Lula se contrapõe a países ricos e defende inserção do Sul global

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Lula fez críticas ao FMI, Banco Mundial e ONU, anunciou metas contra o desmatamento, pediu acordos justos e combate à desigualdade

Macron cumprimenta o presidente Lula durante evento em Paris Imagem: Lewis Joly/Pool/AFP

Para os cerca de 40 líderes mundiais presentes nesta sexta-feira (23) na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, na França, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou mostrando que o Brasil será um contraponto ao sistema internacional e defenderá mais participação do Sul global em decisões. 

O mandatário indicou ainda que o Banco do Brics pretende investir em infraestrutura nos países mais pobres e fez menção a um plano de fundar o Banco Sul, ligado ao Mercosul, para assim ter mais capacidade de realizar transações comerciais com moeda local e não o dólar. 

“A União Africana está muito mais organizada do que nós, na América Latina. Muito mais organizada. E nós queremos criar novos blocos para negociar com a União Europeia”, enfatizou. Defendeu ainda que países pobres sejam incluídos em reuniões de cúpula, como o G20. 

Na abertura do discurso, Lula trouxe à centralidade de sua fala as questões ambientais e climáticas, enfatizando que são problemáticas mundiais atreladas a outras, caso da desigualdade que assola a comunidade internacional provocando um ciclo encerrado por mais poluição, desmatamento e emissão de gases. 

COP-30

“Em 2025 nós vamos realizar a COP-30 num país amazônico (…) um grande encontro, no estado do Pará, com todos os presidentes da América do Sul que compõem toda a região da Amazônia, para que a gente possa formar uma proposta para levar para a COP-28, nos Emirados Árabes”, começou.

Indicando uma articulação mais ampla, Lula disse que Congo e Indonésia serão países que o bloco amazônico irá conversar porque são países que conservam grandes florestas, e lutam para mantê-las de pé, as protegendo de invasores e da depredação. 

“Nós enfrentamos muitas adversidades. Nós enfrentamos o garimpo, nós enfrentamos o crime organizado. E nós enfrentamos muitas vezes pessoas de má-fé querendo tentar fazer com que nessa floresta se plante soja, se plante milho, se crie gado, quando na verdade não é necessário fazer isso”, declarou.

Prometeu, o presidente, que até 2030 o Brasil acabará com o desmatamento na Amazônia. “O Brasil tem 30 milhões de hectares de terras degradadas, não precisa cortar uma árvore para plantar um pé de soja, um pé de milho ou criar gado. É só recuperar as terras degradadas”, justificou.

Acordo com a União Europeia

Lula, sentado ao lado do presidente da França e anfitrião, Emmanuel Macron, durante a Cúpula, se dirigiu a ele quando falou sobre os acordos com a União Europeia e disse que está  “doido” para fechá-los. O presidente Lula, porém, disse que os acordos precisam ser justos.  

“A carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer a resposta, e vamos mandar a resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir. Não é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico. Como a gente vai resolver isso”, perguntou.   

Desigualdade e fome  

“Eu vim aqui para falar que, junto com a questão climática, nós temos que colocar a questão da desigualdade mundial. Não é possível que numa reunião entre presidentes de países importantes, a palavra desigualdade não apareça”, declarou Lula sem cerimônias. 

O presidente listou as desigualdades salariais, de raça, de gênero, na educação e na saúde como as que mais são indutoras de miséria, fome e pobreza em países sobretudo das américas Central e Latina, África e parte da Ásia. No entanto, América Latina e África foram os continentes mais enfatizados  por Lula.  

Críticas ao FMI e Banco Mundial 

Lula criticou abertamente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, fazendo relembrar o período encerrado no início do primeiro mandato do atual presidente em que o Brasil era endividado com o FMI, que impunha restrições consideradas severas ao país como faz hoje com a Argentina.  

