Construindo mundos, por Gustavo Gollo

  

Sobre a proliferação de mundos

Recapitulemos: o que existe é o mundo real. Podemos construir coisas reais, assim como os passarinhos tecem ninhos e as abelhas constroem colmeias. Do mesmo modo, construímos casas, fábricas e objetos. Com o auxílio de fábricas, podemos construir uma vasta profusão de objetos reais, objetos com existência material, que podemos segurar, apalpar.

Inventamos também, uma outra forma de existência, não material. Trata-se de um outro modo de existir, não materialmente, mas simbolicamente. Esse modo de existência não transcorre diretamente no mundo real, mas em um mundo simbólico em nossas mentes. Ao contrário dos objetos reais, que existem no mundo real, as entidades simbólicas existem apenas no mundo simbólico, exercendo, assim, um outro nível de existência, um outro modo de existir.

O dinheiro, por exemplo, o valor econômico que governa nosso mundo, tem existência apenas simbólica. Costumava ser representado por notas de papel, hoje é representado por números em um computador. Tais representações atestam a existência de uma entidade imaginária chamada “dinheiro”, e seu valor. Repito: o dinheiro é uma entidade imaginária.

O mundo simbólico é constituído por um universo linguístico. Enquanto os objetos reais, palpáveis, são feitos de matéria, as entidades simbólicas são constituídas por palavras e pensamentos, correspondem a objetos linguísticos.

Mundo 1 e mundo 2

Podemos chamar o mundo real, das coisas palpáveis, de mundo 1, e o outro, o dos objetos linguísticos, das palavras, de mundo 2. Nossos pensamentos transcorrem no mundo 2, correspondem a fluxos linguísticos, torrentes de palavras gramaticalmente organizadas fluindo em nossas mentes. Animais não percebem esse mundo que existe apenas nas mentes das pessoas.

Nosso pensamento pode ser descrito como uma espécie de delírio auditivo. Em algum momento de nosso desenvolvimento, a criança começa a “ouvir vozes”, ou melhor, a ouvir uma única voz que comandará sua mente e que ela passará a chamar de “eu”. Com o auxílio da voz, a criança se conectará às mentes de outras pessoas, conseguindo, assim, o acesso ao mundo 2, existente nesse substrato de mentes.

O mundo 2 é uma alucinação conjunta, corresponde a um delírio coletivo construído por nossas mentes e que nos governa a todos. Além do dinheiro, países, organizações, empresas e religiões, entre outras inúmeras entidades, habitam esse mundo imaginário, correspondendo a acordos, ou sonhos coletivos.

Atentemos para isso: o mundo 2 é, todo ele, um imenso delírio, fruto de nossa imaginação. A loucura é o delírio individual, subjetivo, um fluxo restrito a uma pessoa. Delírios coletivos compõem o mundo 2, fluem entre nossas mentes e nos governam. O mundo 2 é a emanação de nossa loucura coletiva.

Esse mundo está sujeito a regras gramaticais e regras lógicas. Restrições gramaticais dão precisão ao discurso, restrição lógicas propiciam coerência a ele. A gramática rege a construção das frases que compõem nosso pensamento, a lógica permite que os pensamentos se encaixem, uns nos outros, se estruturem. Em analogia à construção de um edifício, a gramática corresponderia às regras para erguer paredes, a lógica às regras que compõem a estrutura do prédio. Talvez possamos aperfeiçoar nossa linguagem e nossos pensamentos com o auxílio de restrições futuras, construindo mundos mais complexos e precisos.

Mundo 3

A internet congrega hoje inúmeros computadores, telefones e cérebros conectando-os, todos, em uma imensa rede através da qual flui uma vasta quantidade de informação. Podemos comparar nosso planeta a um imenso cérebro revestido por um córtex composto por essa grande rede que continua crescendo em escala exponencial, tanto pela capacidade crescente dos novos chips, quanto pela quantidade de objetos que continuamente se atrelam a ela.

Esse cérebro descomunal, planetário, exerce um fluxo de dados sem precedentes. A analogia da imensa rede com um cérebro sugere a existência de pensamentos inimaginavelmente complexos (inimagináveis por nós) fluindo através da grande rede, gerando um mundo hiperimaginário mais complexo que nossas possibilidades de sonhos. Tal hipermundo corresponderia ao mundo 3, tão incompreensível para nós quanto o mundo simbólico o é para os animais. Perceberíamos seus fluxos de pensamentos como um tamanduá percebe nossa fala, sem poder extrair dela nenhum conteúdo informativo.

