A marcha e as panelas da Casa Grande, por Rita Freire

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Por Rita Freire

Do Ciranda

O desrespeito à história de luta por democracia e superação das desigualdades tem sido a marca dos protestos da direita brasileira. E o machismo se esmera para demonstrar seu deboche pela presença de uma mulher no poder. Os pintos caem mas a natureza dos estupradores permanece em alta.

Pelada ou de verde-amarelo, a elite reacionária está desfilando em redes e ruas, pedindo atraso com um “q” de nostalgia. No fim, essas passeatas estão deixando bem claro o que empurra o país para baixo. Interessante é o gostinho que parcela da classe média experimenta de atender a convocatória das redes, por sua vez ocupada pelo discurso da grande mídia, e sair à campo para disputar as ruas.

Do ponto de vista midiático, a horda já sai do estacionamento para o asfalto com muitos pontos a favor em relação aos que usam as ruas para reivindicar direitos. As cem mil margaridas do campo que floriram Brasília na semana passada não valem para a mídia privada a imagem de uma dondoca lamentando que Dilma esteja viva.

O efeito facebook no Brasil traz maior alegria aos que gozam de conexão rápida, do notebook ao smartphone, e se arrogam a ilusão de falar em nome do povo ( e a banda larga, cadê?). Esse direito de expressão democratizado está longe das sinalizações do governo e do Congresso. Se a internet chegar à favela, será dentro dos cercadinhos do sr. Mark Zuckerberg, em projetos do tipo internet.org. E ele sabe usar. Até outro dia, era regra do facebook não permitir mudanças no título de um evento que já tivesse mais de 500 seguidores. De hora para outra a regra mudou. E um chamado contra Aécio Neves, com milhares de adesões, foi transformado em evento contra o PT, com pencas de mineiros que odeiam o ex-governador engrossando o caldo involuntariamente. Distraído nesses casos, parece que o facebook afrouxa as regras.

Tirando os truques e a generosidade da mídia com as panelas, que em 6 de agosto bateram sem alma, nem beleza, nem a sinceridade do lamento, nem um pouco da rebeldia das latas e tambores do Brasil, há algo a notar. Em cenas de envergonhar descendentes por várias gerações, os canarinhos da direita estão aos poucos se isolando em si mesmos, deixando por rastro um espetáculo de horror.

Os manifestantes deste domingo escancararam que não dão a mínima para a criminalidade ou a corrupção que faz grande parte da esquerda se envergonhar diante dos dedos em riste dos juizes e da premiação espetacular aos delatores. A dignidade da denúncia sucumbiu diante da nova autoridade midiática conferida aos alcaguetes. Entre a necessidade da autocrítica e da resistência aos ataques, a esquerda e simpatizantes, até outro dia, do ciclo petista, agora se paralisam. Não há defesa cega que permita incluir a corrupção como parte da regra do jogo. E não há como encher as panelas dos que acreditam em soluções higienistas.

A esquerda deveria barrar o repasse da conta da crise econômica aos trabalhadores e levantar-se contra os ajustes. . Mas quem quer saber do que de fato está em jogo? Onde é possível o debate aberto e comprometido sobre o futuro do País?

Aliados do governo que se perguntam onde estão as bases organizadas e mobilizadas que alçaram o PT ao terreno da disputa pelo poder,quase também não encontram pistas, desde que o próprio PT desvencilhou-se o mais que pode destas bases para completar o percurso até o Planalto. Em algum lugar do caminho, a tentação da trilha mais curta minimizou o preço das concessões ao carrasco, que agora apresenta fatura alta. Há um grande debate a ser feito. Mas o caso dos manifestantes batedores de panelas é outro.

Não há decência no discurso das ruas de domingo. Manifestantes assumem sem pudor que são ” todos Cunha”, o ícone da corrupção instalada no Congresso, e que matariam, se pudessem, os que resistiram à tortura. Ignoram as chacinas, aplaudem linchadores, desdenham da população negra que clama contra a matança de sua juventude. Querem mandar os jovens mais cedo para as cadeias, e lavar as mãos quanto ao seu futuro. Não há civilidade em querer caçar o direito do voto das famílias beneficiárias dos programas sociais ou em reivindicar a sonegação como direito. Não há seriedade em manter o financiamento empresarial das campanhas, que mantem o poder público sob o jugo dos interesse privados.

