Impurezas nas drogas aumentam danos à saúde dos usuários

Enviado por Aracy Balbani

Pesquisa toxicológica do farmacêutico Bruno Duarte Sabino alerta para a presença até de esterco na maconha vendida no Brasil. No perfil químico de amostras de cocaína e crack vendidos no estado do Rio de Janeiro foram encontrados: anestésicos locais, cafeína, solventes derivados do petróleo e ácido bórico, uma substância usada em iscas caseiras para matar baratas. 

Da FAPERJ

O perfil químico da droga fluminense

Vilma Homero

 

     
Bruno Duarte Sabino analisou
a composição das 
drogas que
circulam no Rio 
(Foto: Divulgação)

Tudo começa ainda nos campos: as plantas de coca são cultivadas com agrotóxicos, usados sem critério para fazer com que cresçam mais rápido. Depois, entram os solventes, durante o processo de purificação. O produto final termina sendo uma soma de impurezas e substâncias adicionadas para aumentar o volume e fazer crescer o lucro dos envolvidos nesse comércio. Nada disso, no entanto, é suficiente para afastar o usuário. “Se os malefícios de drogas como a cocaína são bastante evidentes, também não há como negar o prazer que provocam. Afinal, é exatamente esse prazer, forte e imediato, que atrai o usuário e mantém o vício. A questão é que, a longo prazo, tudo isso tem um custo bastante alto”, opina o farmacêutico Bruno Duarte Sabino, do Laboratório Contraprova – Doping e Toxicologia. Pós-doutor em Toxicologia Forense pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, ele analisa em seu projeto a composição química da maconha, cocaína, crack e ecstasy que circulam no Rio de Janeiro. 

“Não há droga pura nas ruas de cidades como o Rio de Janeiro. Para ampliar os lucros, todas elas são acrescidas de diversas substâncias”, afirma. Para Sabino, a composição química de cada uma delas é quase como uma assinatura de sua origem. “Das 33 amostras de crack e 54 de cloridrato de cocaína apreendidas no estado e analisadas no projeto, pude observar que todas continham algum outro tipo de substância. Por esse tipo de análise, consegue-se estabelecer as conexões entre fornecedores, traçar rotas de tráfico e identificar os produtos que devem ter prioridade de controle em cada região do País”, explica o pesquisador. E acrescenta: “Muito se fala sobre os danos e a dependência causados pelo princípio ativo dessas drogas, mas pouco se sabe sobre as consequências das substâncias usadas para ‘batizá-las’ ou sobre as que são empregadas durante a fabricação”.

A maconha fumada pelo usuário brasileiro, por exemplo, vem do Paraguai e pode não ter nem 1% de THC (tetrahydrocannabinol), o princípio ativo da planta. “Como o padrão internacional está entre 1% e 3%, isso quer dizer que a maconha no País é de baixa qualidade”, diz o farmacêutico. E ela passa por um processo que a torna ainda pior. O que é simples de se entender. Tal como acontece com a planta da coca, ela é cultivada com agrotóxicos e muitas vezes arrancada antes do tempo apropriado. Estendida em lugares abertos para secar, fica exposta à intempérie e a todo tipo de insetos. Terra, raízes, galhos e até mesmo esterco são prensados junto com as folhas, o que provoca na mistura um odor semelhante ao da amônia. Enterrada, como forma de ocultá-la da polícia, ela pode ainda absorver metais do solo. “Tudo isso serve para ilustrar bem a qualidade da erva consumida no País”, afirma.

Com a cocaína não é diferente. Considerada como uma das drogas mais batizadas no País, sua composição varia enormemente. Como explica Sabino, “na cocaína vendida no Brasil, há apenas cerca de 25% da droga propriamente dita em sua composição”. Analisando amostras apreendidas pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, ele observou que quase todas continham adulterantes, adicionados para mimetizar seus efeitos; e diluentes, usados para aumentar o volume e os lucros do tráfico. O que significa que, do plantio ao consumidor, as várias etapas de produção da cocaína são também vários momentos de adulteração. O processo de purificação – para separar a cocaína dos demais elementos que a constituem – é feito à base de solventes. Entram aí gasolina, óleo diesel e substâncias mais empregadas na indústria química, como o cloreto de etila, hidrocarbonetos e acetona. “Como todos os resíduos permanecem no produto final, a possibilidade de consequências hepatotóxicas e cancerígenas está bastante presente”, explica. Tudo isso sem contar os agrotóxicos usados no plantio.

