O teatro burlesco da macroeconomia à brasileira, por Luís Nassif

Não entendimento de que realidades socioculturais e econômicas diferentes produzem resultados diferentes é fruto direto da ignorância posuda da macroeconomia

Quando comecei a me aprofundar na economia, muitas décadas atrás, algo me incomodava profundamente. Havia uma corrida dos economistas pela macroeconomia e nenhum interesse por análises setoriais. Como entender a macro sem conhecer a microeconomia, os efeitos das medidas macroeconômicas em cada setor?

Ainda no final dos anos 70, quando o open market foi introduzido no país, lembro-me de uma frase de Carlos Brandão, presidente do Banco Central, explicando as virtudes do novo instrumento:

  • Quando o Banco Central aumenta os juros, o verdureiro do Ceasa percebe que é hora de reduzir os preços.

Esses senhores das planilhas sempre foram incapazes de desenvolver teorias estatísticas sobre problemas concretos brasileiros.

Tome-se o caso da explosão de juros do Real. Ocorreu por que? O fim da inflação trouxe uma multidão de pessoas para o mercado de consumo. Ao mesmo tempo, o uso da âncora cambial reduziu preços de importados provocando uma explosão das importações. Em pouco tempo houve uma redução acelerada do superávit comercial e uma demanda enorme por crédito. Eram empresas aumentando capital de giro, consumidores se endividando para aquisição de bens e a frente externa se tornando vulnerável.

Bastaria um mínimo de conhecimento, de observação empírica, para perceber o fim do curto ciclo de crescimento do pós-real. Se percebesse com tempo que a trajetória da economia bateria em um muro, tratar-se-ia de montar um programa de crédito que facilitasse a volta para o quadro anterior de endividamento. Que nada! Houve uma explosão dos juros, para combater um ataque especulativo à moeda (porque as reservas definharam) e, depois, um longo período de juros altos que promoveu o maior processo de endividamento da história da economia.

Onde estava Edmar Bacha, o sábio que trocou a economia pelo papel de lobista da Casa das Garças? Quais os estudos dos gênios da macroeconomia sobre os efeitos deletérios da desarticulação da economia brasileira na época? Sempre que ocorre um desastre, o máximo que conseguem é citar a destruição criativa de Joseph Schumpeter.

Esse mesmo desastre foi repetido no pacote de Joaquim Levy. A economia vinha em alta velocidade, havia sinais de crise pela frente. Aí decidiu-se, da noite para o dia, um choque tarifário, um choque cambial e um enorme trancamento do crédito.

Os dois choques visavam equilibrar as contas internas na porrada; o trancamento visava evitar a inflação. Com esses ouvidos que a terra há de comer ouvi de um Ministro que, assim que aparecesse o superávit fiscal, as taxas longas de juros cairiam e os investimentos viriam como o maná da criação. Pela frente, tinha-se uma economia terra arrasada, queda na arrecadação fiscal, devido ao desmonte. De onde viriam os investimentos? Vieram transmudados em impeachment.

Qual o estudo produzido pelos gênios da macroeconomia cablocla sobre os efeitos de mudanças bruscas de regime monetário e fiscal em economias alavancadas, ou mesmo no equilíbrio político? Nenhum! Quais os estudos – em inglês ou português – sobre os efeitos positivos do salário mínimo nos gastos de saúde, educação e segurança? Nenhum.

Décadas atrás um economista do IPEA mostrou que mais de 50% das casas com aposentados e pensionistas, eles eram o arrimo da família, com consequências positivas óbvias sobre saúde, educação, segurança. O que o mercado fez foi designar um economistas da Tendência Consultoria para tentar demonstrar que aumento do salário mínimo aumentava a propensão dos jovens à vagabundagem.

Essa macroeconomia de araque, importada e aplicada em uma realidade totalmente diferente do seu país de origem, é um embuste. O não entendimento de que realidades socioculturais e econômicas diferentes produzem resultados diferentes é fruto direto dessa ignorância posuda da macroeconomia brasileira.

