A tensão entre as polícias e a indiferença do Estado

“Existe, em âmbito nacional, um desejo da Polícia Militar de ser maior do que ela é. O secretário de Segurança Pública precisa ser contundente em colocar as polícias em seus devidos lugares”, diz o delegado George Melão

Jornal GGN – A criação da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo de uma força-tarefa para investigar a chacina de Osasco e Barueri acabou evidenciando a tensão nas relações entre as polícias Militar e Civil.

Depois do anúncio da iniciativa conjunta, delegados da Polícia Civil reclamaram na imprensa da atuação atropelada da Corregedoria da Polícia Militar, que fez uma investigação paralela, colocando em risco a segurança de testemunhas e prejudicando a coleta de provas.

A briga de jurisdições e atribuições também acabou revelando o descaso com que a Polícia Civil vem sendo tratada na política de Segurança Pública do Estado.

O Jornal GGN entrevistou o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), George Melão, que disse que a Polícia Militar atrapalhou e continua a atrapalhar as investigações do caso.

“Eles continuam tomando providências de polícia judiciária, que é função da Polícia Civil”, disse Melão. “A Polícia Civil pediu a prisão preventiva de um dos envolvidos, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou. A Polícia Militar pediu a mesma coisa e o Tribunal de Justiça Militar concedeu. E o delegado de polícia que está cuidando do caso só tomou conhecimento pela imprensa”, reclamou.

Para ele, o interesse da PM não é de proteger seus agentes supostamente envolvidos nos homicídios, mas de se antecipar nas investigações e prender os malfeitores, provando que não precisa da Polícia Civil. “É uma briga de competências”, afirmou.

Mas garantiu que o pior de tudo é o descaso com que a Polícia Civil vem sendo tratada no Estado de São Paulo ao longo dos últimos anos. “O que dificulta a investigação é a falta de material humano e condições de trabalho”.

De acordo com ele, o Estado tem um déficit de 7301 policiais civis – contando delegados, peritos, investigadores, escrivães e carcereiros (cargo extinto em São Paulo por decreto do governador Geraldo Alckmin).

“O número de policiais civis do Estado de São Paulo é fixado por lei. E a última lei que aumentou os quadros da Polícia Civil é de 1994. De 94 pra cá, a população paulista cresceu 28%. Se somarmos o crescimento populacional e o déficit policial, para que possamos acompanhar a evolução do Estado, São Paulo deve contratar, hoje, 15 mil policiais civis”, relatou.

Atualmente, o efetivo da Polícia Civil no Estado é de pouco mais de 39 mil agentes. E o salário de delegado de polícia é um dos piores o Brasil. “O inicial é R$ 10.030. A média brasileira é entre R$ 15 e R$ 16 mil”, detalhou.

George Melão [foto] disse que é fácil observar o abandono, basta comparecer a uma delegacia do município de São Paulo e constatar que falta escrivão e falta investigador. Além disso, é difícil conseguir atendimento à noite e de madrugada, quando delegacias menores redirecionam o público para as delegacias polo.

Com isso, muita gente desiste de registrar ocorrências, o que resulta em subnotificação. “Existe um interesse do Estado na subnotificação. Porque aí você derruba os índices de criminalidade”, acredita o delegado.

Para Melão, na outra ponta do esvaziamento da Polícia Civil, há uma tentativa da Polícia Militar de ganhar terreno. “Existe, em âmbito nacional, um desejo da Polícia Militar de ser maior do que ela é. O secretário de Segurança Pública precisa ser contundente em colocar as polícias em seus devidos lugares”.

E nesse ponto ele faz uma autocrítica. “A Polícia Civil não pode avançar também nas atribuições da Polícia Militar. Eu falo isso quando vejo uma viatura do Garra, uma viatura do GOE [Grupo de Operações Especiais], fazendo policiamento ostensivo. Não é essa a nossa especialidade. Eu recrimino. E seria papel do secretário de Segurança Pública inibir a invasão de atribuição de uma polícia na área da outra. E isso está muito aquém do secretário que se faz presente”, criticou.

Por fim, o presidente do Sindpesp disse que os delegados que estão disponíveis gastam até 65% do seu tempo orientando a população em casos que nem são de competência da polícia. “São casos familiares, da área social, que se resolvem com orientação. É um trabalho que poderia estar sendo feito por uma assistência social. Mas não tem assistência social dentro das delegacias. 

