Homeopatia: vantagens inesperadas ou efeitos negativos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Osvaldo Bertolino, do Portal LN

do Esquerda.net

Riscos e benefícios da homeopatia

 
Cinco análises de ensaios com produtos homeopáticos deram o mesmo resultado: a homeopatia não trouxe nenhum benefício estatisticamente significativo superior ao placebo. No entanto, a homeopatia pode ter vantagens inesperadas e também efeitos negativos imprevistos.
 
Por Ben Goldacre.
 

O ato de receitar uma pílula já acarreta os seus próprios riscos – Foto wikimedia

Realizaram-se cinco amplas meta análises de ensaios com produtos homeopáticos. Todas elas deram o mesmo resultado: após descartar os ensaios metodologicamente deficientes e tendo em conta os defeitos da publicação, a homeopatia não trouxe nenhum benefício estatisticamente significativo superior ao placebo1. Apesar de tudo, a homeopatia pode ser clinicamente útil. Durante a epidemia de cólera do século XIX, as taxas de mortalidade no Hospital Homeopático de Londres foram três vezes baixas mais do que as do Hospital de Middlesex2. O motivo do sucesso da homeopatia na dita epidemia é até mais interessante que o efeito placebo. Naquela época, ninguém sabia como tratar a cólera, e enquanto as terapias médicas como a sangria eram ativamente nocivas, os tratamentos homeopáticos eram pelo menos inertes.

De modo similar, a medicina moderna não tem nada a oferecer para afeções como a dor das costas, o stress no trabalho, os fenómenos de fadiga que a medicina não sabe explicar e a maioria dos resfriados comuns. Examina-se toda a panóplia de terapias médicas e provam-se todos os medicamentos da farmacopeia, a única coisa que se observará serão efeitos secundários. Nestas circunstâncias, uma pílula inerte parece uma opção razoável.

No entanto, do mesmo modo que a homeopatia tem vantagens inesperadas, também pode ter efeitos secundários imprevistos. O próprio ato de receitar uma pílula já acarreta os seus próprios riscos: medicalização, aumento de comportamentos patológicos contraproducentes e promoção da ideia de que uma pílula é uma resposta adequada para um problema social ou para uma doença viral moderada. De um modo similar, quando um profissional de saúde receita uma pílula que sabe que não é mais eficaz que um placebo e não diz ao paciente, então atenta tanto contra o consentimento informado como contra a autonomia do paciente. Pode-se alegar que este custo é aceitável, mas semelhante paternalismo obsoleto pode minar em última instância a relação entre médico e doente.

Também há efeitos nocivos mais concretos. Uma característica habitual das práticas de marketing dos homeopatas consiste em denegrir a medicina académica. Segundo um estudo, metade dos homeopatas interrogados aconselharam os pacientes a não vacinarem os filhos contra o sarampo, a papeira e a rubéola3. Uma reportagem de televisão revelou que quase todos os homeopatas consultados recomendaram meios profiláticos homeopáticos ineficazes contra a malária, desaconselhando as medidas preventivas médicas e sem oferecer nem sequer simples conselhos para a prevenção das picadas de mosquitos4.

Denegrir a medicina é uma sábia tática comercial do ponto de vista dos homeopatas, pois as sondagens de opinião mostram que uma experiência dececionante com a medicina académica é uma das poucas causas que se alegam regularmente para justificar a decisão de recorrer a terapias alternativas. No entanto, poderá não ser uma opção responsável, já que os homeopatas podem minar as campanhas de saúde pública, expor os seus pacientes a doenças letais e, no caso extremo, omitir diagnósticos graves. Também houve casos de pacientes que morreram depois de homeopatas com formação médica os aconselharem a abandonar um tratamento médico de uma doença grave5.

Todos estes problemas foram exacerbados pelo entusiasmo com que a sociedade aceita as promessas de cura dos homeopatas e pela ausência de uma cultura de autoavaliação crítica na medicina alternativa. O crédito nas publicações especializadas em terapias alternativas é elevado: no ano 2000, apenas 5 % dos estudos publicados em revistas de medicina complementar ou alternativa foram negativos6. Que eu saiba, as questões éticas em relação à autonomia do paciente e o placebo nunca foram rebatidos. Os homeopatas costumam responder às análises negativas com estudos positivos habilmente selecionados. Um estudo observacional7, que praticamente mais não é que um inquérito sobre a satisfação dos clientes, foi apresentado8 como se rebatesse um conjunto de ensaios clínicos aleatorizados.