Pior, não conseguem sequer se atualizar com as discussões que estão ocorrendo em âmbito global, em papers em inglês, colocando em xeque a financeirização das últimas décadas.

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. Terraplanismo econômico. O que importam são as “crenças” e elas fazerem algum sentido a priori. Fatos para corroborar as teorias? Ora, os fatos… Eles têm raiva de quem os pesquisa; IBGE e IPEA, se não puderem ser aparelhados, deveriam ser extintos para pararem de questionar os textos sagrados dos apóstolos do neoliberalismo.

    (“Crenças” com todas as aspas possíveis, uma vez que, no caso da economia, dificilmente são sinceras. “Acredita-se” naquilo que enche os bolsos, próprios ou do patrão… Como bem mostrou o documentário Inside Job, sobre a crise de 2008, o “mercado” já se infiltrou há tempos na academia)

  2. Há uma famosa partida de xadrez disputada entre Bobby Fischer (então com 13 anos) e Donald Byrne, em que Fischer, em determinado momento, sacrifica a dama (e em seu comentário, Fischer diz que “Byrne não hesitou um só segundo”) e, poucos lances depois, vence a partida. Ora, é inócuo falar em “ignorância posuda”, ou descrever minuciosamente o que os economistas da macroeconomia deixaram passar batido, ou não foram capazes de antever, ao implantar suas medidas e políticas monetárias. É necessário ser um gênio para fazer o que Fischer fez naquele jogo de xadrez em 1956, mas qualquer economistazinho de araque sabe o que fazer para enriquecer capitalistas (e faturar uns cobres por tabela) em detrimento da economia produtiva e, em última análise, do único produtor de valor que já andou em duas pernas sobre a face da terra, o trabalhador. Diante desse mundo maravilhoso em que não é necessário trabalhar para enriquecer (ou se remediar, vá lá que seja, para esses pequenos operadores, os economistas e os comentaristas econômicos) quem é que vai se preocupar com realidades socioculturais e econômicas diferentes? Ou com a miséria e pobreza do trabalhador? Às favas com esses escrúpulos! Quem comanda a movimentação do Capital no mundo emprega aqueles que farão seu capital acumular, concentrar, e engordar, e não um desviado qualquer que queira distribuí-lo igualitariamente entre proprietários e assalariados. Isso não existe. O Estado? Esqueçam o Estado, ele serve a um só senhor, o Capital. Política pública é feita com sobras orçamentárias, como o Bolsa-Família, que nem assim escapa de ser demonizado. É a peleja do 0,45% contra o 45% do orçamento fiscal. Os próceres criadores do Plano Real não ignoravam nenhuma das consequências deletérias da maquiagem financeira que criaram em 1994, muito pelo contrário, sabiam de tudo (como diria a Veja) e agiram para acumular, concentrar, e engordar o Capital de seus patrões, aqui e além de nossas fronteiras. O Capital financeiro – que, em última análise, dispensa, ao menos indiretamente, o único produtor de valor que já andou em duas pernas sobre a face da terra, o trabalhador – domina o mundo, e não emprega, para isso, ignorantes. Paga muito bem por gente que sabe exatamente o que fazer. Não há ignorância, Nassif. O que não há, na verdade, é algo que você preza muito, o Espírito Público. Que, como todos os outros espíritos que tanto amamos cultivar neste mundo, não existe. Existe só o interesse, que é como aquela parte recôndita de nossa anatomia, e o gosto pessoal: cada um tem o seu. Perdoem-me a vulgaridade ao encerrar o comentário, mas é que não aguento mais essa história de ignorância. Somos nós – o povo pobre, trabalhador – que estamos afundados nela, e não os economistas.