Numa etapa seguinte, é a vez dos adulterantes. Nas amostras analisadas, os mais presentes foram a cafeína (73,3%), a lidocaína (40%) e a benzocaína (35,6%). Enquanto a cafeína é empregada para aumentar os efeitos estimulantes da droga, a lidocaína, ao provocar dormência na boca, mimetiza seu efeito anestésico e leva o usuário a acreditar que está consumindo uma cocaína mais pura. O grau com que estes adulterantes afetam um indivíduo varia bastante, tal como ocorre no consumo de qualquer droga. E embora seja difícil definir um padrão de reações físicas ou comportamentais, certas consequências adversas podem acontecer, como efeitos cardíacos e reações alérgicas (cafeína); náuseas, alucinações e efeitos cardíacos (lidocaína e benzocaína). A forma de administração da cocaína também pode ter influência nessas consequências. “Quando injetada, pode levar a uma trombose, ou seja, à formação de coágulos no interior dos vasos sanguíneos, ou mesmo seguir pela circulação e atingir os pulmões, causando uma fibrose, como resultado de uma intensa reação inflamatória.”

Mas no caminho da comercialização da cocaína, ainda entram em cena os diluentes. “A forma de pó branco facilita a mistura com diversos diluentes de aspecto semelhante, entre eles amido, carbonatos e açúcares”, fala o pesquisador. Como a imaginação humana é infindável, incluem-se aí também bicarbonato de sódio, cal e até mesmo ácido bórico. “Quando a cocaína é aspirada, ela se dissolve na umidade dos seios nasais, é diluída e absorvida pelos vasos sanguíneos dos seios da face. Só a partir daí é que chega ao sistema nervoso central”, explica Sabino.

No caso do crack – fruto  de uma mistura de cocaína em pó ainda não purificada, dissolvida em água, acrescida de bicarbonato e depois aquecida –, o percentual de cocaína propriamente dita que as pedras costumam apresentar são superiores ao da cocaína em pó. “Isso mostra poder devastador do crack sobre o organismo humano. Como ele não passa pelo processo de refinamento pelo qual passa a cocaína, acaba concentrando grande quantidade de resíduos das substâncias empregadas em todo o processo. Por outro lado, como é um produto sólido, as pedras de crack são consideravelmente menos adulteradas do que a cocaína em forma de sal. Isso se deve à imposibilidade de adição de diluentes ao produto final”, revela o pesquisador.

Como essas pedras são fumadas, a droga chega mais rápido ao pulmão e daí à corrente sanguínea. “Além dessa rapidez, a absorção é mais intensa do que com a cocaína aspirada, permitindo que uma quantidade maior da droga penetre no organismo. Com isso, o processo de dependência também é bem mais rápido e mais forte”, explica. Assim, ampliam-se também os riscos cardiovasculares e vasculares cerebrais. 

“A questão é que todos os alertas sobre os efeitos negativos das drogas terminam surtindo pouco efeito sobre os jovens”, frisa Sabino. Ele critica os programas de prevenção que apenas enfatizam as consequências ruins. “O jovem até sabe dos riscos, mas quando ouve um colega ou amigo falando das sensações e, principalmente, quando faz suas primeiras experiências e sente os efeitos prazerosos, deixa-se levar”, diz. E continua: “Sou favorável a mostrar a verdade. Acho que é preciso adotar uma visão mais realista, informando que o prazer existe, mas está associado a consequências negativas. Como se sabe, todo esse prazer tem um preço.”

 

 

Redação

14 Comentários

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  1. gostei de saber desta

    gostei de saber desta pesquisa. afinal de contas, não se deve discutir a liberação de um produto como a maconha, por exemplo, se aquilo que esta se consumindo não, em realidade o produto desejado. a discussão da legalização das drogas tem que passar por este lado tambem assim como passa o melhoral e/ou o cha mate. parabens heroicos pesquisadores brasileiros.

  2. Mico-cefalia

    Talvez seja isso que está afetando o cérebro de alguns políticos conhecidos, por isso tanto “mico” nas suas falas: a “mico-cefalia”. Imagina um helicóptero cheio!

      1. Até você e eu, com certeza..

        Qualquer um comete mico, principalmente a Dilma, que está exposta na mídia e, ainda, perante edições espertas das suas falas. Você Aliança e eu, não tempos essa desculpa, pois escrevemos com o direito de revisar antes de dar o clique.