Redação

14 Comentários

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  1. O Estado brasileiro não é

    O Estado brasileiro não é indiferente à PROPRIEDADE dos “bem nascidos”, ou seja, dos brancos ricos. De fato o Estado brasileiro foi construído justamente para defender a mesma das interferências dos outros (índios, mamelucos e negros-coisas escravos/fugidos até o final do século XIX; pobres excluídos de todas as cores desde a 1ª república).

    O ranço colonial é persistente . A bala perdida certeira do policial nas ruas é o duplo moderno do tiro de arcabuz mortal disparado pela fresta da janela do castro colonial. Os trens e ônibus lotados são os tataranetos dos navios negreiros. Em Osasco o último onibus é chamado de “negreiro”, numa alusão feliz e melancólica à verdadeira natureza do transporte (e eventualmente dos seus passageiros). 

     

  2. O caso do Ceará (governado, até o fim de 2014, por Cid Gomes)

    O caso do Ceará (governado, até o fim de 2014, por Cid Gomes):

    Enquanto 20 mil pessoas foram assassinadas, Governo investiu R$ 169 milhões em Hilux em cerca de 8 anos

    O número de homicídios registrados no Ceará nos últimos sete anos e oito meses, durante o governo Cid Gomes (Pros), é assustador. Um verdadeiro cenário de guerra. Diariamente, vê-se jovens morrendo em decorrência de dívida de drogas, roubos seguidos de morte e crimes passionais, seja na capital ou no interior. Situações que, para alguns, já parecem banais.

    De janeiro de 2007 a agosto de 2014, foram contabilizados 22.605 crimes violentos letais e intencionais no estado, incluindo homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Para cada morte violenta registrada nesse período, a relação entre investimento e número de mortes é de R$ 7,5 mil por óbito. Somente neste ano, 2.963 vidas foram interrompidas em razão da insegurança no estado.

     

    Os dados podem ser comparados ao de militares mortos em combate na última Guerra do Iraque, iniciada em março de 2003 e encerrada em dezembro de 2011. O Tribuna do Ceará fez um levantamento e constatou que foram registrados 22.605 homicídios no estado (sendo 2.890 por ano). A estatística é maior que o número de soldados mortos durante os oito anos e nove meses do confronto no Iraque, de todas as nações em combate, com 21.428 (sendo 2.448 por ano).

    Texto completo: LINK

  3. O interesse no tema é

    O interesse no tema é importantíssimo. Em muitos estados se tem verificado um crescimento consistente da sensação de insegurança. A capenguice não é um atributo exclusivo da Polícia Civil, devemos observar. As militares pelo país afora sofrem com o sucateamento. E o policiamento ostensivo, como o texto aponta, lá no seu fim, é uma necessidade – pelo menos no estado de coisas em que vivemos cá no Brasil. Não? Experimentemos, então, uma greve da PM para termos uma prática amostra do que falo? Melhor não… Melhor, por enquanto, pelo menos, termos a PM nas ruas – com os salários devidamente pagos! Coisa que, segundo andei apurando, não vem ocorrendo no estado do Rio Grande do Sul…

    Ontem, aqui em Recife, na volta do trabalho, vi duas situações emblemáticas: 1. uma abordagem da PM a dois suspeitos. Uma viatura, com dois policiais, parou para revistar dois cidadãos que trafegavam numa moto. Um PM revistava um dos suspeitos. O outro observava, próximo à viatura. O outro suspeito observava. Pergunto: e se o outro suspeito estivesse armado? O fato se deu em frente à UPA Caxangá, próximo à entrada para o bairro Dois Irmãos, um pouco antes do viaduto Padre Cícero. 2. Um pouco adiante, na Av. Caxangá, sob o viaduto próximo ao Hiperbompreço (Carrefour), figurava, lépida e fagueira (só que não), uma van do “Choque” quebrada, “no prego”, sobre a calçada, sendo consertada por PMs e transeuntes. Pergunto novamente: qual a sensação de segurança que um cidadão tem ao ver essas demonstrações explícitas de sucateamento do aparato policial? 

  4. A solução mágica do momento é

    A solução mágica do momento é o tal Ciclo Completo de Polícia e a “Carreira Única”, sonho dos PMs e dos sindicalistas da Civil. Nada se fala do sucateamento a que estão submetidas há décadas as Polícias Civis, em todo o país.