  3. A economia braZileira ao fim e ao cabo é dominada por economistas e empresários submedíocres, aliados a agronegociantes grileiros, exportadores e devastadores de riquezas (70% águas), militares políticos, políticos vorazes, empresários exploradores da ignorância e da fé, famílias que dominam a comunicação descompromissadas com sua nação e um povo em boa parte manipulado e desinformado de seus próprios interesses (é só ver o incrível resultado eleitoral nos executivos e legislativos dos mais de 5.500 municípios, estados e país. Tudo sob monitoração e controle externo sempre que necessário. Afinal, como se atribui a Juracy Magalhães, ex militar, político, embaixador em Washington e ministro na ditadura, “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. Como pensa a maioria das prostitutas sobre seus cafetões.

  4. E para piorar a Folha de São Paulo acredita que toda a economia brasileira deve ser colocada a serviço dos milionários vagabundos que querem enriquecer ainda mais com os dividendos pagos aos acionistas pela Petrobrás. O dono do jornal obviamente está entre eles e esqueceu um detalhe importante: o maior acionista da Petrobras é o Brasil.

    O governo brasileiro pode e deve controlar os abusos nos preços dos combustíveis para garantir o crescimento econômico porque isso vai gerar emprego e renda para a maioria da população. Os interesses dos milionários vagabundos já foram satisfeitos durante os desgovernos Temer e Bolsonaro. O governo Lula não tem obrigação nenhuma de fazer o mesmo que aqueles dois golpistas picaretas que empobreceram o país e os brasileiros.

    Quem não quiser ter prejuízo com a Petrobrás pode vender as ações e enfiar o dinheiro em outro lugar.

  5. Nossa miséria intelectual é tanta e de tal forma permanente que, em plena vigência das nefastas resultantes do “Encilhamento”, um intelectual, meu conterrâneo Silvio Romero era preciso em sua crítica, abordando cirurgicamente os problemas, contudo passando completamente ao largo das soluções, já que montado num monte de preconceitos; os mesmos que, no fundo, sempre estiveram e ainda estão por trás do subdesenvolvimento brasileiro.

  6. O Brasil sempre foi um País pensado para poucos. Quando o termo “BELÍNDIA” era usado para definir essa sociedade, em que uma parcela da sociedade podia desfrutar de alguma condição enquanto outra parcela expressamente maior passava sufoco, muito pouco foi feito para trazer para o contexto do País essa parcela excluída. Apesar da referida pose, a macroeconomia brasileira faz pouco caso daqueles que não fazem parte da Bélgica nacional. Com todas as críticas que se possam fazer, a realidade é que foram esses organismos internacionais que (entre aspas) “forçaram” alguma evolução em relação ao restante do Brasil. Algumas informações passaram a conceituar destinos para investimentos e a orientar decisões. Nesse momento em que o País permitiu a parte dessa parcela fora adentrar ao mundo do consumo, perdeu oportunidade de se fortalecer pelos investimentos. Antes, aconteceu a transferência de várias empresas para o capital internacional, com a preferência nos ganhos com rendas vindas dos juros internos. A disputa em relação aos juros está situada entre empresários e não empresários. Um grupo tem negócios no comércio, na indústria, serviços, agropecuária, etc. Outro ganha rendimentos em muitas frentes. O salário mínimo interfere nas contas públicas e essa é a causa de resistência. Em dado momento falou-se na ocorrência dos “nem-nem” , jovens que nem estudavam e nem trabalhavam; possivelmente antes o vocábulo “vagabundo” fez mais sucesso. O desestímulo dos jovens para dadas atividades não é por conta do valor do salário mínimo e sim da falta das perspectivas de crescimento e melhora do País. A macroeconomia parcial pela qual é medido o Brasil, não encaixa. Quando a classe média se situava na Bélgica nacional e ficava bem acima dos demais, acomodava-se de alguma forma as coisas. Havia uma certa reserva de mercado para funções que tinham remuneração considerada boa. Dava uma sensação de status. Hoje uma economia que não cresce e evolui promovendo oportunidades, se desmancha social e civilizatóriamente.

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