“Aquilo que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, as instituições de Bretton Woods não funcionam mais, e não atendem mais às aspirações e nem aos interesses da sociedade. Vamos ter claro que o Banco Mundial deixa muito a desejar naquilo que o mundo aspira do Banco Mundial. Vamos deixar claro que o FMI deixa muito a desejar naquilo que as pessoas esperam do FMI”, disse.

Também a Organização das Nações Unidas (ONU) foi alvo das críticas de Lula. “Mesmo o Conselho Nacional de Segurança da ONU. Os membros permanentes não representam mais a realidade política de 2023. Se representava em 1945, em 2023 é preciso mudar”, analisou. 

A ONU precisa voltar a ter representatividade, disse Lula. “A ter força política. A ONU foi capaz de criar o Estado de Israel em 1948 e não é capaz de resolver o problema da ocupação do Estado Palestino”, completou. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) foi mencionada. 

“Faz pelo menos 20 anos que ouço a FAO falar que nós temos 900 milhões de seres humanos que vão dormir todos os dias com fome. Como nós vamos resolver isso se nós não discutirmos isso? Como é que a gente vai resolver esse problema da desigualdade se a gente não discute a desigualdade?”, falou Lula. 

Por que a OMC acabou? 

Lula citou a União Africana e um plano chamado FIDA para questionar a razão do esvaziamento da Organização Mundial do Comércio (OMC). Era um plano que previa investimento de 360 bilhões de dólares em infraestrutura em todo o continente africano. 

“Se o mundo desenvolvido resolvesse financiar empresas para construir as necessidades de infraestrutura daquele plano, a África já teria dado um salto de qualidade na infraestrutura”, declarou. A União Africana não conseguiu captar todo o recurso necessário.  

Então o presidente do Brasil seguiu: “ontem nós ouvimos o presidente do Congo falar do Rio Congo. Pelo que sei, o Rio Congo daria para fazer pelo menos três Itaipus, a nossa maior hidrelétrica, mas não tem nenhuma, porque não tem dinheiro e porque não tem financiamento”. 

Lula defendeu investimentos “em coisas estruturantes, que mudam a vida dos países”. Se mostrou otimista com o Banco dos Brics e com a possibilidade de criar o Banco do Sul. Disse querer discutir a moeda de comércio. Mas perguntou de forma retórica: “Por que que se acabou com a Organização Mundial do Comércio?”. 

“Vamos ver se todo mundo aqui se lembra como é que acabou a Organização Mundial do Comércio: tinha eleição nos Estados Unidos em 2009. E por isso o presidente Bush se afastou da OMC e o acordo que estava quase para ser feito não foi feito e nunca mais os Estados Unidos voltaram para a OMC. Eu imaginei que o Obama iria voltar assim que tomasse posse. Não voltou e a OMC hoje faz muito pouco”.

Protecionismo

Com a OMC enfraquecida, Lula argumentou que a consequência imediata foi o protecionismo. 

“Quem não se lembra da discussão do G-20 em Londres, quando a gente discutia para evitar o protecionismo, quando a gente discutia que os países ricos teriam de fazer investimento nos países em desenvolvimento e nos países pobres? O que aconteceu? Os países ricos voltam a fazer protecionismo. E estamos vendo a pobreza crescer em todos os continentes”, pontuou.

Sul Global nas decisões 

Lula lembrou que em breve haverá a reunião do G-20 e disse: “nós vamos precisar colocar mais companheiros africanos para participar do G-20. Como vocês estão fazendo no G-7. Ou seja, esses fóruns não podem ser um grupo de luxo. A elite política. Não”.

Incitou a convocação “dos desiguais, os diferentes, para que a gente possa atender a pluralidade dos problemas que o mundo tem. Todos nós, todos nós, temos como parâmetro o que aconteceu na União Europeia. Você sabe, Macron, que eu acho que a construção da União Europeia, foi um patrimônio democrático da humanidade”.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

1 Comentário

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  1. Acordos justos. Eis o problema. Se você vende matéria prima barata e compra produtos acabados caros, como é isso de acordos justos? Isso não existe. Deixemos de lado a ingenuidade e o bom mocismo. Não há acordo possível, somente ruptura.

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