Quem atirou em Rodrigo?

 

Um jovem brasileiro de 18 anos que exercitava o seu dever cívico de fazer política foi baleado, levou dois tiros, com balas de verdade, disparados – ao que tudo indica e há muito que indique – por policiais.  Este crime deveria ser a capa de todos os jornais brasileiros, seria a capa de qualquer jornal americano, francês, alemão, inglês, se a polícia nativa disparasse tiros com balas de verdade contra manifestantes em defesa da educação, de melhores salários para os professores públicos.

 

No castelo da antiquíssima imprensa brasileira, as balas, que podiam ter matado um jovem manifestante, vieram em letras miúdas, nas páginas internas, a manchete é o “quebra-quebra”, o “vandalismo”. Na matéria da televisão, o comentarista conclui, no dia em que um jovem levou dois tiros, que “um novo patamar” foi atingido nas manifestações: queimou-se um carro da polícia.

 

Quem atirou em Rodrigo? Já foi identificado? Será punido?

 

Publicado em 28.09.13 em:

http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/quem-atirou-em-rodrigo

 

Atualizado em 7.11.13

 

O jornalismo existirá enquanto houver jornalistas. Janio de Freitas, na Folha de hoje, volta ao assunto.

 

 

07/11/2013 – 03h30

 

Janio de Freitas

 

Em meio ao tumulto

 

Os momentos mais graves das violências que se seguiram às passeatas estão sob uma nebulosidade espessa. Ou assim se encobre o que a Polícia Civil e a PM já sabem a respeito, ou se encobre a falta de ação das duas polícias para saber, a respeito, o legalmente indispensável.

 

Desde junho, todos os tumultos que se seguiram às passeatas incluíram ferros, pedras, paus e fogo, mas tiros só apareceram no dia 15 de outubro. Na Cinelândia carioca.

 

Às 8h30 da noite, um rapaz teve os dois braços atingidos por dois ou pelo mesmo tiro, não chegou a perceber. Rodrigo Lacerda, estudante de 18 anos, estava com um amigo em um grupo que, no extremo do tumulto já bastante violento, apedrejava um ônibus da PM aparentemente vazio. Socorristas voluntários lhe deram o primeiro atendimento e mais tarde foi levado para uma clínica particular, onde passou pela primeira cirurgia. Já precisou de outras duas.

 

Não foi identificado pelo rapaz, nem pelos circunstantes próximos, o lugar de origem dos tiros. Outros tiros deram oportunidade a um registro também posto sob a nebulosidade. Em suas imagens do tumulto, a Globo e a GloboNews exibiram a ação de dois homens que se revezavam no disparo de pistolas, e recuavam, escondendo-se, depois do tiro. Estavam junto às paredes de uma esquina.

 

As imagens foram exibidas quase como um flash, com locução apenas descritiva do já evidente. Nenhuma referência à localização, conhecida, é claro, por quem testemunhou e gravou os atiradores.

 

A entrada de Rodrigo na clínica foi seguida, com poucas horas de intervalo, de três levas de PMs, ao menos duas delas de oficiais do chamado serviço reservado. Não seria por acaso. Como não foi outra presença policial, na manhã seguinte: a do delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP, na Gávea. Ou seja, não o delegado da área onde se deu o crime, como seria normal, mas o da região da clínica onde Rodrigo estava.

 

É típico do jornalismo brasileiro o desacompanhamento de fatos que ainda se desenrolam, ou mal começaram. Seja por tal tipicidade antijornalística ou por outra influência, os tiros na Cinelândia e o ocorrido a Rodrigo Lacerda ficaram só na notícia inicial, dada mínima e precariamente. A cena dos atiradores não suscitou outra exibição, com os merecidos questionamentos. O delegado Orlando Zaccone, que antes fizera o desmentido da morte do pobre Amarildo por bandidos, foi transferido há pouco da prestigiosa Gávea para o distante subúrbio de Ricardo de Albuquerque, sem dar sequer sinal público de alguma providência sobre o caso que o levou a procurar Rodrigo.

