Justiça do Trabalho reconhece vínculo de emprego na Uber

Sugestão de Marcelo Soares Souza

do Jota

Justiça do Trabalho reconhece vínculo de emprego na Uber

Para magistrado, empresa tenta maximizar lucros “por meio da precarização do trabalho humano”

por Luís Viviani

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região reconheceu pela primeira vez o vínculo empregatício entre um motorista e a Uber. A decisão é do juiz Marcio Toledo Gonçalves, titular da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, e abre um precedente que pode inviabilizar o modelo de negócios do aplicativo no Brasil.  

O caso julgado envolve um ex-motorista da Uber que trabalhou entre fevereiro e dezembro de 2015, em Belo Horizonte. O autor diz que foi dispensado de forma unilateral e abusiva, sem receber as verbas trabalhistas a que alega ter direito.

O juiz considerou que a narrativa da Uber de que os motoristas têm flexibilidade e independência para utilizar o aplicativo e prestar seus serviços quanto e como quiserem “sobrevive apenas no campo do marketing”.
O fornecimento de balas, água, as instruções sobre a maneira de se vestir e de como se comportar, “apesar de não serem formalmente obrigatórios, afiguram-se essenciais para que o trabalhador consiga boas avaliações e, permaneça “parceiro” da reclamada, com autorização de acesso a plataforma”.

Isto, segundo o magistrado, “desmonta a ideia segundo a qual a Uber se constitui apenas como empresa que fornece plataforma de mediação entre motorista e seus clientes. Se assim fosse, uma vez quitado o valor pelo uso do aplicativo, não haveria nenhuma possibilidade de descadastramento”.

Para Gonçalves, afastado o véu de propaganda, “o que desponta é uma tentativa agressiva de maximização de lucros por meio da precarização do trabalho humano”.

Como o magistrado considerou que havia todos os elementos para configuração de vínculo trabalhista, a Uber foi condenado a pagar diversas obrigações trabalhistas: 13º salário proporcional de 2015 e 2016; FGTS com 40% de todo o contrato, inclusive verbas rescisórias, exceto férias indenizadas; adicionais de duas horas extras por dia de trabalho e reflexos em aviso prévio indenizado, 13º salário, férias com 1/3 , recolhimentos de FGTS com 40% e reembolso de R$2.100 mensais por despesas, como gasolina, durante todo o contrato de trabalho.

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Uberização

O juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte também argumentou que o mundo do trabalho passa por mudanças, citando a “chamada uberização” das relações laborais como um fenômeno de emergência de um novo padrão de organização do trabalho a partir dos avanços da tecnologia.

“Há que se compreender o presente conflito segundo os traços de contemporaneidade que marcam a utilização das tecnologias disruptivas no desdobramento da relação capital-trabalho”, escreveu o magistrado.

Para Gonçalves, não há trabalho humano que não tenha nascido por meio do conhecimento e da tecnologia.

“Uma das marcas do capitalismo é exatamente esta. Da máquina a vapor à inteligência artificial, não podemos ignorar a importância dos avanços tecnológicos na evolução das relações laborais”, afirmou.

Litigância de má-fé

O magistrado também rejeitou o pedido da Uber de aplicação de litigância de má-fé ao autor, já que, segundo ele, “a parte autora apenas exerceu seu direito de ação nos termos da lei, não havendo que se falar em abuso, do direito de ação que a ele é constitucionalmente garantido”.

Por outro lado, reprimiu a conduta da testemunha Norival Oliveira Silva, também motorista da Uber, que, na visão do magistrado, não teria ido ao juízo com a intenção de esclarecer os fatos, mas sim de adulterá-los, “apenas com a nítida intenção de favorecer a parte ré”.

Silva mentiu, segundo ao juiz, ao dizer que:  “quem define o preço da viagem é o motorista”, “a Uber não determina nenhum tipo de comodidade para o passageiro” e “que uma sucessão de avaliações negativas não ocasionam nenhuma consequência para o motorista”.

Por isso, além de aplicar litigância de má-fé e determinar o pagamento de R$ 2 mil ao autor, o juiz notificou o Ministério Público Federal e a Polícia Federal para apuração de um eventual crime de falso testemunho.

Admirável mundo novo e pós-verdade

Na decisão, o magistrado discorreu sobre o “‘admirável mundo novo’ no qual os atos humanos de exteriorização do poder diretivo e fiscalizatório não mais se fazem necessários e são substituídos por combinações algorítmicas”. Com isso, seriam necessários novas dimensões teóricas e atualizações do Direito do Trabalho.

“O mundo mudou e o Direito do Trabalho, como ramo jurídico concretizador dos direitos sociais e individuais fundamentais do ser humano (art. 7º da Constituição da República), precisará perceber toda a dimensão de sua aplicabilidade e atualidade. Na era da eficiência cibernética, é preciso se atentar que o poder empregatício também se manifesta por programação em sistemas, algoritmos e rede”, afirmou.

