Banco Mundial, SUS e mídia: a arte da manipulação

A manchete da primeira página da Folha (9/12/13) não deixa margem à dúvida: “Ineficiência marca gestão do SUS, diz Banco Mundial”. A matéria destaca que essa é “uma das conclusões de relatório inédito obtido com exclusividade pela Folha”. Aos desavisados a mensagem subliminar é clara: o SUS é um fracasso e o Ministro da Saúde, incompetente.

A curta matéria da suposta avaliação do Banco Mundial sobre vinte anos do SUS é atravessada de “informações” sobre desorganização crônica, financiamento insuficiente, deficiências estruturais, falta de racionalidade do gasto, baixa eficiência da rede hospitalar, subutilização de leitos e salas cirúrgicas, taxa média de ocupação reduzida, superlotação de hospitais de referência, internações que poderiam ser feitas em ambulatórios, falta de investimentos em capacitação, criação de protocolos e regulação de demanda, entre outras.

Desconfiado, entrei no site do Banco Mundial e consegui acesso ao “inédito” documento “exclusivo”**. Para meu espanto, consultando as conclusões da síntese (Overview), deparei-me com a seguinte passagem que sintetiza as conclusões do documento (página 10):

“Nos últimos 20 anos, o Brasil tem obtido melhorias impressionantes nas condições de saúde, com reduções dramáticas mortalidade infantil e o aumento na expectativa de vida. Igualmente importante, as disparidades geográficas e socioeconômicas tornaram-se muito menos pronunciadas. Existem boas razões para se acreditar que o SUS teve importante papel nessas mudanças. A rápida expansão da atenção básica contribuíu para a mudança nos padrões de utilização dos serviços de saúde com uma participação crescente de atendimentos que ocorrem nos centros de saúde e em outras instalações de cuidados primários. Houve também um crescimento global na utilização de serviços de saúde e uma redução na proporção de famílias que tinham problemas de acesso aos cuidados de saúde por razões financeiras. Em suma, as reformas do SUS têm alcançado pelo menos parcialmente as metas de acesso universal e equitativo aos cuidados de saúde (tradução rápida do autor).

Após ler essa passagem tive dúvidas se havia lido o mesmo documento obtido pela jornalista. Fiz novos testes e cheguei à conclusão que sim. Constatado que estava no rumo certo continuei a ler a avaliação do Banco Mundial e percebí que as críticas são apontadas como “desafios a serem enfrentados no futuro”, visando o aperfeiçoamento do SUS.

Nesse caso, o órgão privilegia cinco pontos, a saber: ampliar o acesso aos cuidados de saúde; melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços de saúde; redefinir os papéis e relações entre os diferentes níveis de governo; elevar o nível e a eficácia dos gastos do governo; e, melhorar os mecanismos de informações e monitoramento para o “apoio contínuo da reforma do sistema de saúde” brasileiro.

O Banco Mundial tem razão sobre os desafios futuros, mas acrescenta pouco ao que os especialistas brasileiros têm dito nas últimas décadas. Não obstante, é paradoxal que esses pontos críticos ainda são, de fato, críticos, em grande medida, pela ferrenha oposição que o Banco Mundial sempre fez ao SUS, desde a sua criação em 1988: o sistema universal brasileiro estava na contramão do “Consenso de Washington” e do modelo dos “três pilares” recomendado pelo órgão aos países subdesenvolvidos.*** É preciso advertir aos leitores jovens que, desde o final dos anos de 1980, Banco Mundial sempre foi prejudicial à saúde brasileira.

É uma pena que o debate sobre temas nacionais relevantes – como o sistema público de saúde, por exemplo – seja interditado pela desinformação movida pelo antagonismo das posições políticas, muitas vezes travestido de ódio, que perpassa a sociedade, incluindo a mídia.

Que o espírito reconciliador Mandela ilumine os brasileiros – e o pobre debate nacional.

BAIXO O DOCUMENTO DO BANCO MUNDIAL AQU

*Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT/IE-UNICAMP) e coordenador da rede Plataforma Política Social – Agenda para o Desenvolvimento (www.politicasocial.net.br).