O que de fato anima os manifestantes e faz bocas salivarem é a perspectiva de um golpe que restitua seu papel de elite abraçada ao poder. A história da resistência aos demandos da ditadura de fato não interessa. Jovens enfileirados e em pose de servidão facista metem novo 7X0 na autoestima do povo brasileiro, que precisou lutar muito mais por democracia, do que pelos títulos da seleção.

Bundas expostas revelaram machos decadentes que não concebem a idéia de uma mulher no poder, sem achar que é seu papel baixar as calças em cerco coletivo. Os pintos caem mas a natureza dos estupradores permanece em alta.

À luz do dia, e no foco narcisista dos selfies, não é tão ruim que o diabo se mostre em toda sua mesquinharia. Só assim dá pra assistir a lenta e encabulada deserção dos desavisados e mandar o recalque de volta para o seu destino: a força que empurra as paredes das senzalas no Brasil, é a que vai abater, sem dó, essa arrogância vexatória da Casa Grande.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Se o PT fosse inteligente e

    Se o PT fosse inteligente e tivesse alguém com um mínimo de competência na comunicação, poderia se defender divulgando para toda a população do país as”propostas” escancaradas pelos cartazes fascistas espalhados pelo brasil afora e perguntar diretamente à população: é isto que vocês querem? é esta a saída?

    Acho que estão tendo tolerância demais com este bando de imbecis Kataguris, cheques em fundos e  outros.

    Penso que insuflar a população contra a democracia é crime e estes babacas devriam estar atrás das grades. E com eles o do pó, o dos R$ 300 mil e o da chuva de dinheiro.

  2. Assino daqui de Minas esse texto também.

    Fiz questão de assistir nada do que estou vendo e lendo ontem e hoje, nos sites progressistas, porque sabia que seria mais do mesmo.

    A TV ficou desligada.

    Li, escrevi, acompanhei durante por 5 horas o Sarau da Democracia e fiz outras coisinhas também.

    Mas o que leio e vejo agora são cenas deploráveis de peitos e bundas , por sinal horrorosos, em forma e conteúdo; jovens velhos, mas velhos e dessintonizados com os tempos de tecnologia, porque muito burros, usam-na para o que se vê no facebook monopolizador, twitter para analfabetos, em geral, instagram para poses e selfies apenas.

    Quanta burrice, quanta toupeirice, e pensar que tem gente gastando dinheiro com eles em escolas particulares e usando nossos impostos para favorecê-los com escolas públicas.

    Aquela coereografia do impítim me lembrou algo como oas pantomimas dos bobos da corte de séculos atrás.

    Um torpor na reprise, o que se dirá do ao vivo.

  3. “As Sociedades Protetoras dos

    “As Sociedades Protetoras dos Animais de todo o Brasil, em NOTA CONJUNTA, alertam que não tem estrutura nem amparo legal para acolher todos os que foram abandonados – principalmente no decorrer das manifestações do último dia 16, por terem citado a VEJA e as ORGANIÇÕES GLOBO como fontes de informação. Embora reconheçam haver nesses casos, aparentemente, todas as características de ABANDONO DE INCAPAZ a NOTA esclarece que tal alegação não encontra abrigo à luz da ordem jurídica vigente. Outrossim (outrossim é ótimo, não é mesmo?) aconselham aos que se encontrem nessa condição que procurem as JUNTAS COMERCIAIS e os CARTÓRIOS para registrarem seus pedidos de FALÊNCIA INTELECTUAL para resguardarem, embora com chances residuais de êxito, possíveis condenações, reparos e indenizações a serem impostas às citadas FONTES. . Na certeza de poder contar com a compreensão de todos, se colocam à disposição para maiores esclarecimentos SEGUEM MAIS DE MIL ASSINATURAS.”

  4. Um artigo épico, parabéns!

    Tenho fé que a parte amorosa de nossa sociedade sairá triunfante.

    Estamos diante do seguir em frente ou retroceder.

    Do amor x odio.

    Da mentira x verdade,

    Dos amantes da justiça, liberdade de pensamento, da democracia x ditadura,

    Da coragem x covardia.

    São nestas horas que descobrimos quem nós somos, de que lado nós estamos.

    Os amantes da liberdade democrática tem muito a oferecer.  Este ártigo é uma épica contribuição para o momento, parabéns.

    Do fundo da alma, da forma mais intensa, é hora de gritar: D E M O C R A C I A. Que Deus nos ajude a colocar a verdade, a justiça acima da mentira.

