Experiências Com a Palavra

Percebo saber tão pouco o significado das palavras, mesmo que as use na escrita cotidiana. Porque sei realmente o que quer dizer uma palavra, a partir do momento em que vivo e pratico o seu sentido, tendo a experiência de usar na realidade a sua significância em relação às pessoas e às coisas do mundo. Essa é a real apreensão que tenho da palavra, das palavras, de tudo o que as compõem, e que está muito além das suas sílabas soletráveis, do conjunto organizado que se vê formado nisso que elas são no abstrato ato de escrever. Porque o sair das palavras no papel pode ser mero exercício expressivo, como quando se sabe que nenhuma história é elaborada apenas por essa estratégica junção. Uma história nasce é da interpretação prolongada levada pelo linear contínuo de uma palavra atrás da outra palavra. Amassando-nos e revivendo-nos. Então quando escrevo, vejo antes de tudo em minha mente a imagem dos relatos e suas interpretações possíveis num cenário grande, paisagens sendo e atuando. Não vejo palavras, elas entram senão como simples acessórios de tradução a. A tudo o que vagou pronto na ação de um quase-pensamento – digo quase-pensar porque não chega a virar pensamento puro e totalizado, senão não seria escrita, ou não seria uma escrita pura. O imaginar é a mola de propulsão. E foi assim sem nada imaginar que caí na captação real do significado da palavra, possibilidade de entendimento estrito e específico que chegou-me via: a confiança. A confiança não é sozinha, eis então o ponto infeliz que estou agora a aceitar como o significado que as palavras têm na sua realidade. Como se por obrigação real, e não gramatical, a confiança fosse assim escrita: confiança-desconfiança. ¡Mas nunca desconfiei da palavra para ver essa junção!, porque desconfio pouco e confio eternamente. E emprestando-me eternamente aprendi a amplidão própria da confiança e cheguei ao des-confiar. Desfiando a palavra do seu próprio miolo que vem do fiando. Ao repetir a confiança na minha realidade cotidiana, muito além-escritura, de tanto abusar e raspar o tacho de barro cheguei até a sua contrariedade. Porque a desconfiança é um desgosto, enquanto confiar dá tanto gosto que se repete lambe o prato. Eu vi o olhar raiado da desconfiança, raio saído ofensivo fino de dentro e chegando até mim. Enquanto estava a confiar, distraída, porque a confiança tem uma espécie de avoamento, esquece-se de estar tomado pelo estado da confiança, até que empinada vem a sua outra faceta. E com resignação dócil de confiança olhei trêmula para a desconfiança sem que ela penetrasse em mim. Sem permitir que meus modos fossem alterados em sentido ao calabouço que é a desconfiança, que ata e não libera o horizonte. Necessito horizonte livre para contemplar, a imaginação não pode esbarrar-se com. ¡Quão cansativa é a persistente dúvida da desconfiança! num contínuo interrupto de não se sabe se. Não gosto dessa palavra: desconfiança. Não sei o que fazer neste dia de hoje, com a lembrança das últimas semanas que vieram a entregar-me a existência desta palavra. Uso agora a des-con-fi-an-ça para que ela desapareça da minha realidade, realidade querida e que a espero e bajulo para ser dada apenas a mais íntegra confiança. Porque a confiança é nobre, confiar é grande e esbelto, e para desconfiar é preciso abaixar o queixo e olhar debaixo para cima. Não quero me abaixar, pretendo sempre voar até. Ainda que a confiança traga sustos, mas esse sacode pode ser apenas o que esta palavra é na sua forma íntegra. Ah! Eis que cheguei de novo à sua realidade, o susto é da desconfiança. Não posso mesmo fugir dessa palavra, ainda que não pertença a mim, ela está no ambiente, e eu vivo no ambiente do mundo, do mundo desconfiado de, e um desconfiando do outro. Sinto palpitar-me o peito. Não me entregarei assim tão fácil. Porque se dou à palavra desconfiança o meu tão grato mundo-confiado, e deixo vir-me um pouco desta fissura, posso perder parte da confiança. E não quero deixá-la escapar, nenhum milímetro só. Porque com a confiança esvaindo-se, perderia também a ingenuidade e a bobice. E ser inocente é meu resguardo de vida. Essa brandura é leveza, nisso reside melodia, a confiança almeja cantoria e veem-se cores vivas e animais, um bicho berrando porque nasceu ao léu confiando no teto do mundo. Eu quero tanto a confiança! E a quero sempre comigo, até mesmo agora ao descobrir seu jeito reverso, com enjoo e mal estar. Como pode ser que a confiança valha tanto a pena. 

Redação

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