Marielle Franco e a Franquia do Crime, por Gustavo Gollo

Marielle Franco e a Franquia do Crime, por Gustavo Gollo

Quase um ano atrás, a notícia do assassinato de Marielle Franco ganhou o mundo, tendo se tornado a procura mais acessada no google mundial, naqueles dias. Apesar do interesse sobre o assassinato ter se espalhado por todo o planeta, as investigações sobre o crime arrastam-se até hoje, sem que se saibam quem são os assassinos, quase um ano depois da tragédia.

De imediato, a ausência de resultados lança dúvidas sobre os investigadores, especialmente em vista das fortes suspeitas de que a execução tenha sido cometido por policiais – antes de morrer, Marielle vinha denunciando assassinatos cometidos por policiais.

Os que acompanham o caso, no entanto, percebem o forte empenho oriundo de variadas fontes para abafar o caso, ou dar-lhe uma solução espúria, crucificando 2 milicianos com base em denúncia infundada, patrocinada pelos padrinhos dos criminosos. Além da tentativa de imputar o crime aos 2 denunciados, uma outra linha de abafamento do caso vinha consistindo em retirar o caso das mãos dos investigadores atuais, muitos meses após o ocorrido, e entregá-lo a instâncias federais, situação na qual a responsabilidade pelo desvendamento do crime seria esvaziada, e nada se concluiria sobre o assassinato, quando no encerramento das investigações, daqui a uns anos. Essa linha de abafamento gerou, inclusive, ameaças federais aos investigadores, na forma de uma investigação das investigações, que ainda se encontra em curso.

De qualquer modo, quase um ano depois do assassinato, as investigações policiais ainda não apresentaram nenhum resultado – dias atrás, umas investigações do ministério público renderam a prisão de uns bandidos notórios e vagas insinuações de que poderiam ser os assassinos de Marielle, nada mais. A absurda demora, obviamente, merece explicação.

Para entendermos a importância do desvendamento desse crime, e a demora absurda em tal resultado, devemos atentar para a Franquia do Crime, uma gigantesca organização criminosa já denunciada pela TV Globo em uma série de reportagens, coincidentemente, ou não, levada ao ar no mesmo dia no assassinato de Marielle, 14 de março de 2018.

Sim, vivemos em um país surrealista, fechando os olhos para o fortalecimento de uma das maiores organizações criminosas mundiais, a Franquia do Crime.

Para compreendermos esse assombroso conluio, convém termos em mente certas concepções sócio-jurídicas associadas a grupos conservadores brasileiros, especialmente os chamados “coxinhas”, e os autodenominados “pessoas de bem”. Lembremos que, de acordo com os grupos conservadores em nosso país, “bandido bom é bandido morto”, frase alardeada com naturalidade e sem qualquer constrangimento por todo o país, e que significa o endosso das práticas de extermínio em voga por aqui. Lembrando que a palavra “bandido”, nesse contexto, significa delinquente de origem pobre, e que “pessoas de bem”, eventualmente, cometem delitos, mas não são bandidos. Nesse contexto, por exemplo, “traficantes” são favelados que, entre outros crimes, praticam o transporte e a venda de substâncias entorpecentes. Note que o mesmo delito, se cometido por pessoa de bem não o transforma em um bandido, basta olhar para um e outro e logo o sabemos, de modo que, sob tal visão de mundo, traficantes são bandidos de origem pobre.

Na cidade do Rio de Janeiro, já há décadas, os imensos ganhos auferidos com a venda de drogas permitiram que os traficantes se armassem e se organizassem de um modo assemelhado ao dos antigos feudos. Bem armados e organizados, os traficantes estenderam seu poder pelas regiões pobres e esquecidas da cidade, dominando as favelas, sobrepondo-se ao poder público nessas regiões, tornando-se os ‘donos do pedaço’, instituindo ali suas próprias leis, impondo taxas, autorizando, ou não, eventuais serviços e consistindo, efetivamente, nos governos locais. Cada feudo institui suas próprias leis e se encarrega de que sejam cumpridas.