     

  5. Txto tosco e confuso, ao

    Txto tosco e confuso, ao nivel de cartilha da velha UNE. Não existe essa ideologia nem tem a Casa Grande nas manifestações, mesmo porque a verdadeira Casa Grande é aliada do PT (Bradesco & Cia.).

    Quem monta o pano de fundo desse tipo de acontecimento é o cotidiano das pessoas, suas dificuldades, medos e perspectivas de futuro. Gente feliz e satisfeita vai para a praia e para o clube, não vai para o asfalto.

    350 mil pessoas na Paulusta não são da Casa Grande, que aquela hora estava em Angra ou nos clubes de golfe.

    Charles De Gaulle renunciou à Presidencia da 5ª Republica sob o peso de manifestações e ele era a quintessencia da

    direita, quem o derrubou foi a insatisfação do povo, não nenhuma ideologia.

    Essa leitura ideologica é forçada e irreal, o mesmo povo aplaudia o PT quando tinha emprego e carro zero.

    É a vida que cria o desejo de protestar não é nenhuma ideologia que o povo nem quer saber o que é.

    1. O Brasil não é a França de De

      O Brasil não é a França de De Gaulle. Nem estamos nas mesmas condições históricas. Na realidade De Gaulle renunciou. Mas por uma questão política (já que perdera um referendum sobre alterações do Senado). Era direita contra direita. Nem mesmo as manifestações de estudantes e trabalhadores um pouco antes foram capazes de movê-lo. Talvez enfraquecê-lo.

      Neste ponto as semelhanças só servem para reforçar o argumento, mas não para infirmá-lo.

      O Brasil é uma democracia. Queiram ou não o PT está no poder pelo voto soberano de mais da metade dos eleitores. A alteração destas regras só poderia acontecer pela alteração da própria Constituição, ou a Presidente só poderia ser apeada do poder pelo instituto do impeachment. Não há, ainda, condições para nenhuma das duas.

      O autor – sim, com um viés bem à esquerda -, retrata o espírito que move grande parte dos que foram às ruas neste domingo. Faz sentido protestar contra a corrupção. Até mesmo protestar contra uma Presidente ou um partido. Agora, derrubá-la, aí é outra história.

      Antes tínhamos a TFP e suas jaquetas cinzas. Agora bastam camisas e “shorts” verde e amerelos, e, sem nenhuma vergonha, até algumas com o dístico da CBF. Obviamente 750 mil é muita gente, mas é muito menos do que 54 milhões que deram um novo mandato a Dilma. Efetivamente o jogo fica desequilibrado com a exponencial cobertura da mídia. Mas o que está a valer, hoje, ainda, é o prejuízo econômico que isto trará para as grandes corporações. Isto poderá ser anulado se a Presidente insistir no erro político de governar isoladamente, olhando para o próprio umbigo.

      Deste imbróglio todo resta uma país perplexo, cuja luta pelo poder encontra um ator que deveria estar exercendo a sua parcela mas encolheu-se pela sua doutrina de conciliação e conivência e a ponto de se deixar escrachar por uma polícia que está sob suas barbas; um juiz que, sozinho, foi capaz de diminuir o pib do país em 1%; e um parlamentar que foi capaz de se alçar Presidente de uma Casa representando o baixo clero e seus interesses comezinhos.

      Por outro lado temos uma oposição perdida, dividida e incompetente, sem projeto de país, com o único objetivo de voltar ao poder, ainda que o preço a se pagar seja o vilipêndio do regime democrático e a derrocada econômica de toda uma nação. Esses são ainda piores!

      Os que foram às ruas podem até não ser da Casa Grande (talvez uma minoria), mas que têm o espírito da dita cuja, ah! com certeza eles têm!

       

    2. Não houve aplauso para o PT.

      Não houve aplauso para o PT. Tinha emprego porque era competente, era esforçado e tinha carro porque os bancos eram bonzinhos e financiavam. Agora que perderam o emprego e os carros estão sendo recolhidos por falta de pagamento a culpa é do PT. Só que essa crise foi ‘inventada’`quando todos tinham emprego, carro, etc.