 

Um incidente banal na Cinelândia, portanto. Mas tiros que acertam braços são tiros dirigidos ao tronco. Tentativa de homicídio. Mais um qualquer, outra bala a esmo?

 

Tentaram fazer uma morte em meio à movimentação popular. E isso não foi à toa e é muito grave. Não é incidente para se perder no silêncio e no esquecimento.

 

Janio de Freitas, na Folha.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2013/11/1367936-em-meio-ao-tumulto.shtml

 

 

Redação

3 Comentários

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  1. Me lembrei do caso ocorrido na Venezuela

    Vi o vídeo em que os franco atiradores estão em ação, o que me fez lembrar o caso ocorrido na Venezuela. Não estou comparando a situação aqui com a de lá, só estou dizendo que ação, o gestual, o fato de esconder-se e atirar a esmo foi muito parecido, vejam no minuto 0:31

    Nada a ver com o post mas achei isso interessante: Veja no minuto 0:43  os donos dos meios de comunicação da Venezuela, reunidos, confessam em tom de deboche:  Nós derrubamos o presidente Chavez

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=FppdfwqmImE%5D

    1. Tiros contra a democracia

      Tentaram fazer uma morte em meio à movimentação popular. E isso não foi à toa e é muito grave. Não é incidente para se perder no silêncio e no esquecimento.

      O CASO BRASILEIRO – Este é o vídeo onde podemos ver os atiradores em ação, no RJ.  Como ocorreu na Venezuela, o alvo dos atiradores não era Rodrigo e sim a multidão. Meus botões me dizem que quem atira contra uma manifestação pacífica está atirando contra a democracia, daí a gravidade do ato. Vamos a dois exemplos, embora em situações distingas.  Assista ao vídeo abaixo e em seguida, assista ao video do caso venezuelano, compare e veja a semelhança, note que adotaram a mesma tática, o mesmo gestual, tomaram as mesmas posições..,,,,

      [video:http://www.youtube.com/watch?v=ddjxz84arZU%5D

       

      O CASO VENEZUELANO – No vídeo abaixo os franco atiradores em ação na Venezuela. Não estou comparando a situação aqui com a de lá, só estou dizendo que ação, o gestual, o fato de esconder-se e atirar a esmo foi muito parecido, vejam no minuto 0:31

      Nada a ver com o post mas achei isso interessante: Veja no minuto 0:43  os donos dos meios de comunicação da Venezuela, reunidos, confessam em tom de deboche:  Nós derrubamos o presidente Chavez

      [video:http://www.youtube.com/watch?v=FppdfwqmImE%5D   Foi assim no Paraguai, foi assim na Venezuela…Poderá ser assim no Brasil caso estes atiradores não sejam devidamente punidos por este crime monstruoso, a intenção dos atiradores não foi atingir alguém em específico mas a democracia.

  2. Tem hora que dá

    Tem hora que dá desânimo.

    Vulgariza-se o essencial.

    A banalização da violência e truculência do Estado, em nome de uma “ordem” que não é demandada pela sociedade, real detentora do poder, é uma rotina. Não é um tenentinho qualquer que, a mando de um “patente superior” qualquer, deverá nos dizer o que devemos, ou não fazer. Muito menos praticar atos de violência acobertadas e inpune.

    Essa questão da desmilitarização da PM e o estabelecimento de limites precisa ser visto como causa prioritária.

    Quem disse para os ‘pm”que a farda lhes dá poder arbitrários, ilegais e inconstitucionais? Se for um “patente superior”, deve ser “chamado às falas”, tipo fez o Gilmar Dantas, quando “enquadrou o Lula.

    E nós, cidadãos objetos do dos direitos e prorrogativas legais, ficamos a mercê dos “autoridade”, despreparados, que agem “por que quis”.

    Tá na hora de parar com isso. 

     

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