**Twenty Years of Health System Reform in Brazil – An Assessment of the Sistema Único de Saúde. Michele Gragnolati, Magnus Lindelow, and Bernard Couttolenc. Human Development. 2013 International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank 1818 H Street NW, Washington DC.

***Consultar, especialmente: BANCO MUNDIAL (1990). World Development Report: Poverty. Washington, D.C; BANCO MUNDIAL (1991). Brasil: novo desafio à saúde do adulto. Washington, D.C. 1991; BANCO MUNDIAL (1993). World Development Report: Investing in Health. Washington, D.C; BANCO MUNDIAL (1994). Envejecimiento sin crisis: Políticas para la protección de los ancianos y la promoción del crecimiento. Washington, D.C; e BANCO MUNDIAL (1995). A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma agenda para os anos 90. Washington, D.C.

Luis Nassif

21 Comentários

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  1. É canalhice mesmo.

    Não! Definitivamente não se trata de manipulação.

    É canalhice mesmo. Das tantas que a velha e carcomida imprensa braileira pratica.

     

  2. Caro Nassif,
    A agenda da

    Caro Nassif,

    A agenda da Folha de São Paulo e do PIG é essa mesma: desqualificar tudo o que o governo federal esteja fazendo, utilizando canhestramente trechos manipulados de agências internacionais, para tentar dar credibilidade a suas catilinárias. Vergonhosa a posição anti-Brasil desses frustrados.

    O objetivo, claro, é desqualificar o Padilha e favorecer o Alckmin, assim como tentaram desqualificar o Haddad e favorecer o Serra, na eleição para prefeito. Fizeram isso com o Lula, a Dilma e continuarão agindo vergonhosamente enquanto não for aprovada a Lei de Midia.

  3. “matéria destaca que essa é

    “matéria destaca que essa é “uma das conclusões de relatório inédito obtido com exclusividade pela Folha””:

    Esses analfabetos estao fazendo o mesmo erro da mexicana do “apagao eletrico” deles no ano passado, e tomando um memorandum interno que eh fornecido aos insiders antes de ser publicado como “exclusivissimo” material de reportagem.

    Alguem POR FAVOR note nos a data de publicacao da reportagem e a data de publicacao do “relatorio inedito”.

    POR FAVOR.

    A mexicana analfa deles fez o mesmo erro.  Sim, estou falando daquela mexicana mesmo.  A do apagao eletrico com a “exclusiva”.  Do ano passado.

    Sim, aquela mesmo.  Mesmo erro.

  4. O SUS é uma imposição

    O SUS é uma imposição constitucional. Mas contra ele há a medicina empresarial, que possui empresas dispostas a atender aos pobres, contanto que tenham lucros compensadores e não tenham um compromisso sério e terminativo, mas só compromisso de passagem para médicos que querem, naturalmente, fazer carreira lucrativa depois. Os dois sistemas estão em luta agora mais do nunca. A medicina empresarial para pobres já provou às escâncaras que é incompetente, suspeita, oportunista e até desumana. Mas mesmo assim ela luta para destruir o SUS, seu concorrente, e tomar conta de todo o atendimento. O SUS também, por sua vez, luta para melhorar cada vez mais e se tornar universalizado, sobre ele há uma visão estatal além do terreno da medicina e que o faz progredir, empurrando a medicina empresarial para fora do atendimento popular, estratégico para o Estado, deixando-a apenas em setores pontuais de especialidade. O programa ‘Mais Médicos” foi um lance poderoso contra a medicina empresarial, e por isso é tão odiado neste setor. E é tão inédito e ambicioso que vai dar certo, já que na ponta extrema oferece efetivamente o atendimento médico a quem dele necessita. 

  5. Data venia

    É engraçado, segundo esta reportagem, a Folha age de má fé.

    Entretanto, ela é tratada como se fosse ingênua: “Que o espírito reconciliador Mandela ilumine os brasileiros – e o pobre debate nacional”. 

    É como se o GGN fosse a grande mídia e vice versa.

    Não que eu acredite que a “guerra” seja o melhor caminho. 

    Mas certamente a ingenuidade não é. 

    Afinal, das duas uma. Ou a reportagem da Folha é criminosa*, ou a do GGN é mentirosa.

    *Para isso que deveria existir o defensor da cidadania, leia-se Ministério Público. Qual é a intenção da Folha (segundo o GGN, ao MENTIR sobre um relatório do Banco Mundial)? Prejudicar o cidadão inviabilizando o financiamento do SUS. Afinal, por que pagar imposto para “jogar fora” no SUS? Se existissem defensores do interesse público, ou se existisse MP, a Folha seria processada. Se comprovada sua culpa, poderia passar um mês de molho, por exemplo.

     

  6. ministério “público” paulista?
    Acontece, meu caro, que o ministério “público” paulista está totalmente tucanizado. E tb a justiça, a polícia e a mídia.

    São Paulo vive atualmente a pior das ditaduras: a não percebida e não denunciada!

    É lastimável… E é muito perigoso isso estar acontecendo!

  7. Agradecimento

    Primeiro, meu agradecimento a Eduardo Fagnani. Não costumo ler a Folha , logo se não tivesse a oportunidade de ler este post estaria em completa ignorância desta igmonimia que devemos a este jornal. Fiquei estarrecido  com o alcance da canalhiceda Folha. Como cita o artigo, o programa SUS já dura 20 anos e os ganhos em indicadores de saúde tem melhorado independente do governo em plantão. Folha não está se colocando numa posição critica contra o governo Dilma. Está covardemente atacando um programa da nação.. Resta lembra que a crônica falta de recursos do Sus em parte é devido a extinção da CPMF, tão combatida pela nossa imprensa. Só lembrar carências que temos em nossa nação no intuito de atingir um governoi indesejado por esta imprensa em nada contribui para melhorar o atendimento a saúde de carentes. Uma melhor atenção ao SUS, uma ampliação na formação de nossos médicos e recursos adequados é o que o Brasil precisa. 

  8. Obrigado ao Eduardo Fagnani

    Pelo belo trabalho. Pena que não vai ter a mesma repercussão que teve a matéria no imprensa marron.  É também uma pena que eles continuem sendo tão bem tratados pela Secom, que devia mesmo é cortar pela metade a grana destes canalhas, e com isto apressar o seu fim. Mas Dilma é do bem e a Helena Chagas é do melhor ainda.  No dia que ela perder a posição no governo, vai ter um um bom saĺário na imprensa marron, ela e seus asseclas.

  9. Ombudsman da Folha
     
    Suzana

    Ombudsman da Folha

     

    Suzana Singer

    SÓ O NEGATIVO

    A manchete de segunda-feira decretava: “Ineficiência marca gestão do SUS, diz Banco Mundial”. A reportagem trazia apenas as críticas contidas no estudo, que fez um balanço de 20 anos do sistema único no país.

    Toda a parte elogiosa, em que se ressalta, entre outros pontos, um acesso mais equânime à assistência médica, foi ignorada pelo jornal. Ficou a impressão de que o Banco Mundial condenava o SUS. Foi mais um ataque de pessimismo crônico daFolha.

  10. Luiz, já que o SUS é tão bom

    Luiz, já que o SUS é tão bom e maravilhoso como vc diz, pq Lula, Dilma, Genoino, e provavelmente o senhor tb, qdo tem problema de saude vão pro Sirio-Libanês??  Ou o que não serve pra vcs, tem q servir pro povo que paga a maior carga tributaria do planeta?

    1. Imagino que você acha que Sarkozy ou Hollande vão pegar senha no

      hospital mais próximo da casa deles!

      Você quis se mostrar crítico ferino, mas acabou se mostrando  ingenuo e mal informado. Deve ser o resultado das suas leituras diárias e semanais.