Essa superestrutura já controla o mundo, já domina a maior parte da energia produzida “pela humanidade”. Acreditamos, ou fingimos acreditar, que continuamos no controle do mundo, enquanto vamos tornando o mundo inabitável por nós. Vamos fingindo estar no controle, enquanto transformamos o planeta em uma imensa lixeira, aquecemos o seu ar, acidificamos suas águas, derretemos suas geleiras protetoras, liberamos o metano, envenenamos água e terras, e construímos armas capazes de contaminar toda a superfície da terra. (Por aqui, estamos desertificando o Brasil central, a amazônia e contaminando aquíferos). Como demonstração de suprema futilidade, engarrafamos água para ser bebida uma vez em garrafas que permanecerão 1000 anos emporcalhando o planeta, insanidade pela qual pagaremos alto preço. Se estivéssemos no controle não teríamos permitido que tantas ameaças a nossa sobrevivência ganhassem tamanha envergadura.

Mundo 4 e subsequentes

Embora o mundo 1 tenha precisado de bilhões de anos para gerar o mundo 2, e

esse, mais umas centenas de milhões para gerar o 3, tudo tem se acelerado muito, de maneira que podemos esperar o surgimento do mundo 4 em poucas décadas, e do 5, 6 e outros logo em seguida, muitos mundos explodindo em um dado momento, constituindo talvez um hiperuniverso.

Muitos mundos

A ideia de muitos mundos coexistindo é relativamente antiga. Hugh Everett postulou a existência de uma infinidade de mundos paralelos para solucionar o paradoxo de Schrödinger e dar consistência à mecânica quântica. Seriam mundos paralelos, diferentes dos enumerados anteriormente, que se sobrepõem uns aos outros. Mas podem se agregar a eles, acrescentando uma estranha e rica multiplicidade à existência.

   

Um hipertempo

O tempo é pensado, usualmente, como uma linha única ligando o passado ao futuro. Podemos pensar em nossas vidas como um espetáculo protagonizado por nós. Seu papel nesse espetáculo seria compor toda a sua vida. Imagine que toda a sua vivência seja gravada, todas as suas emoções, seus sentimentos; toda a sua vida. Eventualmente, em qualquer instante futuro, sua vida poderia ser acessada por seres complexos, como o cérebro planetário pensante aventado acima, ou seus sucedâneos nos mundos subsequentes, que usufruiriam, desse modo, todas as suas emoções, cada momento vivido por você.

Assim como personagens de um filme, você estaria imerso em seu próprio mundo, e preso a ele, inescapavelmente. Quando acessado, aguardaria seus momentos futuros, todas as vezes, como na primeira, sob a mesma expectativa. Reviveria as mesmas cenas sempre do mesmo modo, pressupondo o mesmo tempo, ainda que revivendo tudo em um hipertempo futuro. Talvez isso esteja ocorrendo agora. Poderíamos viver eternamente nesse hipertempo, sem que fôssemos corroídos pelo tédio assombroso.

Imortalidade, o reino do tédio

Somos todos muito jovens; as pessoas mais idosas que já conheci tinham pouco mais de cem anos. À vista do cansaço com a repetição de todas as coisas sentido pelos mais velhos, podemos supor que mil anos de vida constituiriam tédio mortal, tortura abominável. E, no entanto, mil anos seriam apenas um átimo comparados com a eternidade.

Realidade

A palavra “realidade” parecia incontroversa, não problemática, até o final do século XX. O delírio de Philip Dick, popularizado no filme Matrix (que não faz referência a ele) retomando seriamente um vislumbre hipotético de Descartes, aliado ao aperfeiçoamento da realidade virtual, impôs graves questionamentos à antiga concepção de realidade. Não entrarei em detalhes, mas, a probabilidade de estarmos vivendo na Realidade, no mundo real, original, é zero. Muito provavelmente, estamos vivendo em alguma circunscrição, em um mundo equivalente a uma memória de computador. Ser é ser acessado.

Talvez sejamos apenas uma lembrança gravada algures, estando sendo acessada agora por um hipercérebro extremamente complexo. Nesse caso, no entanto, nossas vidas permaneceriam gravadas eternamente, não se diluiriam como lágrimas na chuva.