O juiz alegou também que a Uber navega nas práticas do pós-verdade já que “se apresenta, no mundo do marketing, como uma plataforma de tecnologia, quando, em verdade, no mundo dos fatos objetivamente considerados é uma empresa de transportes”.

Outra decisão

No  mês passado, a Justiça do Trabalho em Minas Gerais havia negado o vínculo empregatício entre motoristas e a empresa. Para o juiz substituto Filipe de Souza Sickert, da 37ª Vara do Trabalho de BH, a “mera existência” de obrigações a serem seguidas pelo motorista, como adequar-se à seleção de carros da Uber e às exigências quanto a exames no Detran e ao seguro passageiro, não caracterizaria a subordinação jurídica.

Outro Lado

A Uber respondeu que vai recorrer da decisão da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, “já que 37ª Vara do Trabalho da mesma cidade, no dia 31 de janeiro de 2017, determinou exatamente o oposto – ausência de vínculo empregatício entre a Uber e um motorista parceiro. Já existe precedente judicial que confirma o fato de que não há relação de subordinação da Uber sobre seus parceiros”.

“Os pontos levados em consideração são a atividade da Uber como empresa de tecnologia, a liberdade para que o motorista parceiro escolha suas horas online, sem qualquer imposição por parte da Uber, a liberdade para não aceitar e cancelar viagens e a relação não-exclusiva entre o motorista parceiro e a Uber, que permite que os mesmos prestem o serviço de transporte individual de passageiros também por meio de outras plataformas”, afirmou a empresa.

Processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112

Luís Viviani – São Paulo

Fonte: http://jota.info/trabalho/justica-trabalho-reconhece-vinculo-de-emprego-no-uber-14022017#.WKQ7BmTIs4c.twitter

Redação

6 Comentários

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    1. Não, o Juiz (com J)

      Não, o Juiz (com J) simplesmente está agindo conforme a lei determina e dizendo que a lei vale para todos, incluindo a Uber; que o Estado Nacional existe e todos os que aqui querem atuar devem respeito às leis, incluindo a Uber; que as regras que a Uber quer impor ao Estado Nacional significam o fim desse enquanto tal. Ainda existem Juízes no Brasil. 

    2. Menos, André, menos…

      Notícia que já tem três meses e meio:

      Uber loses right to classify UK drivers as self-employed

      Landmark employment tribunal ruling states firm must also pay drivers national living wage and holiday pay with huge implications for gig economy

      Fonte: https://www.theguardian.com/technology/2016/oct/28/uber-uk-tribunal-self-employed-status

      O mesmo já havia acontecido na Califórnia:

      https://www.nytimes.com/2015/06/18/business/uber-contests-california-labor-ruling-that-says-drivers-should-be-employees.html?_r=0

      Então, menos, André, menos…

      O Uber ganha um dinheiro mole-mole. Uma das coisas que mais tem impulsionado o Uber é a recessão, que tem colocado milhões no olho da rua. As pessoas, desesperadas em ganhar um troco, apelam para o que há disponível e se sujeitam às condições impostas pelo “mercado”.

      Ao que eu saiba, o Uber não acabou nem na Califórnia nem no Reino Unido. Se quiser andar de Uber por lá, continua possível.

  1. Concordo com tudo que a

    Concordo com tudo que a modernidade, a tecnologia e o caralho, apresentem como caminho inexorável para a humanidade. Ponto. Todavia, não podemos imaginar que esta merda de país seja tratado como se fosse uma casa de lenocínio, onde as regras podem ser flexibilizadas ao talante dos senhores empresários, Ou ainda, instituidas pelos mais espertos endinheirados à partir de seus interesses mercantis e etc.

    Como se já não bastasse as bandalheiras desses canalhas entreguistas do ministério público, do judiciário, pf, moro et caterva. Cafajestes estes, empenhados em destruir as empresas brasileiras para cumprir seus criminosos acordos com a CIA, Dep. de Estado USA, Pentágono, ou o caralho que seja.

    O sistema Uber de transporte privado, pode ser a maravilha que for. E, de fato funciona bem, segundo a clientela crescente que obtem. Mas isso, não os permite fazer o que bem lhe dá na telha. Esta empresa, ou seja lá que porra é, terá que se sujeitar as leis vigentes no país onde opera. Precisamos de desenvolver mais vergonha na cara. Agora mesmo, o merda do Trump tomou uma medida exemplar, impedido qualquer informação sobre as petrolheiras norte-americanas seja repassada para quem quer que seja. O merda do Moro, se cometesse lá as merdas que faz aqui, já estaria sendo preparado para enfrentar um pelotão de fuzilamento, por alta traição.

    Orlando

  2. Estão entregando a Petrobrás

    Estão entregando a Petrobrás na bandeja para os estrangeiros, destruindo vårias empresas nacionais e a justiça brasileira não faz absolutamente nada, até ajuda na putaria. Por isso essa decisão desse juiz fica totalmente sob suspeita. Por que fez isso? Com certeza não foi para defender o país.

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