    2. As cretinices são suas ou plantadas?

      André Fontes, quando encontro um coxinha como você, analiso se é um coxinha sincero e radical, ou se é um coxinha-coxinha. Vou pela primeira opção. Vou explicar, sem desenhar, pois os recursos tecnológicosdo blog nem meu tempo permitem isso. Nosso sistema público de saúde, o SUS não é maravilhoso não. Talvez nem atenda o mínimo que se espera dele. Você não sabe, mas se fosse um cidadão morador do Harlem ou do Queens, sem plano de saúde privado, se for atropelado, vai apodrecer na calçada. E morrer gemendo de dores. Nos Estados Unidos não há obrigatoriedade de atender alguém morrendo. Não pagou, morreu. No Brasil, isso é proibido. Eu uso plano particular. Posso pagar e não quero entupir nossos hospitais, pois há pessoas com mais prioridades. Mas não desprezo quem se utiliza do SUS. Torço para que o serviço melhore sempre mais e possa atender a todos os brasileiros, sem filas, sem desespero, com qualidade. Eu pagava R$ 0,38 para cada cem reais que gastasse para serem usados na Saúde Pública.. Como sei que você não sabe Matemática, para cada dez mil reais que gastasse, pagaria a bagatela de R$ 38,00, três bolinhos de bacalhau com os 10% no Mercado Municipal de SP. Eu só reclamava da bagunça nas contas, aqueles débitos semanais. Mas não do dinheiro em si. Como poucos brasileiros ganham mais de dez mil líquidos, vi com pena aquele povo sofrido e triste assinando, na frente da FIESP (Avenida Paulista), petições pedindo a extinção da CPMF. Gente ganhando R$ 1.000,00 por mês, assinando contra o desconto de R$ 3,80 que sofriam, muito barato para quando precisassem de um hospital público ou posto de saúde. Falta muito para nossa Saúde Pública atingir os padrões daquela ilha que nem Napoleão nem Hitler conseguiram subjugar. Mas para caminhar mil milhas, precisamos dar o primeiro passo. E esse passo já tinha sido dado. Por favor, não nos faça perder nosso tempo com comentários ultraboçalizados. Muito obrigado.

      1.  
        Alvaro Tadeu aqui não é EUA

         

        Alvaro Tadeu aqui não é EUA ,e as pessoas morrem na porta dos hospitais do SUS.  Que tal?   A saúde pública do país é uma desgraça. Toda a nação e eu estamos pouco ligando se você pagava centavos pra alguma coisa, foda-se!

        O que o povo gostaria é de pelo menos ser atendido, de preferência com dignidade. Você abre a boca pra defender esse sistema de merda, e nem ao menos tem atendimento nele, e não é por que vc não quer lotar ainda mais, e sim porque vc sabe que é uma bosta e que se depender dele vai morrer assim como vários outros. Seu hipócrita! 

  11. Isso é zoação de churrasco

    Isso é zoação de churrasco travestida de jornalismo.

    No botequim da esquina ou no churrasco da galera nada disso prospera: “é ideologia rasteira; coisa de quem só sabe comprar barato e vender caro; não sabem nem de economia, vão saber de saúde? É mera peça de propaganda.”

    1. É propaganda e é sistemática

      Faz parte da eterna campanha de desqualificação do sistema público de saúde, na qual acreditam pessoas que vivem mandando os políticos se tratarem no SUS quando eles mesmos, provavlemente, nunca chegaram perto de uma consulta do SUS. Eu sou usuária do SUS, além de frequentar as consultas na Unidade Básica de Saúde, recentemente tive oportunidade de acompanhar o atendimento de urgência, internação, cirurgia e acompanhamento de um familiar (tratamento de fratura de colo de fêmur, com colocação de prótese), tudo pelo SUS, que me deixou agradavelmente surpresa. Os serviços foram rápidos, eficientes, atenciosos, de qualidade, fiquei como acompanhante no hospital e até a comida era boa. Não moro num grande centro, mas moro no Sul do país. Claro que há grandes diferenças regionais e que há carências em muita áreas. Mas o SUS não é o castigo que querem nos fazer crer diariamente e seja como for, é o atendimento com que conta um grande número de brasileiros e os índices de saúde estão aí para vermos. Recuso-me a imaginar que o precário atendimento ambulatorial dos planos de saúde tenham tido grande colaboração na queda da mortalidade infantil, na queda da mortalidade por causas maternas, no aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que têm ocorrido nos últimos anos. Há trabalhos acadêmicos que constatam que isso tem ocorrido graças ao Bolsa Família, aliado ao Programa de Saúde da Família em áreas carentes.

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