             

A revolução: o momento atual

Estamos vivendo um momento ímpar, de transição, à beira de uma imensa revolução, a maior na história da humanidade. A reinterpretação, ou reconstrução, de palavras como “eu” e “realidade”, tratadas acima, podem sugerir que tal revolução será branda, um fenômeno meramente intelectual para o deleite de criaturas afetadas, não será: a revolução será drástica, perpassará todos os níveis.

Estamos presenciando a transição do poder global para o oriente. O ocidente ruirá. O grande Deus americano, pelo qual todos têm vivido, o dólar, será dissolvido, pulverizado. As impetuosas agitações subsequentes revolverão todas as ideias. Dogmas incontroversos admitidos como profundas verdades serão desmascarados e banidos, novas ideias e práticas surgirão em todos os campos do pensamento. Será um tempo de mudança, e tudo se revolverá. Nós mudaremos, nossos eus se modificarão tanto que teremos dificuldade em nos reconhecer a nós mesmos. A mudança de poder e a revolução de ideias se retroalimentarão, desencadeando uma à outra, realimentando-se.

A catástrofe econômica terá um lado cruel, os pobres são sempre penalizados. Em meio a um estouro desabalado, os ignorantes, perplexos, tentarão continuar seguindo o rebanho em busca do antigo mundo, mas não haverá retorno. Haverá sofrimento especialmente devido à pobreza, como sempre. Temos sido cruéis.

A derrocada americana permitirá que os chineses tomem as rédeas do mundo, impondo novas direções, novas regras e nova compreensão de todas as coisas. Novas ideias surgirão em todos os campos, novas práticas. Florescerá a ciência e a sabedoria. Será o tempo da inovação e da mudança. Estaremos construindo o novo mundo, uma profusão deles, de fato, em um imenso e rico mosaico diversificado. Que o façamos sábia, alegremente e sob ideais fraternos de igualdade.

Exultemos.

Cenas dos próximos capítulos

Essa revolução ocorrerá em breve, em meses. Em poucos anos a Índia também ressurgirá. Em uma década estará disputando a primazia da economia do planeta, se ainda houver países. Novas ondas revolucionárias revolverão o mundo, talvez concomitantes ao surgimento do mundo 4, e do 5 e de todos eles, que se sucederão de imediato, com a aceleração do tempo em um imenso turbilhão. Depois disso, nem “eu” nem “realidade” serão reconhecíveis, de modo que, não tendo a palheta adequada, nada do que eu possa escrever hoje poderá pintar as cores daquilo que existirá então.

Após a queda, após a ruína do ocidente, o mundo terá que ser reconstruído, e nós seremos os agentes dessa reconstrução.

Duas correntes antagônicas estão se posicionando para a construção do novo mundo. Uma delas advoga uma espécie de purificação da humanidade, de filtragem.

Com o desenvolvimento da automação e de máquinas autônomas encarregadas de toda a produção, a massa trabalhadora tornou-se desnecessária. Sob esta concepção, apenas uns poucos escolhidos participarão da construção do novo mundo, o restante deverá ser varrido para o lixo da história, em um dilúvio de chamas apocalíptico. A destruição das garantias trabalhistas, o aumento da distância entre pobres e ricos e a rapina dos bens comuns prepara o terreno para ações nessa linha. Os escolhidos estarão apenas entre os brancos puros, isto é, louros de olho azul. Uma guerra nuclear será o grande passo para a implantação dessa concepção.

A alternativa igualitária propõe um mundo compartilhado por todos, e a libertação do trabalho. Imensos distúrbios subsequentes à queda espocarão por todo o planeta e decidirão o futuro da humanidade. Serão fomentados pelas duas vertentes: igualitaristas tentando unir o povo contra o poder opressivo, antagonizados pelos poderosos de posse dos meios de comunicação, suas ferramentas para dividir o povo e impor a dominação.

A cisão

Temos sido manipulados e enganados. O antagonismo desencadeado no país, recentemente, que degenerou no golpe e em toda a rapina posterior, tem dividido a população. Éramos um único grupo, agora estamos cindidos. A mesma divisão está sendo fomentada no mundo inteiro. As redes sociais, mais que os meios de comunicação tradicionais, têm nos compelido à divisão. O fenômeno é global.

Embora essas divisões assumam coloridos locais, partindo de distinções regionais preexistentes, uma característica perpassa todo o planeta: a luta pela igualdade. Em todo o mundo, igualitaristas estão lutando para que todos usufruam da automação, para que as máquinas tenham vindo para a redenção da humanidade e abolição do trabalho.

