Cem anos de Amélia Buarque de Holanda

Por Fernando Luiz

Nassif, não sei se já comentaram aqui, mas hoje está sendo comemorado o centenário de D.Maria Amélia Buarque de Holanda. Parabéns pra D. Memélia!

De O Globo

Mãe do Brasil

Uma conversa com Maria Amélia, mãe de Chico Buarque e amiga de Lula, que faz 100 anos

Publicada em 23/01/2010 às 09h30m

Ana Cristina Reis

Tapetes em todos os cantos, imagens barrocas de santos, muitos porta-retratos de prata, almofadas de veludo. É assim que eu imaginaria o apartamento de uma senhora de quase 100 anos (completos na segunda-feira), moradora de Copacabana. Mas Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda não é uma mulher comum. E não é por ser viúva do historiador Sérgio Buarque de Holanda, mãe de sete (Miúcha, Sérgio, Álvaro, Chico, Maria do Carmo, Ana e Cristina) e amiga de gente interessante, como Oscar Niemeyer, Antonio Candido e Luiz Inácio Lula da Silva.

Se o presidente confirmar a surpresa, não tão surpresa, de ir à festa de aniversário, vai encontrar muitos amigos e 13 bisnetos. Dos netos, Maria Amélia, com franqueza, diz:

– De filho, gosto igual, acho que é porque sai da gente. Mas entre os netos tenho um xodó: a Bebel (Gilberto). Ela vem para o aniversário, já está no Brasil, mas vai chegando aos poucos, no ritmo dela. Hoje, está na Bahia.

” De filho, gosto igual, acho que é porque sai da gente. Mas entre os netos tenho um xodó: a Bebel (Gilberto). Ela vem para o aniversário, já está no Brasil, mas vai chegando aos poucos, no ritmo dela ”

Hoje é terça-feira, véspera do feriado, o calor está incrível, mas Maria Amélia, com a brisa do mar que entra pela janela, é o retrato da elegância à vontade: cabelos no lugar, vestido sem alça, um colar branco fininho, um anel grande de acrílico. Elegância que eu já suspeitava: afinal, aversa a entrevistas, ela me recebeu para uma conversa porque um primo chegado, Afonso Arinos de Melo Franco, pediu-lhe.

– Entrevista, não. Mas recebo uma amiga sua quando quiser.

E nos recebeu sentada (“Agora não ando mais”), com a TV desligada

– Nem sei se funciona. Não vejo televisão. Se aparece a notícia de um cano enguiçado, você é obrigado a acompanhar aquilo. Eu gosto é de ler jornal. Posso virar a página quando quiser.

Maria Amélia tem sempre um dos filhos em casa. Desta vez é Maria do Carmo, fotógrafa, que veio de Olinda para o aniversário. Sentada num canto com um copo de cerveja, a filha segue a conversa na sala com atenção. Sala que tem um retrato de Cesário Alvim (“Meu bisavó e avó de Maria Amélia”, diz Afonso Arinos), um arranjo de antúrios, um pôster do filme “Raízes do Brasil”, pequenos bancos de plástico empilhados, esperando as crianças, e um painel com gravuras de…?

– Era um álbum, com as folhas soltas. E álbum a gente acaba não olhando. Por isso tive a ideia do painel.

Mas não há imagem que faça lembrar Roma, cidade que a marcou.

– Acho que o lugar em que mais gostei de morar foi Roma – diz esta carioca que, até bem pouco tempo, passeava a pé por Copacabana. – Agora não saio mais. Por isso estou por fora do que anda passando nos cinemas.

O último filme que viu e gostou, em DVD, foi “Cinema Paradiso”. Mas seu preferido é “O poderoso chefão”. Moderna? É porque vocês não viram um quadro da sala:

– Foi presente de um sobrinho – diz Maria Amélia. – Você gosta? As opiniões divergem.

É uma pintura moderna retratando Maria Amélia, em que se lê nas margens “Memélia faz 100”.

Toca o telefone. Alguém se levanta para servir água. A conversa é interrompida por gargalhadas. Outros cantarolam um samba. Um anel, um quadro, uma lembrança, tudo vira assunto para um bate-papo. Mas juro que não sei dizer como Vinicius foi entrar na conversa. Quando dei por mim, os primos Afonso Arinos e Maria Amélia falavam do poetinha:

Maria Amélia: Ele passava lá em casa e você saía com ele.

Afonso Arinos: Íamos ao “Última hora”, para o Vinicius entregar uma matéria, depois seguíamos para um bar encontrar o Otto e o Helio Pellegrino. E foi numa dessas rodas de bar que nasceu, na minha opinião, seu samba mais lindo.

Maria Amélia: Qual é?

Afonso Arinos: “Quando tu passas por mim”. É muito bonito.

Maria Amélia: “Quando tu passas por mim/ Por mim passam saudades cruéis/ Passam saudades de um tempo/ Em que a vida eu vivia a teus pés.”

Ana Cristina: Como são tão tristes alguns sambas…

Maria Amélia: E tem aquele outro: “Vire essa folha do livro e se esqueça de mim/ Finja que o amor acabou e se esqueça de mim” (“Medo de amar”, também de Vinicius).

Ana Cristina: Naquele documentário tão simpático, “Vinicius”, a impressão que dá é que ele era brincalhão, garoto…

Maria Amélia: Garoto, não acho, não.

Ana Cristina: Sapeca?

Maria Amélia: Também não. Ele era homem solto. E encantador.

Afonso Arinos: Posso dizer uma coisa, Maria Amélia? Você tem uma tendência de compreender mais facilmente as escapadas do Vinicius do que outras escapadas… Sempre teve. Não é verdade?

Maria Amélia: Não sei. É? (Diz marotamente)

Ana Cristina: Talvez o espírito solto dele … Não se podia exigir muito?

Maria Amélia: Eu sou muito solidária com as mulheres. E não tão compreensiva com os homens piratas.

Ana Cristina: A senhora está com um anel lindo. Colorido, de acrílico. Muito moderno.

Maria Amélia: Este anel tem 40 anos. João Gilberto chegou dos Estados Unidos, recém-casado com a Miúcha, e trouxe um pacotinho com anéis que estavam vendendo na rua, em Nova York. Eu escolhi este. E gosto dele até hoje.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador