Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Cultura do Estupro revela “machismo 2.0”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

A grande mídia escandaliza-se com o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro e clama por um país menos machista e sexista. Mas por anos deu espaço para frotas e gentilis, enquanto sua programação sempre foi patrocinada por anúncios onde a mulher-objeto-fetiche é a isca principal para produtos e serviços. A chamada cultura do estupro deve ser contextualizada no surgimento do “machismo 2.0”: uma nova forma de sexismo cujas bases estão lá na velha ordem patriarcal, mas que agora é repaginado e turbinado pelo complexo sociedade de consumo/indústria publicitária/grande mídia, capazes de criar uma nova cadeia de produção imaginária: voyeurismo-exibicionismo-sadismo. Imaginária, mas com sérias repercussões no mundo real.

O que mais chama a atenção no debate atual sobre a chamada “cultura do estupro”, principalmente com o impacto das notícias sobre o episódio do estupro coletivo ocorrido em uma comunidade no Rio de Janeiro, é que em todas as falas aponta-se unicamente para uma cultura “machista e sexista” arcaica e retrógrada que seria a responsável pelas 50 mil notificações anuais de crimes sexuais no País.

Mas são poucos aqueles que lembram de fatores mais contemporâneos: a sociedade de consumo e a cultura midiática. Aproxima-se a cultura do estupro de uma “cultura da superioridade” resultante de uma educação onde para os meninos é mostrada a sua suposta superioridade natural em relação às meninas. Porém, essa cultura machista é restrita à crítica a uma ordem patriarcal e masculina. Uma reação da cultura machista ao crescente protagonismo feminino na sociedade.

Como sempre, a grande mídia põe à mostra sua natureza esquizofrênica ao repercutir o episódio:

(a) Escandaliza-se, mas por outro lado nos últimos anos deu espaço midiático a frotas, gentilis, felicianos, a chamada bancada da bala, da Bíblia e do Boi no Congresso e toda sorte de personagens mais retrógrados, retirados do fundo da caixa de Pandora para afrontar, desestabilizar e finalmente derrubar o governo Dilma;

(b) Tem sua grade de programação diária patrocinada por filmes publicitários que promovem produtos e serviços onde a mulher é exposta como isca, objeto sexual ou colocada em plots onde é apresentada como naturalmente submissa ao poder físico ou financeiro masculino. O telejornal mostra âncoras e entrevistados indignados para pouco tempo depois mostrar o anúncio do “vai verão, vem verão” de uma conhecida marca de cerveja com uma mulher segurando uma bandeja em trajes sumários.

Produção imaginária

Acredito que é a partir dessa natureza esquizoide da grande mídia que a questão da cultura do estupro deve ser discutida. Mais precisamente, a partir da ordem sociedade de consumo/indústria publicitária/grande mídia. Uma ordem mais poderosa e que se sobrepôs à ordem patriarcal, a origem de todo o machismo, por assim dizer, tradicional que estaria por trás do revoltante episódio do estupro coletivo. 

Esse machismo da velha ordem patriarcal deu lugar a um, digamos, machismo 2.0, dessa vez repaginado e turbinado pela sociedade de consumo e indústria publicitária para ser veiculado pela grande mídia.

Estupro não é uma questão de prazer ou tesão, mas de poder: poder de dominar o corpo do outro (sadismo), para mostrá-lo como uma conquista em vídeos ou fotos em redes sociais (exibicionismo) para o prazer anônimo de onanistas (voyeurismo).

Essa cadeia de produção imaginária é análoga a da promoção do consumo, mudando apenas a ordem dos elementos da cadeia:  pessoas que veem imagens distantes do objeto do desejo nos anúncios (voyeurismo) sonhando possuí-los e ostentá-los (exibicionismo) como moeda social para se impor sobre o outro (sadismo).   

Freud explica?

Esse machismo 2.0 se fundamenta nas mesmas origens da ordem patriarcal, em torno do chamada matriz fálica descrita pela psicanálise freudiana – o primeiro simbolismo introjetado pela criança, o simbolismo universal de poder sobre o qual o papel sexual masculino será estruturado. O Falo como a “premissa universal do pênis”, a louca crença infantil que não existe diferença entre os sexos, todos têm um pênis. Existe apenas um órgão genital, e tal órgão é masculino.

Essa fantasia de origem narcísica primária é diluída com a descoberta do outro: algumas crianças não têm pênis o que para o homem corresponderá à fantasia da “perda do pênis” ou aquilo que Freud descreveu como “complexo de castração”, o ponto frágil da afirmação sexual masculina.