Os homeopatas podem tergiversar facilmente as provas científicas perante um público confiado e carente de formação científica, mas ao fazê-lo minam a compreensão por parte do público do que significa basear um tratamento em conhecimentos provados. Esta posição torna-se ainda mais perniciosa num momento em que os académicos se esforçam, mais do que nunca, para conseguir que o público compreenda realmente a investigação científica9 e em que a maioria dos bons médicos procuram educar e implicar os seus pacientes na escolha dos tratamentos possíveis.

Todas as críticas que formulei poderão clarificar-se mediante um debate sincero e aberto sobre os problemas. No entanto, os homeopatas viraram as costas à medicina académica e com demasiada frequência contestaram a crítica fazendo caso omisso dela em vez de argumentar. A Sociedade dos Homeopatas (na Europa) inclusive ameaçou processar alguns blogueres10 e os professores universitários que ensinam medicina alternativa, a que me dirigi juntamente com outros, negaram-se rotundamente a facilitar informação básica sobre o que ensinam e como o fazem11. É difícil pensar em algo mais malsão do que isto.

Proibir a homeopatia seria ir demasiado longe, já que os placebos podem desempenhar uma função clínica. No entanto, enquanto não se abordarem estas questões éticas e estes efeitos secundários, é legítimo duvidar de que os homeopatas sejam os mais indicados para gerir o efeito placebo.

Artigo de Ben Goldacre, publicado a 16/11/2007 em badscience.net. Tradução para espanhol de vientosur.info. Tradução para português de Carlos Santos para esquerda.net


1 Kleijnen J., Knipschild P., ter Riet G. Clinical trials of homoeopathy. BMJ 1991;
302: 316-323.

Boissel J.P., Cucherat M., Haugh M., Gauthier E.. Critical literature review on the effectiveness of homoeopathy: overview of data from homoeopathic medicine trials. Brussels, Belgium: Homoeopathic Medicine Research Group. Report to the European Commission. 1996: 195-210.

Linde K., Melchart D. Randomized controlled trials of individualized homeopathy: a state-of-the-art review. J Alter Complement Med 1998; 4: 371-388.

Cucherat M., Haugh M.C., Gooch M., Boissel J.P. Evidence of clinical efficacy of homeopathy: a meta-analysis of clinical trials. Eur J Clin Pharmacol 2000; 56: 27-33.

Shang A., Huwiler-Müntener K., Nartey L. y cols. Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy. Lancet 2005; 366: 726-732.

2 Hempel S. The medical detective. London, UK: Granta Books, 2006.

3 Schmidt K., Ernst E. Aspects of MMR. BMJ 2002; 325: 597.

4 Jones M. Malaria advice “risks lives”. Newsnight, BBC2 July 13, 2006. news.bbc.co.uk/1/hi/programmes/newsnight/5178122.stm (visitado a 8/11/2007).

5 General Medical Council Fitness To Practise Panel. Dra. Marisa Viegas. 2007.

Sheldon T. Dutch doctor struck off for alternative care of actor dying of cancer. BMJ 2007; 335: 13.

6 Schmidt K., Pittler M., Ernst E. Bias in alternative medicine is still rife but is diminishing. BMJ 2001; 323: 1071.

7 Spence D.S., Thompson E.A., Barron S.J. Homeopathic treatment for chronic disease: a 6-year, university-hospital outpatient observational study. J Altern Complement Med 2005; 11: 793-798.

8 Grice E. Keep taking the arsenic. Daily Telegraph Nov 25, 2005.

9 Evans I., Thornton H., Chalmers I. Testing treatments: better research for better healthcare. London, UK: British Library, 2006.

10 Goldacre B. Threats, the homeopathic panacea. The Guardian 20/11/2007.www.guardian.co.uk/science/2… (visitado a 6/11/2007).

11 Giles J. Degrees in homeopathy slated as unscientific. Nature 2007;446: 352-353.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. Velhas discussões que não

    Velhas discussões que não levam à nada. Homeopatia é bom. Tenho retornos muito bons. A discussão precisa colocar mais acento no sujeito, não apenas discutir o “remédio”.

    1. mas é disso que o texto trata

      “não apenas discutir o “remédio”.”