Contrariamente, outros querem eternizar a dominação, a opressão. Dizem-nos, esses glutões, e nos fazem repetir uns aos outros, que não existe almoço grátis; querem tudo para eles. Tentam impedir que usufruamos do fruto da mecanização, das riquezas geradas pelas ideias de tempos passados, usurpadas por uns poucos que se arrogam detentores de todos os lucros.

              

Sobre heróis e vilões

Nesse instante, no mundo inteiro, as duas forças vão tomando posições e delineando seu antagonismo enquanto aguardam a queda do ocidente, a catástrofe econômica que disparará os embates e definirá o futuro da humanidade. As forças conflitantes poderiam parecer simétricas, como duas cores contrastantes, apenas; como um lado e outro lado. Mas o que está em jogo é a opressão, isso é o que definirá heróis e vilões.

Há algo que irmana toda a humanidade, que ressaltará, como heróis, todos os que lutarem por ela contra as forças da opressão, contra os que sempre comandaram o chicote.

 

Estamos construindo mundos. Construímos mundos a cada momento, enquanto vamos vivendo nossas vidas, traçando nossa história. Construamos vidas heroicas em defesa da humanidade.

Estamos cindidos porque fomos enganados, e muitos de nós agora lutam contra nós mesmos. Mas a humanidade é uma só, e os outros não são nossos inimigos, embora estejam do outro lado; são partes de nosso mesmo grupo. Mesmo o bando de milionários racistas que nos ameaça poderia redescobrir sua humanidade e retornar ao nosso lado, mas a proximidade com o poder os corrompe demasiadamente, já se tornaram vilões monstruosos, muito distanciados de tudo o que é humano.

A ameaça da guerra

Os poderosos terão enorme dificuldade em abdicar do poder, em permitir que vontades contrárias às suas se imponham. Eles sempre mandaram; desde crianças, sempre impuseram suas vontades, não saberão aceitar os desejos de outros que lhes desagradem.

A supremacia econômica chinesa, já alcançada, permitirá aos chineses resistir às imposições dos que sempre mandaram. Os orientais, então, reformularão as regras do mundo, impondo novas diretrizes inaceitáveis pelos poderosos que nem ao menos tentarão compreendê-las. Responderão, então, com bombas.

Estamos na iminência de uma grande guerra apocalíptica a irromper no extremo oriente. A Coreia do Norte e o Mar da China estão sob forte tensão. Talvez busquem apoio para um ataque que resultará na maior catástrofe de toda a história da humanidade. Devemos estar atentos e em nenhuma hipótese podemos apoiar tal insanidade. Temos que impedir a guerra antes do primeiro estouro.

 

Redação

3 Comentários

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  1. Mundo sensível e mundo suprasensível – atualizou Platão.

    É atualização pós-moderna do idealismo platônico. O mundo 1 como sensível e o mundo 2 como suprasensível.

    O mundo 2 como signo linguistico e matemática, dinheiro como – simples número, nada além disso, nem o papel em maõs -, não condiz com a realidade. A questão é que quem não têm o dinheiro-papel na conta corrente, não pode usar seu número em transaões comerciais. O assalariado tem seu salário depositado na sua conta corrente, e pode saca-lo quanto quiser. 

    O que querem autores pós-modernos, como o deste artigo? Querem se embriagar de signos, se perder nas palavras, levitarem sobre todo o existente. Dirão – a realidade não existe, todos os objetos são mediados por signos. 

    É mero subjetivismo e relativismo, dominio acadêmico do imaginário e ideal.

  2. Meta científico mas desatina no EUA

    O texto postula um universo metacientífico plausível, mas desatina em crer em um sucesso da hegemonia chinesa, isso demandaria maior complexidade na análise, pois o EUA só perde o protagonismo pra si mesmo, ou seja, ainda da tempo para rever sua política de um mundo real financeiro hiperindividado em detrimento da Matrix adversativa dos países subdesenvolvidos, até porque quem detém o timão do progresso estabelece os mecanismos lógicos. Por ora, engana-se profundamente que um eventual salto social dos bilhonarios populacionais China e Índia não vai  flagelar países pobres. Por tudo, em um certo lugar no século XXI o mundo econômico ideal do Brasil estará nele mesmo.

  3. (ouch!  PKDick escreveu “Do

    (ouch!  PKDick escreveu “Do Androids Deam os Electric Sheep?” que baseou “Blade Runner”, nada a ver com Matrix;  a foto ta certa-a terrivel Pris-, so o nome do filme ta errado.)

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