A desoneração da folha e a questão do emprego e da lucratividade

Sugerido por rkodama

Esta matéria do Valor Econômico de hoje é assinada por um membro da Gávea Investimentos, cujo um dos principais acionista é Armírio Fraga, o queridinho do Aécio Neves e cotado para ser seu Ministro da Fazenda, se eleito. Tentando atirar na política de desoneração da folha, usa um exemplo muito infeliz. Não sou ludista, mas acho que o desemprego crônico advém desta ânsia neoliberalista de automatizar com eficiência a todo custo, dispensando pessoas, o que em países em desenvolvimento tem efeitos sociais mais perversos. Pelo jeito restaria aos desempregados apenas o Bolsa Família, isso se também não for extinto!

“Para ilustrar o argumento, imaginemos dois cursos de informática, com o mesmo faturamento e o mesmo lucro, em que um emprega apenas professores para ensinar e o outro emprega menos professores e usa intensivamente softwares de demonstração. Vem a mudança na base de incidência, e o primeiro curso passa a ser mais lucrativo que o segundo. Suponhamos que a tecnologia usada pelo segundo curso é melhor para os alunos e que, com o tempo ela aumentaria sua parcela de mercado. Com a mudança da incidência de imposto, essa tendência vai ser mais lenta, ou até abortada, para prejuízo dos estudantes.”

Fica a questão: é melhor o empresário lucrar mais empregando mais ou menos pessoas?

Do Valor

A trapalhada da desoneração da folha

Por Edward Amadeo 

Desde 2011, o governo vem aumentando o número de setores em que, no lugar dos 20% da contribuição sobre a folha para o INSS, as empresas pagam o equivalente a 1% e 2% de seu faturamento. O novo sistema reduz os custos das empresas contempladas e o Tesouro cobre a diferença. Esse ano o governo estima que a renúncia fiscal seja de R$ 21,6 bilhões, que será rateada entre todos os contribuintes da Receita Federal e beneficiários dos demais programas do governo.

Em todo o mundo, a contribuição para a seguridade social incide sobre a folha de pagamentos. O vínculo entre a renda do trabalho e as aposentadorias advém do fato dessas serem calculadas com base nos salários ao longo da vida e na expectativa de vida. A população brasileira está envelhecendo e a expectativa de vida aumentando. O lógico é que a idade de aposentadoria e a alíquota da contribuição sobre os salários aumentem para mitigar a expansão do déficit do INSS.

Ao transferir o financiamento da seguridade para o faturamento, tornou-se mais difícil justificar um aumento da idade de aposentadoria ou da alíquota daqui para frente. Sendo a previdência apenas mais um item do Orçamento da União, as suas demandas entrarão em conflito com outras rubricas como gastos com crianças e jovens e saúde, por exemplo. É muito mais fácil – técnica e politicamente -proteger os demais gastos se houver um claro vínculo entre folha salarial e gastos da previdência.

Nesse sentido, a desoneração significa um retrocesso nas instituições fiscais ao se tornar menos nítida a separação entre a Seguridade Social e o Orçamento da União.

Ao desonerar a folha, o governo teve por objetivo reduzir o custo do trabalho e aumentar a competitividade das empresas e o emprego. Na realidade, a redução do custo trabalhista resulta da renúncia fiscal. De fato, uma pesquisa realizada pela CNI mostra que 87% das empresas contempladas disseram que houve efetiva redução de contribuição.

Para reduzir o custo do trabalho bastava reduzir a alíquota de contribuição sobre a folha. A mudança da base de incidência era inteiramente dispensável. Porém, a mudança da base tem efeitos colaterais que são mudar os incentivos das empresas na escolha de tecnologias e setores. Não sei se os formuladores do governo chegaram a refletir sobre eles.

Quando se muda da folha para o faturamento a base de incidência, não só a renda do trabalho, mas os demais serviços empregados pela empresa passam a arcar com o financiamento da seguridade social. A “desoneração” equivale a tornar a contratação de trabalhadores relativamente mais barata que outros serviços, como aqueles de um equipamento. Evidentemente, ao alterar os preços relativos entre trabalho e capital, a medida produz um incentivo para as empresas reduzirem a razão entre equipamentos e trabalhadores, o que reduz a produtividade do trabalho.

Programa distorce os incentivos das empresas em relação às tecnologias e aos setores onde investir

Nesse sentido, a alteração na base tem o efeito inverso do que se recomendaria em um país cuja taxa de desemprego está baixa e as restrições ao crescimento da renda são a falta de investimentos e baixa produtividade do trabalho. Além disso, o efeito da medida sobre a competitividade pode ser negativo se a produtividade cair mais que a folha.

Para ilustrar o argumento, imaginemos dois cursos de informática, com o mesmo faturamento e o mesmo lucro, em que um emprega apenas professores para ensinar e o outro emprega menos professores e usa intensivamente softwares de demonstração. Vem a mudança na base de incidência, e o primeiro curso passa a ser mais lucrativo que o segundo. Suponhamos que a tecnologia usada pelo segundo curso é melhor para os alunos e que, com o tempo ela aumentaria sua parcela de mercado. Com a mudança da incidência de imposto, essa tendência vai ser mais lenta, ou até abortada, para prejuízo dos estudantes.