    Caso sejam implementadas essas medidas, a PM, que hoje pratica toda sorte de arbitrariedades, será responsável pelas investigações, e engolirá a Civil, pois é muito mais numerosa. Com a “carreira única”, não haverá mais Delegado, e toda investigação será comandada pelo….. Ministério Público!!!! 

    Sim, esse mesmo órgão que atua seletivamente, blinda seus membros, se auto-concede vantagens como auxílio moradia de R$ 4400, será o responsável por comandar as investigações e por promover a ação penal.

    Teremos um Super MP, poderosíssimo, com poder de investigar e processar qualquer cidadão e sem controle externo (8 dos 15 conselheiros do CNMP são membros do próprio MP) 

    Pra completar a pataquada, adivinhem qual partido (historicamente perseguido pelo MP) já se manifestou por escrito a favor dessas medidas…!!???

     

    1. O cargo de delegado é uma aberração

      É como a jabuticaba. Só existe no Brasil.

      Polícia existe para investigar. Quem tem que esgrimir teses de Direito são a acusação e a defesa.

      Dado que a ação penal é de atribuição exclusiva do MP, não há razão nenhuma para que ainda exista o tal de inquérito policial. É por conta dessa excrescência que 80% do efetivo das polícias civis está empregado em funções burocráticas.

      E se carreira única é tese de sindicalistas da PC, desconfio que eles dominam o mundo. Menos o Brasil, que é o único lugar do universo onde existe concurso para ser “chefe de polícia”. O sujeito nunca viu uma arma na vida, nunca viu um cadáver, nunca viu coisa nenhuma, faz faculdade de Direito, passa alguns anos fazendo cursinho, e entra na PC como “chefe”.

      E aí ninguém consegue explicar como temos o menor índice de resolução de crimes no mundo inteiro. 

      1. Uma “fábula”

            Um “Zé Silva” , forma-se em Fisica ( 4 anos ), pós em mecanica dos sólidos ( existe, são 2 anos ), mais 2 anos de especialização em balistica, fora do País ( nós pagamos ), faz estágio na França ou Estados Unidos ( 2 anos ), no apice da carreira, é apenas um “Técnico” nivel superior, com salario de 75% de um delegado entrante, e 50% de um entrante do MP, e as vezes algum destes dois “bachareis em direito”, não apensam seu laudo no inquérito, o que este profissional faz:  1. não liga mais para porra nenhuma; 2. sai fora, e é adquirido pela iniciativa privada.

  5. PM e PC amigas da onça!

    A Polícia Militar e a Polícia Civil são amigas da onça, não só em São Paulo mas aqui em Minas Gerais! A primeira possui salários superiores em duas vezes os salários da segunda. A estrutura da PM dá de dez na da PC em Minas. Os governos tucanos em 12 anos privilegiaram a PM. Enquanto que a PC foi sucateada. Agora o governador Fernando Pimentel do PT quer reduzir as distorções entre as polícias, seu discurso é de recuperar o atraso da PC. Mas suas palavras ainda nem saíram do papel e os militares, segundo dizem, já deram o recado: não aceitam perder privilégios, se algo for dado à PC terá que ser dado também a eles… já até andaram dando cacetetes em manifestações pacíficas, para intimidar o governador… Mas, de maneira geral, podemos constatar que sempre a PM vai ter seu lugar privilegiado entre os governos em detrimento da PC. O motivo é óbvio. Interessa aos políticos uma polícia repressora, que intimida e mostra poder para a classe dos “de baixo”, afinal, a PM existe para conter os “de baixo”. Enquanto isso, a PC é sempre deixada de lado, pois não interessa aos políticos uma polícia que investiga, uma polícia estruturada e inteleligente, pois essa polícia se torna perigosa, ela acabará esbarrando com grandes esquemas, esquemas de corrupção dos “de cima”, nos crimes de colarinho branco…

  6. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

    KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

    “Para ele, o interesse da PM não é de proteger seus agentes supostamente envolvidos nos homicídios”

  7. Por que manter o atual sistema policial ?

    21 anos de PC. Topo da carreira que não é “unica” por desvios interpretativos da CF-88. Nunca tive qualquer problema com PMs. NUNCA ! Ao contrário, sempre somando quando necessário. Sinto na prática a falta que nos faz um sistema de polícia com ciclo completo. as tensões vem daí e das disputas nos escalões superiores, óbvio.

