As feministas que inspiraram a criação da Mulher Maravilha

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Divulgação

Jornal GGN – Reportagem da revista Cult, do último dia 12, revela que a história da Mulher Maravilha foi investigada por uma pesquisadora fascinada pela conexão com a evolução do feminismo ao longo das décadas.A repórter Helô D’Angelo resgatou as origens da personagem que voltou aos holofotes da mídia desde o lançamento de filme homônimo, no início do mês.

Diana foi criada por um homem, William Moulton Marson, que curiosamente mantinha relacionamento com três mulheres ao mesmo tempo, e decidiu se inspirar nas três em sua obra. A heroína acabou sendo fruto da fusão da personalidade de Elizabeth Holloway Marston, Margaret Sanger e Olive Byrne, “todas mulheres que não se ajustavam ao padrão de feminilidade vigente na época – Holloway se formou em direito e exerceu a profissão; Byrne também fez faculdade; e Sanger foi uma das feministas mais influentes do século 20.”

A reportagem também abordou as problemáticas de ordem machista que permeiam a imagem da Mulher Maravilha.

Por Helô D’Angelo

Na Cult

Mulher Maravilha tem ‘papel complicado’ no feminismo, diz ‘biógrafa’ da heroína

Amazona, heroína e feminista são alguns dos adjetivos geralmente usados para descrever a Mulher Maravilha, a personagem feminina de quadrinhos mais famosa do ocidente. Criada nos anos 40 com inspiração em feministas influentes como Emmeline Pankhurst e Margaret Sanger, ela viveu aventuras na Primeira Guerra Mundial, em greves trabalhistas e até em protestos feministas pelos direitos reprodutivos, sem que a publicação de seus gibis fosse interrompida em 76 anos de circulação. 
 
Ainda assim, a heroína mantém uma relação cheia de altos e baixos com o feminismo, segundo sua “biógrafa”, a historiadora Jill Lepore. “Diana é um elo perdido que começa com as campanhas pelo voto feminino em 1910 e termina com a situação conturbada do feminismo um século mais tarde”, afirma Lepore, professora de história americana em Harvard e autora do livro A história secreta da Mulher Maravilha.
 
A publicação é a primeira a se aprofundar exclusivamente nas origens da heroína e em sua posição de ícone feminista – um papel “complicado”, segundo Lepore, uma vez que a personagem carrega em si algumas ambiguidades: é sexualizada, mas poderosa; frágil e ao mesmo tempo forte; criada por um homem, mas inegavelmente feminista.
 
Em uma de suas primeiras histórias, ainda nos anos 40, Diana se forma em uma universidade que parece ser Harvard – algo bastante avançado para uma época em que as grandes instituições de ensino americanas sequer aceitavam alunas. O primeiro vilão que enfrentou foi Dr. Psycho, uma referência à psicologia incipiente da época que, em muitas de suas vertentes, classificava mulheres como intelectualmente inferiores aos homens.
 
No entanto, apesar de invencível e forte, seus primeiros quadrinhos mostram uma Diana que acaba atraída para fora da Ilha de Temiscira – onde só habitavam amazonas mulheres -, justamente por um homem, o capitão do exército inglês Steve Trevor. Enquanto heróis como Batman e Superman já batalhavam por justiça há alguns anos, a motivação da Mulher Maravilha seria, então, mais “suave”: o amor.
 
Diana é criação de um homem, William Moulton Marson, um polígamo que se relacionava com três mulheres, mas que também acreditava que o gênero feminino “devia dominar o mundo”, segundo a autora. A heroína é, inclusive, inspirada nas três mulheres de Marson: Elizabeth Holloway Marston, Margaret Sanger e Olive Byrne, todas mulheres que não se ajustavam ao padrão de feminilidade vigente na época – Holloway se formou em direito e exerceu a profissão; Byrne também fez faculdade; e Sanger foi uma das feministas mais influentes do século 20.
 
Talvez por ter sido fruto da imaginação masculina, porém, a heroína aparecia sempre impecável nos quadrinhos, de salto alto, maquiagem e cabelo feito. “Era um pouco safada” e lembrava uma pin-up, como define Lepore no livro, e bastava que fosse acorrentada por um homem para que seus poderes desaparecessem. 
 
As contradições perseguem a heroína até hoje. Em 2016, ela chegou a ser nomeada Embaixadora das Mulheres na ONU, mas perdeu o posto dias depois, quando a organização foi criticada por não ter nomeado para o cargo uma mulher de verdade. Quando o trailer do filme da Mulher Maravilha foi lançado, também no ano passado, muitas mulheres reclamaram, online, dos trajes decotados e curtos da personagem.
 
Por outro lado, no mesmo ano, um dos artistas de capa mais importantes da DC Comics – editora da heroína -, Frank Cho, foi proibido pela empresa de fazer capas da Mulher Maravilha por desenhá-la de forma sexual demais. Irritado, ele publicou em suas redes sociais um desenho ainda mais explícito de Diana – mas foi imediatamente combatido por grupos feministas, que criaram paródias do desenho de Cho nos quais o artista aparecia com a mesma roupa e pose sexualizadas da Mulher Maravilha.
 
Jill Lepore aponta que “em vários aspectos, a criação da Mulher Maravilha foi muito importante para mulheres e em especial para as feministas”. Foi justamente um deles que chamou a atenção da autora: enquanto estudava a luta pelos direitos reprodutivos nos Estados Unidos, descobriu que a heroína havia sido inspirada em ativistas feministas importantes da área. “Essa relação me pareceu louca e interessante, e eu simplesmente não podia não escrever um livro sobre”, conta.
 
Diana, explica a autora, foi publicada no final de 1941, durante a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, quando os homens foram para os fronts e as mulheres se viram obrigadas, pela primeira vez em muito tempo, a trabalhar fora de casa. “A Mulher Maravilha foi um hit imediato neste contexto: ela dialogava com as mulheres, e também fazia alguns leitores homens compreenderem que mulheres podiam, sim, ser superpoderosas”.
 
Para a autora, a posição da personagem como um símbolo feminista, apesar de contraditória, é justa: “Por muito tempo, não houve outra heroína em quem as leitoras mulheres pudessem se espelhar”, diz. A questão sobre a Mulher Maravilha, segundo a historiadora, não é tanto o problema da sexualização ou da idealização feminina de que Diana é, por vezes, vítima, mas o impacto que uma mulher poderosa teve e continua tendo sobre milhões de leitoras.
 
“Hoje, não acredito que falte poder sexual para as mulheres, como na época em que a Mulher Maravilha foi criada. Acredito que o problema principal, atualmente, seja a falta poder político e econômico.”

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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