Um histórico das propostas de reforma tributária que fracassaram

Enviado por Assis Ribeiro

Do iG

De FHC a Lula, cinco propostas de reforma tributária fracassaram

Historicamente, tentativas de fazer a reforma esbarram em interesses e acabam tendo como desfecho mudanças pontuais no sistema

De Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva, foram cinco propostas patrocinadas pelo Executivo de reforma do sistema de impostos, taxas e contribuições. Duas com FHC (1995 e 2001), três com Lula (2003, 2004 e 2008). Todas elas tiveram um mesmo desfecho: a ideia de uma reforma ampla acabou abandonada pelos impasses, sendo substituída por medidas pontuais que, na prática, apenas engordaram a arrecadação. O mesmo filme repetiu-se em todas as tentativas. Sob pressão de governadores, forças antagônicas se digladiaram no Congresso, e o governo recuou.

Foi o caso da última tentativa do governo Lula, em 2008. Como suas antecessoras, a reforma buscava atenuar a principal anomalia da tributação nacional: o excesso de impostos e contribuições incidentes sobre a produção e o consumo de bens e serviços. A alteração mais importante era a proposta de uma lei única para o ICMS, maior fonte de receita dos Estados, que passaria a ser cobrado no destino das mercadorias (a proposta de 2001, de FHC, era concentrada nessa ideia de unificação do imposto).

A resistência em 2008 vinha encabeçada pelos governadores tucanos José Serra (São Paulo) eAécio Neves (Minas Gerais), na época ambos potenciais candidatos à sucessão de Lula. A reforma implicaria em perda de receita para os governadores e a União. Previa que, nas operações e prestações interestaduais, o ICMS pertenceria “preponderantemente” ao Estado de destino da mercadoria ou serviço. Ao Estado de origem caberia o equivalente à incidência de 2% do imposto. A reforma privilegiava, portanto, Estados consumidores. As perdas se concentravam em grandes Estados produtores como São Paulo e Minas.

Como das outras vezes, discursos em defesa de uma reformulação completa do sistema foram substituídos por propostas de redução de um ou outro tributo. A proposta foi enviada ao Congresso em março de 2008 como prioridade legislativa do ano.

Em dezembro ela estava oficialmente adiada para 2009. Mas a ideia já havia sido esquecido por parlamentares, inclusive pelos próprios partidos aliados ao Palácio do Planalto, ainda no primeiro semestre. Na época, governistas preferiram manter em pauta a ideia de recriação da CPMF.

O adiamento da reforma foi anunciado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que, poucas horas antes, havia sido chamado ao Planalto. No encontro, Lula fez um apelo pela votação da reforma, repetido, por telefone, ao presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN). Não deu certo, e o presidente atacou publicamente o Congresso, afirmando que a reforma tributária não saíra por culpa dos parlamentares.

Impasses também com FHC

Com Fernando Henrique Cardoso não foi muito diferente. No seu governo, por exemplo, a carga tributária saltou de 27,9% do PIB, em 1994, para 35% do PIB em 2002. Já em 1995, primeiro ano de mandato, FHC apresentava a principal proposta de reforma tfibutária, que entre outras coisas criava o ICMS federal e estabelecia isenção de impostos sobre as exportações. O novo imposto substituía o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e passava a incidir sobre produtos que até ali não pagavam IPI – caso da energia elétrica, combustíveis e serviços de telecomunicações. Também estabelecia que o ICMS teria alíquota única em todo o país, índice a ser definido pelo Senado. O objetivo era neutralizar a chamada guerra fiscal entre os Estados.

Com os impasses no Congresso – motivados também por pressão dos governos estaduais, envolvidos na guerra fiscal em decorrência das alíquotas diferentes do ICMS – a reforma foi abandonada por falta de consenso. O presidente chegaria ao fim do mandato, em 2002, com uma minirreforma tramitando no Congresso. Mexeria apenas no PIS e de forma gradual.