A lei não se aplica a todos os setores. Suponhamos, a título de exemplo, que a lei altere a incidência da contribuição para o setor de transportes rodoviários, mas não para serviços hospitalares. Devido à renúncia, os incentivos para investir em transportes passam a ser maiores que em hospitais. Mas o que acontece se, dadas as carências da população, o melhor é que haja mais investimentos em saúde do que em transportes?

A conclusão é que a desoneração distorce os incentivos das empresas em relação às tecnologias e aos setores onde investir, diminuindo a importância de outras políticas públicas, das vantagens competitivas acumuladas pelas empresas ao longo dos anos e das preferências individuais e sociais.

O governo anunciou que mais setores serão incluídos no programa. Sabe-se lá aonde chegará a renúncia fiscal quando todos os setores forem contemplados. À medida que mais setores sejam incluídos, teremos mais uma fonte de déficits fiscais já que as renúncias são agora permanentes.

É evidente que, por ser discricionário na escolha dos setores, o programa incita as empresas a brigar junto ao governo para serem contempladas. Com isso, os políticos contam com mais um canal para criar dificuldades para vender facilidades.

É impossível ver alguma vantagem no programa de desoneração da folha. Ao contrário, há vários aspectos negativos como o incentivo ao emprego quando o mercado de trabalho está apertado, o desincentivo ao investimento e ao aumento da produtividade, quando esses são os dois limitadores do crescimento econômico. Fora efeitos totalmente relevados pelas autoridades, e que estão na base do desenvolvimento das economias, quais seja a escolha das empresas entre tecnologias e setores onde investir.

Enfim, o programa não foi bem desenhado e deve produzir enormes perdas para o desenvolvimento do país.

Edward Amadeo, Ph.D em economia pela Universidade de Harvard, é economista da Gávea Investimentos

Redação

4 Comentários

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  1. Outra hipótese para o artigo

    Vamos pegar as premissas do artigo e rearranjar. Suponhamos que o mercado de trabalho esteja pressionado. Assim, para expandir capacidade, o empresário tem duas alternativas: pagar mais caro por mais mão de obra escassa, ou investir em tecnologia para aumentar a produtividade. Ora, se a desoneração libera margem para o empreendedor, isto não pode ser usado para justamente o investimento em tecnologia, reduzindo as pressões sobre o mercado de trabalho?

    No mais, a única coisa realmente plausível no artigo é a questão da confusão de alocação dos impostos e custos de seguridade social no caixa do governo. Faz sentido.

  2. Infelizmente essa desoneração

    Infelizmente essa desoneração foi mais um erro do Governo Dilma. Não foi feito o calculo das perdas para o inss, o que só faz aumentar o déficit real ou não.

  3. Estes economistas…

    Logo suspeitei das baboseiras acima.

    Só podia ser economista mesmo.

    Art 195 A seguridade social será FINANCIADA por TODA a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da UNIÃO, dos ESTADOS, do DISTRITO FEDERALe dos MUNICÍPIOS, e das seguintes contribuições:

    Empregador(…)

    Folha de saláros (…)

    Receita ou faturamento

    Lucro

    (…)

    A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade .

    Lei COMPLEMENTAR, com aprovação, portanto, dos partidos da situação e da oposição.

    Retira de um lugar e cobra de outro lugar a fim de GARANTIR um DIREITO FUNDAMENTAL petrificado de segunda dimensão, caro economista desorientado. Ou vá me dizer que isso daí não está no “modelo econômico”?

    Portanto, só  não sabe onde pode chegar a desoneração quem não sabe do que fala.

    De qualquer forma, vale ressaltar que isso aqui, essa terrinha aqui,  não é mais LABORATÓRIO( casa da mãe joana)  para teses mirabolantes de economistas em busca de atratividade, dado um custo de oportunidade.

    Se um bando de empreendedores   quebrar , e vai aqui meus votos para  que quebrem mesmo  o quanto antes( conforme ensinamentos da escola  psicológica econômica, isto é, a escola que estuda a doença mental de economistas) “o mercado” se encarregará de atrair um  novo bando de empreendedores, racionais, atemporais, egoístas e utilitaristas , uma espécie de vikings do século XXI,   movidos pela  mão boba visível e invisível em busca de dinheiro e prazer. Neste caso é manter a regulamentação adequada para administrar a seguridade social. O resto fica sob a responsabilidade de cada indivíduo, de acordo com o PACTO.

    O que não vai quebrar certamente é a seguridade social ainda que  haja a torcida cotidiana dos vikings.

     

     

  4. Então o autor, Ph.D por

    Então o autor, Ph.D por Harvard, acha que incentivar o emprego é um aspecto negativo?? Por eliminação lógica podemos inferir que, para ele, incentivar o desemprego seria um aspecto positivo. 

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