    PCs( agentes, genericamente), por conta das tribulações não conseguem se “juridicar” e por isso não tem condições semelhantes de disputa com recém formados de famílias de classe média alta para uma vaga de delegado.

    PMs( praças e subs) dificilmente, pelos mesmos fatos, chegam ao oficialato.

     

    Superiores hierárquicos nessa área, no mundo “civilizado”,  sempre iniciam carreira sendo subordinados. 

     

    Pergunta-se: Com os atuais índices de resoluções de crimes(investigações) e de crimes que ocorrem em massa( falha preventiva), a quem interessa manter o atual modelo ? Está bom assim ? 5 a 8 % de resolução de homicídios, variando conforme o estado ? RIDÍCULO ! 

    Quando se fala em polícia única de ciclo completo os delegados( contra) apressam-se em dizer que nos EUA a polícia não é única, posto que há centenas de organismos policiais. MENTIRA !  Há centenas de agências de investigações, cada qual com suas atribuições, porém, a polícia comum, aquele que se observa nos filmes, aquela do dia a dia das cidades e do cidadão comum, é sim uma polícia única, com ciclo completo e carreira única. 

    Deseja-se fazer isso no Brasil, principalmente o MP. Ah…aumentará o poder do MP…e daí ??? A PEC 51 trata disso. Agora, surge outra PEC a transformar os delegados em juízes de instrução e garantias. Por aí, afagando os egos, vái.

    Polícia única somente com ciclo completo.

    1. Estatística de inscritos no concurso da polícia civil do CE

      ESTATÍSTICA – RELAÇÃO CANDIDATO/VAGA (Ampla concorrência) geral cand/vaga Polícia Civil do Estado do Ceará Concurso Público – Vários Cargos

      001 Delegado de Polícia Civil de 1ª Classe 159 vagas – 17.001 inscritos – candidato vaga: 106,92

      002 Escrivão de Polícia Civil de 1ª Classe 319 vagas – 6.613 inscritos – candidato vaga: 20,73

      003 Inspetor de Polícia Civil de 1ª Classe 246 vagas – 11.456 inscritos – candidato vaga: 46,56

      ___

      Salários de escrivão e inspetor: R$ 2.946,19

      Salário de delegado: R$ 14.592,39

      ___

      Com a profusão de cursos de direito que vemos hoje em dia, quem topa ser policial, quando pode aspirar ser um delegado? Não existe nem base para comparação entre uma coisa e outra. A diferença salarial é brutal.

    2. Estados Unidos

        Voce está certo, os delegados estão errados, completamente equivocados, pois nas agencias federais (FBI, DEA, ICE…….são mais de 50 ), todos começam de “baixo” , assim como nas policias, tanto nas estaduais, como nas municipais ( tipo LAPD, NYPD, ……… ) , uma diferente postura em alguns Estados, refere-se a figura do “Xerife”, que é eleito, podendo ou não ser de carreira policial em origem, e com um mandato, que varia de acordo com as leis estaduais ou do Condado pelo qual se elege. ( este “Xerife” não é um “Chefe de Policia”, atua junto – politicamente – com os chefes de policia das prefeituras que compõe o “Condado” ).

          É ridiculo, até dificil de explicar para estrangeiros, que um “moleque” bacharel em Direito + 18 meses de AcadePol, apareça nomeado em uma delegacia de policia, e comandará equipes em campo, que possuam investigadores com mais de 10 anos de experiência, assim como ocorre na PM, outro “moleque” após 4 anos de Academia, virar um 2o Tenente, e já sair comandando 3 a 4 equipes de policiamento ostensivo, nas quais um sargento, se for “novinho”, terá no minimo 10 anos de experiência de campo.

           Quem nunca viu, um escrivão experiente, chegar para um “Doutor Delegado”, e falar : O MP vai recusar este indiciamento, o artigo que V.Excelencia usou, vai “cair” ou “subir”, irá voltar.

           Só, meu caro, que não creio que o bacharelismo tão brazuca, algum dia irá aceitar, a carreira unica, pois tanto nas PCs, como nas PMs, ninguem que esta “por cima”, tanto de PODER como de SALARIO, cogita em “largar o osso”- infelizmente.

  8. Parabéns GGN e ao jornalista

    Parabéns GGN e ao jornalista Luiz de Queiroz. Ate que enfim as atribuições, condições e déficit de agentes das Policias mereceu uma materia.  

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