A popularização dos telefones celulares e o google maps propiciaram o mapeamento das favelas, possibilitando o planejamento das ações policiais em tais locais e a eventual tomada dos feudos, em decorrência de tais ações. Mas, embora a polícia conseguisse, eventualmente, desbancar o poder local, não tinha condições para ocupá-lo, de modo que, mesmo após o extermínio das lideranças criminosas locais, através de alguma grande chacina, em poucas horas o bando já se encontrava recomposto, sob nova liderança alçada de entre o gigantesco repositório constituído pela imensa população de excluídos. Matar traficantes, em um morro abarrotado de desempregados, é como enxugar gelo.

Um novo ramo de negócios se encaixou como uma luva nessa situação absurda, era o surgimento das milícias. Originalmente, uma milícia poderia ser constituída por policiais e ex-policiais vizinhos organizados para conter o crime em torno de suas casas e dar um jeito na vagabundagem ao redor – seja lá o que signifique isso. Também poderia parecer razoável a cobrança pelos serviços de proteção oferecidos pelo grupo, especialmente aos comerciantes locais. O clima de camaradagem entre os vizinhos favorecia a aceitação do grupo, abafando até eventuais excessos, resultantes no desaparecimento de bandidos notórios que insistissem em permanecer no local, ocorrências abonadas pela dupla camaradagem, com a vizinhança e com a polícia.

O know how obtido por tais grupos, assim como o treinamento militar prévio de seus integrantes e seu relacionamento com a polícia, permitiu que grupos assim, as milícias, constituíssem a interface entre os 2 mundos, o mundo do asfalto, onde habitam as pessoas de bem (os bem-nascidos, afortunados), e o submundo das favelas, onde habita a bandidagem (perdoe-me, leitor, mas para compreender a Franquia do Crime convém compreender e utilizar jargões que a normalizam).

Em lugar de ficar enxugando gelo, executando os subsequentes bandos de traficantes que se sucedem no comando do tráfico, nada mais profícuo que – após uma ação verdadeiramente contundente sobre os bandidos, tendo-os enfraquecido significativamente –, entrar em acordo com os sobreviventes e plantar sobre eles um grupo de milicianos que os mantenha sob controle, impondo-lhes uma taxa sobre os lucros com a venda de drogas, e abocanhando assim a parte do leão. Despojados da maior parte dos lucros, os traficantes são mantidos com poucos recursos, tornando-os mais facilmente controláveis. Quanto aos lucros exorbitantes obtidos com tão rendoso comércio, ficam divididos entre os milicianos, que executam o serviço, e a estrutura da franquia que lhes oferece cobertura.

A lucratividade desenfreada tem induzido um crescimento vertiginoso do esquema e propiciado aumento correspondente em sua estrutura de poder, passando a propiciar, além da cobertura policial, o apoio dos meios de comunicação, e do sistema jurídico, entre outros. Note que sem um forte apoio no sistema jurídico e nos meios de comunicação o esquema não se sustentaria, sendo necessário, aliás, de fato, um completo sistema de governo resultante em um poder paralelo que já engloba pelo menos 2 milhões de pessoas, e tem crescido vertiginosamente. A esse poder paralelo dá-se o nome de “Franquia do Crime” por utilizar a mesma estrutura das franquias.

Marielle e a Franquia do Crime

O assassinato de Marielle foi cometido com o propósito de blindagem desse núcleo de poder paralelo, eliminando uma pessoa que criticava e expunha a estrutura criminosa, deixando claro, também, quem dá as ordens, e instituindo que ninguém se meta onde não foi chamado. A eliminação de Marielle teria sido um fortíssimo recado a todos os opositores do poder paralelo, caso o assassinato não tivesse, surpreendentemente, adquirido uma divulgação sem precedentes.

O Escritório do Crime e as outras divisões da franquia

Um dos departamentos da Franquia é o Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel altamente treinados formados por policiais e ex-policiais. Caso o franquiado tenha problemas com baderneiros, ou opositores de qualquer espécie, a franquia oferece-lhe os serviços desses profissionais. De acordo com O Globo, (reproduzi o artigo aqui) o preço básico da encomenda é R$ 200 mil, eventualmente acrescido de adicionais, tais como locomoção, para assassinatos em localidades distantes, ou conforme a importância da vítima.

O mesmo artigo d’O Globo nos esclarece, também, como funcionam as relações de camaradagem entre os franquiados e a polícia: para circular pela cidade, por exemplo, portando armamento e munição de guerra, como os rifles utilizados corriqueiramente pelos milicianos, é conveniente ter a cobertura de um policial, ao lado. Caso o carro seja parado em uma blitz, por exemplo, o policial contratado pelos milicianos se encarrega de desembargar o veículo, através da camaradagem com os colegas. Operações mais significativas, como a execução de Marielle, que requereu precisão, exigem a presença no veículo de militares graduados, capazes de resolver impedimentos muito prontamente.

O núcleo jurídico da Franquia tem também uma enorme importância no esquema. Lembremos, por exemplo, do policial preso recentemente, acusado pelos meios de comunicação de ter participado da execução de Marielle. Em 2003, o então capitão participou da chacina da Via Show, que resultou na morte de 4 jovens. Os outros 3 acusados foram condenados pelo crime (depois soltos), mas o processo do policial, hoje promovido a major, foi trancado e só reaberto recentemente. O caso ilustra como, na eventualidade de que as ações dos franquiados não sejam abonadas pela polícia, o núcleo jurídico é acionado impedindo a imputação de maiores constrangimentos aos milicianos.

Outro núcleo importantíssimo e não menos poderoso é o de comunicações, que domina todo o sistema de informações do país! A afirmação parece exagerada e absurda (tudo sobre esse assunto, diga-se de passagem, é completamente absurdo), mas, leia a reportagem de O Globo, publicada em 19 de agosto apresentando o Escritório do Crime e tente explicar o silêncio subsequente de notícia tão bombástica. Faça uma busca na internet e constate que nenhum dos grandes meios de comunicação tocou no assunto, até que, mais de 2 meses depois, a Procuradora Geral da República soube da notícia através de um presidiário em Mossoró, no RN, que a havia replicado. Confira também a eficiência com que a Globo conseguiu, durante quase um ano, desviar as fortíssimas evidências que levavam a suspeição pelo assassinato a policiais, direcionando-as para milicianos dissidentes da franquia. Antes de tratar dessa dissidência, cabe mencionar a eficiência do núcleo dedicado à internet, que tem conseguido, em ampla medida, direcionar as buscas na grande rede, e evitar viralizações indiscretas nas redes sociais. Lembremos, por exemplo, que no auge do interesse sobre o caso, logo após o crime, as notícias sobre Marielle foram desviadas do fato, o assassinato, para as fake news sobre o caso. Outro desvio, entre os vários ocorridos, retirou as suspeitas de sobre policiais capazes de manejar a submetralhadora utilizada na execução, para os milicianos dissidentes.

A dissidência para qual todos os holofotes têm sido apontados consiste, exatamente, na primeira milícia, fonte de inspiração de todas as outras e anterior à franquia, a milícia de Rio das Pedras. Suspeito que, tendo surgido antes das outras, essa milícia não reconheça a relação de vassalagem para com a franquia, abocanhando todos os lucros sem repassá-los ao núcleo central, uma perda de receita que vinha sendo tolerada por razões históricas. A pressão imensa decorrente do caso Marielle, que pouquíssimos acreditavam pudesse se contrapor e superar o núcleo de comunicações da franquia, acabou diluindo os fortes pudores decorrentes do corporativismo da irmandade, compelindo-a a rifar a dissidência. Mesmo assim, na semana passada, suas lideranças foram avisadas de que haveria uma operação para prendê-las.