Tanto FHC quanto Lula encerraram seus governos sob críticas de que trilharam o caminho mais simples: a aposta nas contribuições sociais, para as quais não há obrigatoriedade constitucional de compartilhar com Estados e municípios. Essa prática do governo federal começou anos antes, ainda com José Sarney na Presidência, mas foi ampliada com FHC, com a criação da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), a CPMF e a CIDE, a contribuição sobre combustíveis. Todos eles resultam em duplicação de bases de impostos existentes sem distribuição de receitas com Estados e municípios. Em 2002, quase 25% da arrecadação de tributos resultava de contribuições cumulativas – entre as quais se incluíam também o PIS e a Cofins.

Centralização tributária

Essa centralização da arrecadação tributária nas mãos do governo federal ajudou a amplificar crises em toda a História do Brasil. Os problemas tributários do Brasil têm sido uma marca desde a Colônia. O Primeiro Império, por exemplo, assistiu à reação das províncias à centralização tributária de Dom Pedro I que a Regência tentou corrigir sem sucesso. O mesmo ocorreu no Segundo Império, quando as reivindicações regionais por um mínimo de autonomia tributária foram ignoradas. O mesmo fenômeno se repetiu na recusa à centralização do período de Getulio Vargas (1930-1945) e do regime militar (1964-1984). Este último foi responsável pela maior reforma tributária das últimas décadas, realizada em 1966, no governo Castello Branco.

Os fracassos ao tentar criar um sistema tributário mais simples, mais igualitário e mais eficiente, com impostos que não onerem investimentos e exportações, se repetiram também em todas as constituições brasileiras – desde a Constituição outorgada por Dom Pedro II, em 1824, até as experiências posteriores de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.

SAIBA MAIS SOBRE O SISTEMA TRIBUTÁRIO

Por que o sistema tributário brasileiro é complicado?
Por dois motivos. Primeiro porque o Brasil é um país federativo, com tributos federais, estaduais e municipais. São 27 Estados com 27 legislações distintas. Exemplo típico é o ICMS, diferente em cada Estado. Também os 5.760 municípios que cobram Imposto Sobre Serviços (ISS), e cada um com sua legislação específica. O contribuinte, os bancos e as empresas têm de conhecer as legislações específicas a nível federal, estadual e municipal. É um problema de países federativos, como o Brasil, Estados Unidos, Canadá e Índia. Nestes países sempre o sistema é complicado. Outro motivo é que, a partir de 1988, o Brasil esteve na UTI durante muito tempo, e precisou arrecadar a todo custo, por uma série de problemas econômicos, como a inflação. Foi necessário criar uma série de tributos estratégicos para conter esta situação fiscal delicada.

Por que a carga tributária alta é nociva para o Brasil?
Porque aumenta os preços, gera menos consumo e incide muito sobre a produção (como os altos tributos sobre a folha de salários, sobre os bens de produção). Ela incide sobre o empreendedorismo, que emperra o desenvolvimento nacional. De outro lado, como a carga tributária entra nos preços, isto prejudica uma redução dos preços e mais consumo, que seriam benéficos para o consumidor e ao mesmo tempo compromete a competitividade da indústria nacional no mercado externo. É mais barato importar da China um produto industrializado do que fabricá-lo no Brasil. Desta forma não há incentivo para a criação de novos empregos e empresas.

Com uma possível reforma tributária, o que melhoraria rapidamente no Brasil?
Teríamos um incentivo maior ao investimento, simplificar a atividade empresarial nos pagamentos dos tributos e atrair mais investimento nacionais e estrangeiros.

Que país pode ser citado por ter feito uma boa reforma tributária?
O Chile é um bom exemplo. A reforma aconteceu sob o regime autoritário. Hoje, a carga tributária paga pelos chilenos é baixa (em torno de 24%), mas houve mudanças no perfil do gasto do governo. Agora, a Previdência Social, por exemplo, é privada.

Redação

5 Comentários

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  1. Qualquer reforma que diminua

    Qualquer reforma que diminua os tributos incidentes sobre produção e consumo, compensando com o aumento sobre patrimônio e renda, é ótima. Acabar com o efeito cascata seria ainda melhor. Pessoalmente, prefiro pagar 50% de IR se não tiver que desperdiçar dinheiro com IPI, ICMS, IOF, ISS, II, IE, contribuições sociais, de melhoria, cide, etc., enfim, todos aqueles tributos que aumentam o custo de qualquer produto ou atividade, se acumulando e, consequentemente, atrapalhando a economia nacional. Enfim, creio ser possível escalonar faixas de cobrança de IR ao ponto de, no final, o Estado arrecadar o mesmo ou mais que atualmente, sem essa intervenção pesada na economia nacional.

  2. Fracassaram e continuarão fracassando…

    Enquando o tratamento da questão tributária brasileira for encarada com problemas de ordem tributária apenas, creio que não teremos êxito em qualquer projeto de “reforma” tributára.

    Aliás, o termo “reforma” já sugere a manutenção do velho com cara de novo. Uma espécie de botox tributário. Logo, não muda, essencialmente, nada.

    Para tratar das questões tributárias precisamos compreender bem as garantias fundamentais constitucionais. E, ao compreendê-las, inevitavelmente, teremos de compreender o funcionamento do DIREITO FINANCEIRO, com seus orçamentos e transferências  verticais entre os entes federativos.

    Daí, também inevitavelmente, teremos de compreender a questão do superávit primário, despesas correntes, e , sobretudo, a manutenção do RENTISMO que absorve boa parte das receitas derivadas. Duvidam? Veja o gráfico de pizza do orçamento brasileiro. Alías, observe , exatamente, o período de aumento da carga tributária já citado acima.

    Lado outro, a tal guerra fiscal  não é , de tudo, ruim. Ora, Bahia não é Rio de Janeiro, que por sua vez, não é São Paulo que não é Minas que não é Amazonas e por ai vai. Federação às avessas, sem secessão, ainda que se pense,  não se resume à  união de capitanias hereditárias.

    Irresponsabilidade fiscal com criação de centenas, ou melhor, milhares de municípios deficitários também contribuem para o problema ainda que recentemente finalizada.

     

    Em suma, o que não se pode dizer da ” reforma” tributária” é que ela seria  simplesmente  complicada por dois motivos, vez que os motivos são VÁRIOS, isto é, são  dezenas, centenas ou até mesmo milhares, milhões, ou melhor bilhões de motivos e de dólares para pagar dividas contraídas com fins muito vezes duvidosos! 

     

  3. Farinha de ouro, meu pirão primeiro, segundo, terceiro…
    Os governantes de São Paulo nunca vão deixar barato essa coisa de cobrar ICMS no destino.

  4. A China SEMPRE vai ter maior
    A China SEMPRE vai ter maior escala de produção e consequentemente, menor preço por seus produtos. Essa não é a questão na reforma tributária. Todo imposto que o governo deixa de receber é apropriado pelo empresariado, e NUNCA, nunca repassado para os preços. Dizer que a diminuição de tributos vai diminuir preços é falácia, senão mentira pura e simplesmente. Agora, a reforma tem é que ser feita em cima de quem menos contribui e que ganha rios de dinheiro com a especulação financeira. Tipo assim, um Itaúúúúú de vantagens, com R$ 5 bilhões de lucro, no “Brasil em crise” dos coxinhas.

  5. Chapeu alheio

    A incidencia de impostos dobrou com as contribuicoes que nao sao divididas com estados e municipios, é FATO. Contribuicao so deveria poder ser criada apos plebiscito e com tempo para acabar.

    Lembro do emprestimo compulsorio do Sarney, nunca devolvido.

    Pior nao é isso, é dar esmola com o chapeu alheio. Toda vez que o governo federal da isencao de impostos, deixa de repassar para estados e municipios. Mas continua cobrando as contribuicoes. Os advogados ja descobriram isso e ja começaram a pipocar açoes das prefeituras contra o governo federal, querendo suas fatias do bolo.

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