A pinimba ideológica da Faculdade de Direito

O artigo dos professores Francisco de Oliveira, Paulo Arantes, Luiz Martins e J. Souto Maior merece reflexão. Discordo de cabo a rabo de tudo que é dito ali, mas o artigo tem uma qualidade preciosa: é explícito. Quando houve a crise em torno da transferência da biblioteca da Faculdade de Direito, os argumentos ficaram todos restritos a aspectos formais, relativamente secundários. O argumento de fundo, agora, vem à tona. Teme-se que parcerias com a iniciativa privada preparem um processo de privatização da universidade pública – esse é o pano de fundo ideológico dessa confusão toda.

A alegação é completamente paranóica. Não conheço uma única pessoa no Brasil que defenda a privatização da universidade pública. Esses professores, quando vão à Cidade Universitária, não comem nas lanchonetes imundas espalhadas pelo campus. Vão à Economia, que tem um restaurante construído e gerido pela iniciativa privada sem um tostão sequer de custo para os cofres públicos. Vive superlotado, pois é a única opção, além do restaurante docente, que é bem pior. Logo ao lado, temos a Praça do Relógio, que poderia perfeitamente abrigar alguns restaurantes. Ninguém tem coragem de falar nisso, pois teria que enfrentar a gritaria da “esquerdinha” universitária, aliada dos brucutus que invadiram a reitoria a golpes de marreta. A alegação é sempre a mesma: a concessão seria um “primeiro passo” para a privatização da universidade. De onde tiraram essa ideia maluca, ninguém sabe. A concessão seria um primeiro passo para a concessão, e nada mais. Estuda-se caso a caso. Onde a iniciativa privada puder contribuir, contribui. A universidade continua pública, como sempre foi.

 O artigo tem a coragem de defender com todas as letras uma greve repudiada até mesmo pelos próprios funcionários da universidade, e que só se mantém graças ao uso da força bruta. Torço para que o reitor não pague os dias parados desses funcionários, e que os depredadores sejam demitidos a bem do serviço público. O que eles fizeram está além de qualquer padrão civilizado de conduta. Querem fazer greve? Sigam os ritos legais. Se os tivessem seguido, o tema do pagamento dos dias parados nem sequer estaria sendo debatido. Seria direito líquido e certo. Os funcionários de muitos departamentos estão trabalhando com as portas fechadas, com medo (medo!) das represálias desses brucutus. Fazem um acordo com o comando de greve. Não vão paralizar os serviços (e, de fato, não o paralizam), mas mantêm a fachada. Se alguém quer ser atendido, bate à porta da secretaria – estão todos lá. As bibliotecas têm que permanecer fechadas por uma questão de segurança, por medo da ação dos vândalos. Por trás de tudo, sempre a mesma coisa – ameaça de violência física. É inaceitável. 

TENDÊNCIAS/DEBATES

Por uma universidade pública

FRANCISCO DE OLIVEIRA, PAULO ARANTES, LUIZ MARTINS e J. SOUTO MAIOR


A dificuldade econômica da universidade pública na atualidade é fruto de uma negligência proposital do Estado com o ensino público  

O reitor da Universidade de São Paulo publicou neste espaço (“Mecenato e universidade”, 10/6) artigo com alguns argumentos que precisam ser democraticamente contrapostos. Para ele, os problemas da USP partem de uma razão econômica.

A saída que expõe é uma contradição em termos: o ingresso de dinheiro privado para a melhoria da universidade pública. Para proteger a universidade pública, que é melhor que a privada, diz que a universidade pública deve abrir suas portas para o dinheiro privado.

No fundo, o que a sua solução esconde é a tentativa de privatizar o ensino público. Ora, não se tendo conseguido fazer com que as entidades privadas prevalecessem no cenário educacional, busca-se fazer com que o ensino público forneça o material humano necessário para os fins da iniciativa privada.

A dificuldade econômica pela qual passa a universidade pública é fruto de uma negligência proposital do Estado com o ensino público, que se pretende compensar com o investimento privado.

Este último cria, na verdade, uma perigosa promiscuidade que desvirtua a razão de ser do ensino público, que deve se voltar para os problemas sociopolítico-econômicos gerais do país.

Mas mais grave ainda é a forma pela qual se vislumbra tal “parceria”. Na Faculdade de Direito, ela se fez para duvidosas reformas arquitetônicas que nada acrescentaram à melhoria do ensino. Além disso, para se chegar a tanto, foram desrespeitados diversos preceitos da ordem jurídica. O que o reitor chama de “modernização” constituiu grave ilegalidade.

Cumpre resgatar o respeito à ordem jurídica, ainda mais à luz do grotesco episódio de transposição dos livros das bibliotecas departamentais, da noite para o dia, para um prédio desprovido de condições, e cuja devolução ao local de origem, por determinação do Ministério Público, vem se arrastando há mais de três semanas…

Tais ilegalidades justificariam um processo de improbidade administrativa contra o reitor, que, além do mais, em entrevista recente à Rede Bandeirantes, referiu-se à USP, faltando com o decoro acadêmico mínimo, como “terra de ninguém”, “tomada por invasores” e “assemelhada a morros do Rio de Janeiro”, em vias de “virar um Haiti”.

O grande passo que precisa ser dado pela USP é a sua reestruturação, buscando a democratização interna e externa, mediante o voto universal, condição para uma estatuinte e um processo rumo à superação do vestibular, visando o acesso universalizado à universidade pública, tal como é no México e na Argentina há quase um século.

O reconhecimento republicano da igualdade de voto e de cidadania de professores, estudantes e trabalhadores supõe o respeito pleno às manifestações dos servidores que legitimamente lutam por direitos.

A reitoria afirma que os trabalhadores em greve estão cometendo uma ilegalidade e comete o abuso de cortar o ponto de mil servidores, mirando com suas punições principalmente alguns de menor salário.

Mas a greve é um direito fundamental consagrado e, sobretudo, se justifica quando os trabalhadores são atingidos, na sua concepção, por ilegalidades cometidas pelo empregador. Negar a greve como um direito e fixar represálias ou coações constitui, por si, um grave atentado à democracia.

Todos os que prezam o regime democrático devem se alinhar com os trabalhadores da USP, que fazem história com suas lutas, contribuindo vivamente para a democratização da universidade, tal como os operários do ABC que, nos idos de 1978-80, desafiaram publicamente a repressão e levaram à reconstrução da ordem jurídica do país.

 


FRANCISCO DE OLIVEIRA é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP).
PAULO ARANTES é professor da FFLCH-USP. LUIZ RENATO MARTINS é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP.
JORGE LUIZ SOUTO MAIOR é professor associado da Faculdade de Direito da USP.


Luis Nassif

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