelizmente, para todos que acreditam que o aprimoramento dos canais de diálogo e de cooperação internacionais é  importante para o enfrentamento dos problemas globais,  e      que se habituaram a pensar o Brasil como um agente na defesa da paz e do desenvolvimento das nações, nos últimos anos viu o país dilapidar seu capital político internacional descumprindo tratados, abandonando arranjos de cooperação regional e internacional, associando-se a atores promotores de ideologias radicais regressistas, e passando a ostentar como figurino, uniformes militares em flerte escancarado com a estética da força e do autoritarismo.

Já que o anúncio da viagem à Rússia diz ter como motivação o estímulo do comércio e a cooperação tecnológica entre os dois países, emerge a indagação quanto a necessidade da comitiva presidencial ser integrada pelos comandantes das três armas (Exército, Marinha e Aeronáutica), do Ministro da Defesa, do Ministro militar do Gabinete de Segurança Institucional, além de outros assessores. Saudosismo? Desejo de potência? A imagem sugere mais um triste e anacrônico espetáculo, resultando em desnecessária e vexatória exposição de irrelevância.

Motivação adicional e não menos deletéria ao interesse nacional

A anunciada visita de dois dias à Hungria governada por Viktor Orban, expoente da ultradireita húngara, na sequência da reunião com Putin, servirá para reforçar a imagem pessoal de Bolsonaro como integrante da extrema direita mundial, iliberal, com suas bandeiras moralistas e desprezo pela democracia e a Ordem Mundial que tem em organizações internacionais multilaterais um de seus pilares.

Mais uma vez o presidente brasileiro converte um suposto compromisso de Estado em oportunidade para encontro de natureza exclusivamente político-ideológica, sectária, em afronta aos valores democráticos exaltados pela Constituição Federal do Brasil e aos anseios da maioria da população brasileira.

Para quem conhece a História e a reconhece como fonte de aprendizado, a Primeira Guerra Mundial faz lembrar que mesmo pequenos erros podem levar a acidentes cuja escalada pode ser imprevisível e irreparável.

Com o registro acumulado de desastres internacionais de viagens de Bolsonaro, de uma sucessão de vexames, só podemos rogar aos céus que essa seja só mais uma a compor essas tristes páginas de nossa história.

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, analista de política internacional e escritor.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

2 Comentários

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  1. Queria saber qual a razão para presença maciça dos comandantes das três forças militares da república, neste momento, a um país cuja a região é um barril de pólvora prestes a explodir, mesmo sabendo que qualquer assunto que não esteja vinculado ao estado de guerra e a potencial tensão existente, não afastará os dedos bélicos dessas grandes potências mundiais, de perto do botão vermelho do apocalipse militar. Se está claro que essa viagem é errada e que o momento é flagrantemente impróprio, como esperam ter uma mínima atenção e interesse que possam merecer, por parte do que deveria ser um atencioso e concentrado anfitriao? Então, sendo assim, que raios eles foram fazer naquele local? Eu imagino que a ansiedade do clã e do staff dos Bolsonaro deve estar a mil por hora, em meio a possibilidade de se deliciarem com bombas, explosões, bastante tensão, muitas mortes e quase nenhuma atenção. Que proveito o Brasil e as forças militares terão nessa visita a Moscou? O que tem na cabeça dos militares para avalizar esse macabro turismo? Onde está a razão? Onde foi parar a inteligência, daquela que deveria ser uma inteligente agência de inteligência, para não recomendar a viagem? O que poderia acontecer com o alto comando das três forças se recusasse a viagem ou se, por uma questão de pura segurança e não aprovassem publicamente a ida da comitiva? Mais uma vexaminosa bola fora do Brasil perante a platéia mundial.

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