Efeitos da estratégia de financiamento da produção acadêmica

Comentário ao post “A questão da qualidade na produção acadêmica

Por Guilherme Silva Araújo

Nassif,

Essa noção de que a pouca qualidade da produção acadêmica é responsabilidade da expansão desmedida da oferta de vagas tem origem em um ranço classista que persiste entre os acadêmicos. Sobre essa questão, eu acredito que a estratégia de financiamento da produção acadêmica teve consequências mais graves que o efeito-persistência da educação oferecida nos níveis básicos.

A atual estratégia de distribuição dos recursos para pesquisas teve início em meados dos anos 1990, contexto marcado por uma forte restrição de recursos para as instituições de ensino superior. Naquele momento, as autarquias responsáveis pela distribuição dos recursos definiram que os recursos públicos para a produção acadêmica, inclusive os salários de professores e pesquisadores, seriam distribuídos conforme indicadores de “produtividade” baseados em uma ponderação das atividades acadêmicas. Em paralelo, o espaço das universidades foi aberto para o financiamento privado, tanto das pesquisas quanto da manutenção do espaço físico.

Esse critério de distribuição dos recursos, que persiste até hoje, motivou um considerável aumento na quantidade de papers e artigos acadêmicos, resultado desejável para a avaliação da atividade acadêmica. Por outro lado, elevou consideravelmente a “seleção adversa” e o “direcionamento ideológico” da atividade acadêmica. No primeiro caso, a necessidade do acadêmico em “pontuar” para garantir seu padrão de renda motivou o uso de recursos indignos para alcançar suas metas de produção como, por exemplo, a publicação de um mesmo trabalho sob dois títulos diferentes. No segundo caso, a distribuição dos pesos favoreceu publicações e congressos com um determinado verniz ideológico. Nas ciências humanas, cuja riqueza é a pluralidade, esse esquema de ponderação fomentou a consolidação de um “pensamento único” nas universidade e que hoje cobra seu preço.

Além disso, a definição de fatores de ponderação motivou professores a privilegiarem algumas atividades acadêmicas em detrimento de outras. Tornou-se comum professores acadêmicos ofertarem maior parte de seu tempo às atividades de pesquisa em detrimento das atividades de ensino e extensão. Em determinado momento, por exemplo, valia mais participar de uma banca de graduação que de atividades de tutoração, cujo objetivo é selecionar e preparar os alunos mais capazes para seguir uma carreira acadêmica.  

Em suma, há elementos estruturais importantes, como a qualidade da educação básica, mas não se pode desprezar os efeitos dessa concepção produtivista sobre a qualidade da atividade acadêmica antes de botar a culpa na expansão da oferta de vagas no ensino superior. 

Luis Nassif

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