 

Para quem não acompanha o noticiário do Rio de Janeiro, o relato acima soa completamente estapafúrdio, inverossímil; trata-se de um estado de coisas inadmissível que só muito absurdamente poderia ter se instalado em qualquer lugar. Bastará, no entanto, uma breve atenção sobre o tema “milícia” para que a constatação estarrecedora se imponha. Confira também que o crescimento vertiginoso das milícias nas duas últimas décadas sinaliza para a ocupação de todo o estado do Rio em poucos anos. Note que esse crescimento é exponencial, e que SE NADA FOR FEITO DE IMEDIATO, muito em breve todo o país terá sido tomado pela estrutura criminosa da Franquia do Crime. Sob o ritmo atual de crescimento, o prazo para isso é de aproximadamente uma, ou duas, décadas.

 

A franquia está se espalhando por todo o país, e não é necessária muita perspicácia para imaginar que se não for contida a tempo, logo se alastraa pelo Paraguai, Colômbia e por toda a América Latina; enquanto o comércio de drogas estiver proibido, será difícil impor um freio em atividade tão lucrativa. a expectativa alarmante pôs em alerta a comunidade mundial que, por essa razão, exigiu que os atuais governantes – que anteriormente haviam manifestado hostilidades à causa de Marielle, tanto na esfera estadual quanto na federal –, reforçassem as investigações sobre o caso, com vistas a solucioná-lo amplamente.

A solução do caso de Marielle Franco deve ser apresentada no próximo mês. Espera-se que o número de indiciamentos supere as centenas e transponha o núcleo policial da Franquia do Crime, arremetendo fortemente também sobre seu cerne, os poderosos núcleos jurídico e de comunicações, sustentáculos dessa impressionante organização criminosa.

 

Redação

4 Comentários

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  1. a dona do poder é a

    a dona do poder é a morte….

    por isso esse tewmpo pode ser denominado da luta entre a vida e a morte….

    eros e tânatos….

     

  2. Paralelos ou coincidentes?

    O autor Gustavo Gollo deve ser parabenizado por seu incansável trabalho de insistir na solução desse crime nefasto, dentre tantas outras Marielles que morrem ou têm seus filhos mortos na nossa dramática guerra urbana.

    No entanto, seu desconhecimento sobre o tema, somado às suas fontes (o grupo Globo) coloca por terra boa aprte de suas iniciativas.

    É comum que pessoas externas a área de segurança pública cometam o mesmo erro: vão colando fragmentos de informações, um disse que ouviu dizer, uma matéria de jornal ali, algum pedaço de depoimento de vítimas e/ou policiais envolvidos, e pronto, eis um nome e uma tese.

    Inacapazes de enxergar a dimensão do fenômeno em sua complexa e total dimensão, vão dando coro a demanda da mídia e dos órgãos de segurança e seus gestores, que cinicamente aderem à tais teses, menos pelo seu conteúdo, que desprezam, mas pelos rótulos e slogans que servirão às suas cínicas cruzadas e guerras.

    “Crime organizado”, “milícias”, “poderosos traficantes”, “luxuosos esconderijos”, e etc, tudo isso vai alimentando o folclore popular, bem como possibilita as justificativas políticas (e morais) para o prosseguimento de nossos genocídios, bem como as legitimações de discursos e narrativas pela “ordem e respeito às pessoas de bem (sabemos, muito mais as “de bens”).”

    Atentem bem para o fato que esses grupos chamados por nomes bem mais pomposos que suas capacidades não são menos perigosos, eu já escrevi isso aqui antes no blog.

    Mas dar o nome certo as coisas é o primeiro passo para entendê-las, e sabemos, não se pode combater com eficiência o que não se conhece.

     

    As milícias como sintoma do Estado Policial.

     

    O Estado brasileiro é um Estado Policial desde seu nascimento, em 1808, quando a colônia foi elevada a Reino Unido, ratificação de uma mudança drástica do eixo de poder de Lisboa ao Novo Mundo.

    Aqui foi criada, como um dos primeiros atos (senão o primeiro), a Intendência Geral de Polícia, dedicada a caçar os pretos que assustavam a corte, dada sua quantidade e liberdade ambulatória, mas também destinada a regrar e normatizar os aspectos da urbe, funcionando como instância de fiscalização de costumes e de posturas municipais.

    Não à toa, as construções de Câmaras Municipais também eram de Cadeia.

    Do ponto de vista procedimental ou jurídico, inventado nas Ordenações Manoelinas (braço normativo que serviu a Inquisição), o Inquérito Policial sobrevive até hoje!

    Essa natureza segregadora e violenta da polícia brasileira, que também não por acaso surgiu em seu primeiro núcleo no Rio de Janeiro, justamente o centro econômico e político até 1960, perpassou toda sua existência, onde a força policial SEMPRE esteve a soldo das classes dirigentes.

    Desnecessário repisar aqui o drama dos negros, e dos pobres, a constante criminalização da pobreza e os efeitos dessas escolhas políticas nas políticas de segurança pública.

     

    Já falamos também que o golpe de 64 (e tantos outros momentos em que as FFAA “atenderam” o chamado para intervir) acabaram por criar uma relação histórica de promiscuidade e compadrio entre FFAA e polícias, e esse arranjo as coloca até hoje as polícias estaduais como forças auxiliares das FFAA.

    O recente aprofundamento do caos urbano brasileiro tem realçado essa promiscuidade institucional como nunca, e as FFAA têm participado e operado como polícias urbanas por várias vezes em várias capitais, mas com destaque para o RJ.

    Gozado imaginar que as “honestíssimas” FFAA, como se auto proclamam, quase que inventaram a relação orgânica entre polícias e contravenção (Jogo do Bicho), que por sua vez descambaram para outras relações com informantes (alcagoetes), e tudo junto foi parar nos grupos de extermínio.

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    O perfil “miliciano” das polícias cariocas (e de outras partes do Brasil) não é sequer novidade, pois como já dissemos em outros textos e aqui em cima, se entendermos milícias como um segmento dedicado a proteção privada de um grupo específico, com domínio de certo território e com alguma organização hierárquica e divisão de tarefas, veremos que esse organograma já funciona oficialmente na condução da polícia brasileira.

    Se é difícil ao autor entender isso, e outras pessoas, vamos tentar de trás para diante:

    a) Número de mortos por homicídio doloso por ano, em média: 40/50 mil;

    b) mortos por homicídios provocados porPAF (projetil de armas de fogo): 90% da taxa do item “a”;

    c) sexo, cor, faixa etária e classe social das vítimas: mais de 90% homens, 70% aproximados de negros e pardos, 70% aproximados entre 19-24 anos, e mais de 90% na faixa de 1 a 3 SM;

    d) Número de presos: mais de 800mil;

    e) Presos provisórios (sem sentença definitiva): mais de 600 mil;

    f) Sexo, cor, faixa etária, classe social dos presos: idem ao item “c”.

     

    Então, se entendermos a polícia como a engrenagem de entrada no sistema de persecução criminal, teremos uma conclusão óbvia: a polícia brasileira já é uma milícia dedicada a punir e perseguir pobres e pretos, enquanto protege os mais ricos e brancos, e também finge que estes não cometem crime algum.

    Se adicionarmos esses números os resultantes da pesquisa acerca da mortalidade da ação policial só agravaremos essas conclusões.

    Finalmente, se formos pesquisar o local de incidência dessa letalidade violenta encontraremos sempre os mesmos lugares: os lugares mais pobres das cidades!

    Mas então por que a tese de Gustavo Gollo só serve a quem ele diz combater.

     

    Ora, quando imagina que as “milícias” estejam restritas a “franquias do crime” ou “escritórios do crime” ele acaba por isolar o problema, embora em seu texto haja uma remissão, é verdade, ao enraizamento do modo de pensar miliciano em outras esferas que não apenas os grupos que ele identifica.

    Os pequenos escritórios do crime, ou franquias são só afiliados menores de um sistema muito mais complexo, hierárquico e mortal de exclusão e segregação de classe, feito e implementado de forma sistemática, que vai desde a aprovação de leis, o funcionamento dos tribunais como um todo, até na necessidade econômica dos negócios relacionados a segurança pública.

    Claro que não estou a dizer que um miliciano recebe a ordem para matar de um ministro do stf, mas quando estes dizem que o acusado por cumprir a pena sem sentença transitado em julgado, relativizando um direito que não pode ser relativizado, ele recebe a “mensagem” clara, ou seja, garantias podem ser interpretadas!