      É exatamente disso que o texto trata, pois que o remédio homeopata é equivalente a placebo, nisso não existe mais controvérsia. O ponto é discutir a utilização legítima desse placebo, enfocando a anamnese, o paciente e seus hábitos, e diferenciar isso das afirmações charlatanescas de homeopatas. Entre os alopatas também existe muito charlatanismo semelhante, quando a prescrição de exames e remédios é feita sem a mínima anamnese na consulta.

  2.   A se levar em conta apenas

      A se levar em conta apenas o texto, o melhor resultado pró homeopatia (contra medicina moderna) até hoje foi um “Hospital do Placebo” em… meados do século XIX. Ah, então tá.

      Dois fatos em adição a esse dado:

      1) O corpo humano possui por si só mecanismos de defesa (psicobioquímicos), que os defensores da homeopatia creditam exclusivamente a esta quando o corpo resolve sozinho a bronca;

      2) O princípio homeopático de que “menos é mais” vai contra TUDO o que quase dois séculos de Química cansaram de provar. Homeopatia está mais para Alquimia que para Ciência, mas… boa parte da Humanidade continua preferindo crer que há demônios no escuro.

  3. Meus dois filhos foram

    Meus dois filhos foram tratados com homeopatia da corrente unicista desde que nasceram com excelente resultado, nunca foram tratados com alopatia, hoje são rapazes com excelente saúde graças a Deus, também tenho um sobrinho que sofria desde o nascimento de crises alérgicas horríveis que se estenderam até a idade de nove anos até que convenci minha irmã a tentar o tratamento homeopático, hoje ele tem quatorze anos e está livre das crises agudas que sofria,  parece a cada dia com a imunidade mais fortalecida.

    Os que tratam a homeopátia como bruxaria ou coisa parecida estão carregados do preconceito e desconhecem a abordagem filosófica da homeopátia, que leva em consideração muito mais o indivíduo do que a enfermedidade, talvez muito destes preconceitos sejam estimulados pela indústria da doença que todos nós sabemos é muito poderosa. 

  4. Durante a epidemia de cólera

    Durante a epidemia de cólera do século XIX, as taxas de mortalidade no Hospital Homeopático de Londres foram três vezes baixas mais do que as do Hospital de Middlesex

    O papel das bactérias nas doenças foi sendo descoberto gradativamente no século XIX, e a penicilina só foi descoberta em 1928 e usada em ampla escala a partir da década de 40. Não me surpreendo que os métodos tradicionais de tratamento destas doenças contribuíssem mais para a morte de seus pacientes do que a recuperação deles, e que a homeopatia se revelasse mais eficaz. 

  5. Blá blá blá de sempre

    Fazem “testes” que nao respeitam a lógica da homeopatia e depois usam os resultados previsiveis dessa farsa para tentar desacreditar a homeopatia. Mas a quase totalidade das pessoas que jã se tratou por homeopatia nao abandona por nada, sabe por experiência própria o bem que faz. 

    E nao é verdade que médicos homeopatas sao totalmente contrários a remédios alopáticos. Eles sabem que, em certos casos, nao há como evitá-los. Me trato por homeopatia, mas tomo 2 remédios alopáticos, um para evitar diabetes diminuindo a resistência insulínica (Gliffage) e um para tireóide (Syntroid). Recomendados pelo meu homeopata. 

    Mas tentem tratar de bronquite por alopatia… Os remédios sao mais perigosos que a doença, fazem mal ao coração, e nao a curam, aoenas afastam a crise por pouco tempo. Depois que passei a me tratar por homeopatia — sem tomar remédio especificamente contra bronquite, em geral– , só tenho um pouco de bronquite quando estou muito gripada, e esse pouco desaparece rápido quando tomo o remédio específico. Antes tinha bronquite quase o ano inteiro. 

    A alopatia tb nao tem como tratar de intoxicações por metais pesados, o que a homeopatia tem, e melhor ainda outro tipo de medicina alternativa, que trata por uso de ondas. Tive intoxicação por mercúrio e tratei assim, nao tenho mais 9dá para ver fazendo o exame de mineralograma, pelo cabelo). 

  6. Eu tomo remédio homeopático

    Eu tomo remédio homeopático todo dia. Todos tomamos. Chama-se “água”. Como disse certa vez um químico, cujo nome agora me escapa: para acreditar que a homeopatia funciona, eu teria que acreditar que tudo aquilo que acreditamos saber sobre o mundo está errado. Logo… Quem gosta de tomar pilulazinhas de placebo, continue tomando, se lhes faz bem.

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