A questão da finalidade aplicável da pesquisa acadêmica

Comentário ao post “A pesquisa de 6 anos sobre a Lei do Impedimento

RESUMO: Em vez de ver uma reação corporativa no post anterior, quero acentuar que há uma crítica de um pressuposto fundamental que ele expressa, e que talvez continue no atual.

Fico triste com isso que agora já parece uma fixação. Noto que o foco mudou: antes era uma crítica ao CNPq, agora o foco é esta pesquisa particular. Mas isso é enganador. Na exposição anterior, o tema era o CNPq e a pesquisa particular foi colocada só como um exemplo. Tratava-se meramente de um caso de fundamentação insuficiente, o que vários comentaristas apontaram. Agora o foco não é mais o CNPq, mas a pesquisa em questão. Só que então a situação se torna inexplicável. Por que um blog respeitado como este se preocuparia com um “casinho” desses? Uma concessão ao populismo? Ou continua sendo um exemplo para uma mazela do CNPq, mas agora não mais explicitada?

Acredito que possa haver inúmeros problemas nas concessões de bolsas de produtividade do CNPq. Todo mundo do meio ouve falar dessas coisas. Isso seria um post interessante. Não sei julgar se o caso em questão se enquadraria ou não nisso. Acredito que haveria muitos casos bem mais emblemáticos, inclusive de beneficiários de bolsas de produtividade sem produtividade. Uma pesquisa interessante a se fazer, cruzando dados do cnpq com os currículos lattes – particularmente, acredito que isso melhorou muito, e justamente a publicidade que o cnpq dá e a plataforma lattes são um avanço tremendo nesse sentido. Mas, infelizmente, parece que esse não é o caso. Então, minha primeira sugestão seria fechar e apagar este post e seus comentários de aplauso, para substitui-lo por um do tipo “casos problemáticos de bolsistas de produtividade do cnpq”, a partir de uma tal pesquisa minuciosa da relação entre bolsas de produtividade concedidas e falta de produtividade de fato.

Outra coisa, no entanto, necessitaria de um outro post. A noção de que a pesquisa acadêmica tem de ter uma finalidade aplicável – e, de preferência, logo ali, à vista. Esta é uma questão que está por trás de várias manifestações já no post anterior. Dou o exemplo das pesquisas com células tronco. Na mídia apareceram vários pesquisadores há tempos atrás justificando tais pesquisas com algum tipo de promessa sobre curas possíveis a partir delas. Bom, tais pesquisas levam muito tempo, e as curas ainda não apareceram. Aí começa um tipo de cobrança da mídia e do público que foi induzido a tal argumento imediatista. A coisa não é por aí! O saber acadêmico não caminha desta forma, e o imediatismo é uma das características brasileiras que são mais prejudiciais ao desenvolvimento do conhecimento em nosso país. Para tapar o buraco na rua em frente de casa não é necessário muita pesquisa (na verdade, é necessário sim, mas façamos uma concessão aos meros tapadores de buracos). Muitas das reações ao post anterior, que tematizaram o CNPq, justamente apontavam para isso. Pesquisas em áreas básicas não são aplicáveis de imediato, e talvez nunca sejam. Às vezes são fim em si, e devem sê-lo. Os que reajiram ao post anterior tentaram apontar isso, sem se posicionar diretamente quanto a esta pesquisa particular, justamente porque o pressuposto da crítica desta pesquisa era o problema que os comentaristas enxergavam: o de que uma pesquisa tem de ter um fim aplicável, um resultado palpável. Dei antes exemplos de âmbitos que me são alheios justamente porque penso que também neles se manifesta o problema do imediatismo. Mas isso é muito mais pungente nas áreas das ciências humanas. Para que estudar Homero, Platão? Imaginem a inutilidade de se financiar uma pesquisa sobre o angustiado Kierkegaard, refém de um inverno tenebroso norueguês, no ensolarado Brasil! Melhor que só os gregos estudem Homero e Platão e financiem tais pesquisas, o grego moderno pelo menos está mais próximo (mesmo que bem distante) do de milênios atrás. Eles só precisam financiar pessoas para estudar uma língua que lhes é arcaica, nós precisamos (ou precisaríamos? financiamos?) pessoas que precisam estudar uma língua arcaica e exótica… Sobre Kierkegaard, finalmente começam a chegar ao mercado traduções diretas do original. O mesmo quanto a Dostoievski. Para mim é uma grande alegria, é a superação do paradigma da imediaticidade e da aplicabilidade de investimento em pesquisa. Por isso, para mim a questão não é esta pesquisa aí, colocada sob uma lupa que talvez seja grande demais. A questão é o pressuposto que os dois posts manifestam.

Como alternativa irônica, proponho ainda um terceiro post, uma enquete: Você é a favor ou contra de financiamentos do CNPq para estudar Platão? Temo que um pensador que é a) antigo e antiquíssimo, b) descontextualizado da América Latina, c) superado por críticas “insuperáveis” de Marx e Nietzsche, ganhe no máximo uns 10% como “objeto financiável”.

Luis Nassif

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