    Lógico que quem emana a “sentença” depende da hora, local e condição do “paciente”. Aos pobres, o tribunal da rua!

    Assim como quando um repórter de TV narra que fulano de tal foi encontrado morto a tiros, e que tinha antecedentes, idem!

     

    A novidade que talvez cause espanto agora é que uma fração dos policiais que agia como miliciando “por devoção”, ou por “crença ideológica”, resolveu agir em proveito financeiro próprio, reivindicando uma fatia maior do bolo.

    E esses agentes continuam lado a lado com seus colegas que atuam em milícias legais, como Aterro Presente, Lapa Presente, seguranças em horários de folga de lojas, empresas de ônibus, etc.

    A chamada “milícia” é só um sintoma da desrregulamentação dos negócios estatais, que surgiu como resposta a outro tipo de empresa altamente atomizada, e cujos verdadeiros donos continuam na “sociedade anônima”, o tráfico de drogas, também um negócio estatal de alta rentabilidade política e econômica.

    Quando gastam bilhões de reais do contribuinte para apreender drogas, com emprego de vidas e recursos materiais, o Estado não está acabando com o crime, ou dando efetividade a seu mandamento legal de proibição, mas apenas adquirindo a preços exorbitantes estas drogas que retira do mercado, funcionando como elemento estabilizador e regulador de demandas locais e da luta entre facções e seus territórios. 

    A milícia carioca é, ou parece ser, infelizmente, uma visão local dos modelos perenes de gestão da segurança pública nas franjas periféricas do capitalismo.

  3. “A dissidência para qual

    “A dissidência para qual todos os holofotes têm sido apontados consiste, exatamente, na primeira milícia, fonte de inspiração de todas as outras e anterior à franquia, a milícia de Rio das Pedras.”

    Então seriam duas organizações diferentes, a milícia de Rio das Pedras e a “franquia”, espécie de confederação das outras milícias.

    Mas,

    “Um dos departamentos da Franquia é o Escritório do Crime”

    Então o “Escritório do Crime” pertence ao organograma da organização maior, a “franquia”, não à “dissidência”.

    Se é de fato assim, então não há relação necessária entre os esquemas do Bolsonaro filho e a “franquia”: as relações demonstráveis, até o momento, são com a milícia de Rio das Pedras, ou seja, a dissidência.

    Mas eu diria que se existe uma relação de verdadeiro antagonismo entre Rio das Pedras e a “franquia”, então não tem como um esquema político da envergadura da famiglia Bolsonaro se sustentar exclusivamente na milícia de Rio das Pedras, que não controla nem recursos materiais nem recursos humanos suficientes para eleger um deputado federal – que dirá um senador e um presidente da República.

    Então a conta não fecha.

    E portanto,

    a) ou a relação entre Rio das Pedras e a “franquia” é muito menos conflituosa do que supõe o autor do texto – e o “Escritório do Crime”, embora controlado pela “franquia”, está aberto à participação, ainda que minoritária, da milícia de Rio das Pedras…

    b) … ou a acusação contra os dois oficiais PM investigados no âmbito da “Operação Intocáveis” é falsa; eles são membros da milícia de Rio das Pedras, e portanto não são membros do “Escritório do Crime”…

    c) … ou então é a vinculação desses dois oficiais com Rio das Pedras que está equivocada: ele são membros do alto escalão do “Escritório do Crime”, então não podem ser parte da milícia de Rio das Pedras.

    Eu tendo a crer que a hipótese mais provável é a primeira. A milícia de Rio das Pedras, embora talvez tenha um grau de autonomia maior do que as demais milícias, é tão parte da “franquia” como todas as outras. O acesso ao poder público, que viabiliza a grilagem de terras e a relação privilegiada com a polícia não é menor em Rio das Pedras que no resto do RJ. E ao contrário das notórias guerras entre as “facções” do tráfico, Comando Vermelho, Terceiro Comando, etc., não se tem notícia de enfrentamentos armados entre milícias, nem mesmo envolvendo Rio das Pedras.

     

     

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