Esta imagem da perda permanecerá para sempre associada ao psiquismo masculino de forma traumática e o medo da castração continuará perseguindo a realização sexual como um fantasma. No adulto, o medo da castração não se manifestará dessa forma tão literal: a castração se manifestará no medo da impotência (seja sexual, financeira ou social). Por isso, o homem estará condenado a ter que provar continuamente que jamais será castrado, será empurrado para situações onde terá de, continuamente, provar a masculinidade e a potência fálica: no desempenho sexual atlético, nos ganhos financeiros, na habilidade em manipular símbolos de status e prestígio, etc.

Esta ansiedade vai marcar negativamente a qualidade das relações com o sexo oposto. A forma de o homem perceber a mulher será prejudicada ao ver nela nada mais do que um campo de provas da potência fálica. A ansiedade da comprovação fálica empurrará o psiquismo masculino a procurar não a mulher, mas mulheres, num sentido genérico e abstrato. O investimento afetivo toma‑se difícil e transitório.

A simples presença da mulher torna‑se uma ameaça à segurança fálica masculina. Ela significa, per si, a cobrança de uma tomada de posição ou a castração em potencial: a possibilidade do fracasso. Por isso ela deve ser dominada, neutralizada. O corpo feminino deve ser reduzido a fragmentos, a objetos, para ser melhor dominado. É o surgimento do fetichismo sexual. O corpo real feminino é neutralizado pelo fascínio por fragmentos: pés, olhos, cabelos, ou acessórios associados a alguma destas partes como sapatos, luvas, etc.  

Machismo 2.0 e a cultura do estupro

O que era fragilidade e ansiedade originada no medo da castração, com o complexo sociedade de consumo/publicidade/mídia tudo isso é amplificado com o pânico da castração.  

A presença constante da mulher como objeto promotor de mercadorias de luxo ou de marcas corresponde ao desafio da potência masculina: “quer uma mulher como essa? Pois então compre um carro como esse. Prove que jamais será castrado!”. Para Freud a ansiedade da castração jamais é resolvida no psiquismo masculino, tornando-se uma inesgotável ferramenta de promoção de consumo de bens com alto valor agregado.

A cada anúncio de cerveja com mulheres que servem aos homens com uma bandeja, a cada filme com uma mulher fascinada olhando para um carro dirigido por um homem vitorioso e a cada feira ou exposição com atraentes modelos se oferecendo como isca ou miragem, a mulher torna-se na atualidade num suporte/meio/condutor da promessa de realização da potencia fálica.

Se na antiga ordem patriarcal, a mulher sempre foi uma ameaça que tinha de ser neutralizada como um objeto (seja como dona de casa sem direitos, seja como prostituta reduzida à condição de objeto-fetiche), hoje com a ordem globalizada de consumo a mulher foi promovida a uma moeda genérica de troca.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. URGENTE

    http://www.marceloauler.com.br/enfim-a-contadora-e-informante-infiltrada-da-lava-jato-foi-ouvida-oficialmente/

    Pessoal, vamos acessar o link acima, começar a se informar sobre as ilegalidades dessa operação, e defender o blogueiro que faz um trabalho corajoso e brilhante, e que agora é vitimado por um massacre patrocinado pelos delegados aecistas do Paraná, e por setores do judiciário reacionário do estado mais corrupto do Brasil.

    Vamos em busca da verdade, juntos.

  2. Culpa do ser humano

    Não acredito na existencia de algo como “cultura de estupro”, pois se vamos reduzir todos os males de uma sociedade a algo que a midia divulga, isto seria errado,pois estariamos tirando a culpa do homem, e tirando a resposabilidade das pessoas por suas ações e dando a midia e ao marketing uma importancia muito maior do que ela tem nas ações dos individuos..

    Temos este tipo de acontecimento com os evangelicos, quando vemos propagandas, novelas e series que mostram cenas gays e lesbicas, ha quase um frenesi neste meio, pois eles lutam contra a “cultura gay”, e “cultura da droga” alguem lembra, novela e filme não pode ter gente usando pois os pois as pessoas vão querer usar, e por ai vai podemos citar varios tipos de culturas para tentar explicar o comportamente da sociedade.

    E acho isto totalmente errado, pois reduz o homem ao que, um ser sem pensamento proprio e sem vontade, facilmente influenciado por midias e pessoas.

    O culpado pelas ações dos homens, são os proprios homens, não acredito que midias eroticas e idiotas bombados como Alexandre Frota, possam ser usados como desculpas para o comportamento das pessoas em sociedade, então o ser humano é responsavel por suas ações, responder por elas em caso de cometimento de um crime.

  3. Essa obsessão por Freud seria

    Essa obsessão por Freud seria engraçada se não fosse trágica. Criticar o machismo através da psicanálise é como criticar a direita com Olavo de Carvalho.

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