        Assim e tudo, nem ela nem nós temos nada a ver com droga e, embora acho você saiba disso, poderia nos poupar de comentários propositalmente fora de contexto. A oposição é triste neste blog, que não conta com nenhum debatedor que preste. Dá até preguiça.

  3. Se no Brasil, o leite tem

    Se no Brasil, o leite tem soda caustica e água oxigenada,  vendem remédio de farinha, e elegeram DIlma, o que esperar das drogas.

    1. Deve-se lutar pela

      Deve-se lutar pela regulamentação das drogas como foi a regulamentação do alcool e cigarro ou pior. A regulamentação através do Estado é exemplo em outros paises de arrecadação de impostos, diminuição do numero de usuários, qualidade de vida e qualidade da parada, alem de findar do tráfico, o estado com droga boa ou ruim é responsavel pela saude da população concordando com as drogas ou não, a policia recebe uma verba anual gigantesca contra o combate às drogas, esse dinheiro revestido para a saude e educação seria e será muito mais eficiente do que a luta pela erradicação das drogas que nunca obteve sucesso, morre mais gente na guerra às drogas do que pelo uso, maconha por exemplo, nunca morreu nenhum ser humano registrado até hj, mas pergunte-se quantos morreram ou foram presos por porta ou por vender, não que eu concorde com o tráfico

       

  4. Whisky 12 anos…

    Os traficantes logo farão como os produtores de bebidas alcoólicas: terão suas marcas premium.

    Se é que já não as têm. Aliás, acho que as possuem. Duvido que uma personalidade do showbiz inale a mesma coca do reles viciado do barzinho da rua daqui de trás da minha casa. Aposto que a bright dos VIPs tem menos impurezas.

    Duvido muito que um dia venham a erradicar as drogas. Quem no mundo conseguiu? Nem de pena de morte os traficantes têm medo, ao que tudo indica. Acho uma bobeira tremenda achar que um dia elas serão efetivamente combatidas. A melhor arma é a informação. De resto, quem quer se encher de porcaria se encherá – bem ou mal informado a respeito. Bebe-se cacacha, whisky, fumam-se cigarros etc. Tudo extremamente oneroso para o sistema de saúde. Mas, pelo menos, esses segmentos pagam impostos – claro, estou falando de cigarros e bebidas comercializados no mercado lícito, já que no contrabando é outra coisa.

    E assim caminha a humanidade.

     

    1. Controle de qualidade

      Uso de drogas psicoativas é um hábito tão antigo quanto a própria humanidade. Nas mãos do oportunismo e do capitalismo a questão se agravou. Quem pode pagar consome café especial tipo exportação, cachaça envelhecida em barril de carvalho de marca famosa e, não duvido, cocaína e maconha de fornecedor exclusivo de grife. Já os do andar de baixo… têm de se contentar com o preconceito e a repressão policial violenta contra os usuários, sobretudo os negros, miseráveis e sem teto. E vá oferecer um programa de Braços Abertos aos dependentes pobres para ver a grita do andar de cima. 

  5. ???

    Desculpem a ignorância, mas ainda não ficou muito claro pra mim se o odor de amônia vem dos ”Estendida em lugares abertos para secar, fica exposta à intempérie e a todo tipo de insetos. Terra, raízes, galhos e até mesmo esterco são prensados junto com as folhas, o que provoca na mistura um odor semelhante ao da amônia. ” ou se eles utilizam a amônia de verdade como forma de ”conservação” ou algo do tipo. ‘-‘

    1. Amônia

      Olá, jovem. Não se adiciona amônia por que é cara e acaba com a qualidade do produto. No entanto, a amônia é um subproduto da decomposição de matéria orgânica fresca. A produção do prensado paraguaio não permite o tempo de cura necessária para as flores, que são prensadas ainda úmidas e junto de um monte de impurezas e microorganismos. Some-se a isso um transporte irregular, mal acondicionado e por regiões quentes, e se tem o ambiente perfeito pro surgimento de fungos que aceleram a decomposição da clorofila, dos terpenos e da matéria orgânica em geral. Mesmo quem planta em casa pra não depender do tráfico pode acabar fumando erva com amônia se não fizer secagem e armazenagem apropriada.

    2. A amônia é produzida por

      A amônia é produzida por processos naturais, decorrentes de se prensar ou armazenar sem a realização da secagem correta.

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