      Eu, pessoalemnte, estou achando otimo. Está tudo voltando ao normal. Não há filas nos bancos. Os vendedores estão educados por terem medo de perder o emprego. Já se consegue pedreiro, eletricista disponiveis e com preço razoavel. O engarramento diminuiu. Os aeroportos estão com volume de gente civilizado. Os vôos internacionais já estão civilizados e nao tem mais aqueles que viajavam pela primeira (e unica?) vez e passavam a ideia de que já estavam enfadados, cansados de tanto viajar para o exterior. Os clientes de planos medicos e mesmo os medicos particulares já têm horario para consulta. Não precisamos esperar 30, 60 dias para conseguir uma consulta. Há filas de desempregados para conseguir emoprego. Mas isso era comum nos tempos do FHC e todos achavam otimo. Afinal, os dias na fila eram dias de alegria e confraterzinacao.

      Então, só temos a agradecer pelo tamanho do Brasil Está otimo.

      Que tudo volte ao normal!

    3. André, você não é tolinho e

      André, você não é tolinho e sabe perfeitamente que a chamada Casa Grande prefere as contas personalité do Itaú. O Bradesco é um banco privado mais voltado para o varejo, tanto é que opera o Banco Postal junto com o Banco do Brasil. Isso, obviamente não tem charme…

      O que chamamos de Casa Grande não é um conjunto que só inclua os descendentes dos antigos proprietários de escravos, mas também a parte da burguesia que quer manter os salários de seus empregados domésticos aviltados, que se recusa a sentar ao lado de negros, ou mal vestidos no avião, que acha um acinte se encontrar com seus empregados onde ele(a) passa férias, etc. Pior que tudo: disputar as vagas, naqueles empregos de qualidade, com seu filho que está vagabundando à beça ao invés de estudar.

      Será que você fez vista grossa às idiotices pronunciadas por vários manifestantes? Você que é uma pessoa culta não analisou o fato que a burguesia brasileira pode até estar mais rica, mas parece não ter mais cérebro. Quanta incoerência, pensamentos desordenados , slogans e mais slogans (se isso não é ideologia rasteira, minha avó é uma bicicleta…). Quanta falta de escola entre aqueles que tiveram todas as oportunidades de educação decente. Graduaram-se em escolas particulares de fancaria (porque demanda menos esforço) e saem arrotando slogans publicitários, como alguém falando de um carro novo. Num dos nossos concorrentes comerciais mais próximo, a China, a liderança é exercida por PhDs. Veja o segmento de Brasil que está ganhando medalhas e mais medalhas de ouro em olimpíadas de Física, Matemática, etc: jovens estudantes do que era o pobre nordeste. Taí o novo emergindo! É isso que queremos para nosso país!!!

      Caro André, sei que seus interesses estão claramente em um outro barco: você quer viver num país calmo, razoavelmente rico e harmoniosamente conectado aos interesses do grande capital internacional. Eu e muitos outros queremos viver numa grande e poderosa nação e esta são as nossas diferenças!

    4. De Gaule renunciou sob peso

      De Gaule renunciou sob peso de manifestaçõers?…. sabe nada o amigo….

      De Gaule renunciou em 1969 depois que perdeu o referendo sobre sobre a reforma do senado e não por causa de manifestações de rua…  sofreu dois ou tres atentados sem se abalar no comando da França e em 1968 voltou triunfante da Alemanha, onde estava visitando as tropas francesas ali acantonadas, logo após as manifestações  – e bota manifestação nisso! – conhecidas como “maio francês”… 

      Puxa! Para um admirador de Charles Mauricio de Talleyrand-Perigord!… essa foi demais seu AA!

  6. A casa grande decadente!
    EspetaculAr! Está tudo ai perfeitamente analisado. Que decadência a deles. Ainda bem que eles são uma minoria!

  7. Observem que vários dos

    Observem que vários dos manifestantes ao serem questionados do porquê de estarem ali respondem que querem o seu Brasil de volta.

    Os manifestantes em esmagadora maioria são de classe média e classe média alta e para eles o Brasil os pertence, naturalmente odeiam um governo e um partido que tentou timidamente colocar em prática o slogan “Brasil um Páis de todos”.

    Eles não aceitam cotas nas universidades, não aceitam o programa mais médicos, não aceitam o Bolsa Família e não aceitam pobres em seu convívio social, a questão da corrupção é só um biombo atrás do qual escondem seu autoritarismo, egoísmo e mentalidade fascista.

    É muito revelador um dos cartazes exibido por um manifestante que diz que País sem corrupção é governado pelos ricos, pois eles não precisam roubar, eles querem o País deles de volta, mas cabe a nós exigirmos que o Brasil seja um País de todos.

      

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador