Paraná, a quinta comarca, por Maria Cristina Fernandes

Na quinta comarca

Por Maria Cristina Fernandes

Do Valor Econômico

“O paranaense não existe”. Brasil Pinheiro Machado fez esta constatação em 1930, ainda estudante de direito e longe de tornar-se prefeito de Ponta Grossa, interventor no governo do Paraná e jurista.

Pinheiro Machado referia-se à ausência do Estado nas rebeliões e pactos fundadores da história nacional, como o fizeram São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e Pernambuco, e sem geografia ou cultura que o distinguissem, como Amazonas e Bahia – “Nenhum homem de Estado, nenhum sertanista, nenhum intelectual, nem ao menos um homem de letras”, dizia Pinheiro Machado em artigo resgatado pela dissertação de mestrado do historiador Luís Fernando Lopes Pereira (“Paranismo, Cultura e Imaginário no Paraná da I República”, na rede).

O jurista ressentia-se de um Estado a reboque. Até 1853 o Paraná era a quinta comarca de São Paulo. Foi a última província criada no Império.

Pinheiro Machado não viveria para conhecer Paulo Leminski ou Dalton Trevisan e ver o Paraná se transformar num dos maiores produtores de grãos e automóveis do país.

Os homens de Estado ainda escasseiam, mas o Paraná, 85 anos depois do artigo de Pinheiro Machado, finalmente entrou no mapa. É lá que o Brasil acontece.

A Operação Lava-Jato foi montada e desbaratada por paranaenses. Alberto Youssef é de Londrina e Paulo Roberto Costa, de Telêmaco Borba. Sérgio Moro é de Maringá e a maior parte dos procuradores do caso também é do Paraná. Os deputados enrolados – um morto (José Janene) e outro cassado (André Vargas) – são de Santo Inácio e Assaí.

Essa gente não caiu de paraquedas no Paraná. É difícil precisar um começo, mas talvez seja possível encontrar um marco zero, a tríplice fronteira. No fim do século XIX, a guerra do Paraguai deu a um punhado de famílias de Curitiba o monopólio da erva-mate. Um século depois a economia do Estado também passaria a ser impactada pela instalação da zona de livre comércio em Ciudad del Este.

Por pressão dos comerciantes brasileiros, o Banco Central abriu a possibilidade de que agências bancárias de Foz do Iguaçu recebessem os reais de lojistas paraguaios e os trocassem por dólares que poderiam ser depositados em contas do exterior. A fronteira já tinha uma ponte, mas foi aí que a amizade realmente aumentou. Com as contas CC5, o Estado tornou-se o paraíso de doleiros que passaram a lavar dinheiro de pequenos e grandes muambeiros, do Paraná e alhures.

A primeira sombra sobre esse paraíso da lavagem apareceu com a investigação sobre a evasão de US$ 124 bilhões do país pelo antigo banco estatal paranaense, o Banestado. A Lava-Jato é um desdobramento mais aperfeiçoado daquela investigação, com bandidos (Alberto Youssef) e mocinhos (Sérgio Moro) em comum. A especialização do Paraná em lavagem de dinheiro fez com que as varas de combate a este crime em Curitiba fossem das mais ativas da justiça federal no país.

Essa concentração de juízes e procuradores federais especializados nos crimes financeiros mais sofisticados convive com um Estado que se transformou em explosivo laboratório do ajuste fiscal com um Judiciário estadual corporativista e crescentes indicadores de violência.

As ruas de Curitiba continuam muito limpas para uma cidade de quase 2 milhões de habitantes, mas a capital paranaense, um dia vendida como modelo de civilidade, tem o dobro da taxa de homicídios do Rio. Na última década, os homicídios cresceram mais no Paraná (44%) do que em qualquer Estado do Sul e Sudeste (Mapa da Violência, 2014).

As atenções da segurança pública do Estado, no entanto, parecem voltadas para as manifestações que há um mês, têm ocupado o centro de Curitiba. O governador Beto Richa (PSDB) recuou do pacote de corte de gastos depois que seus aliados, mesmo escoltados em camburão blindado, foram acossados por manifestantes na Assembleia Legislativa. Sem repasses do governo, as universidades estaduais ameaçam pendurar as contas de água e de luz.

Na manhã de quarta-feira uma passeata de professores em greve recebeu o apoio dos curitibanos da boca maldita, região do centro da capital famosa pelos aposentados que, reunidos nas praças e cafés, gastam o tempo a falar mal dos inquilinos do poder. Talvez porque os eleitores foram avisados que o Estado estava quebrado só depois da folgada reeleição do governador.

A passeata margeou o Palácio Avenida, o prédio em L no coração da boca que sediou o Bamerindus, vendido ao HSBC em 1997. Além do coral natalino, o prédio abriga hoje o comando nacional das operações do banco cujas agências na Suíça são refúgio de sonegadores de todo o planeta, entre os quais, segundo a Receita Federal, 342 brasileiros.

Curitiba tem uma classe média conservadora, com feitos eleitorais lembrados pelo historiador Lopes Pereira como a vitória do integralista Plinio Salgado (1955) e do atual ministro Guilherme Afif Domingos (1989). Está encravada num Estado de imigrantes rurais de arraigado senso de propriedade e com poucos traços do anarquismo europeu do século XIX.

O mesmo Estado que reajustou as tarifas de energia e aumentou as alíquotas de IPVA e ICMS na tentativa de fechar o rombo nos cofres públicos teve que arcar ainda com as contas do corporativismo de seu judiciário estadual.

No ano passado, quando a carceragem da Polícia Federal em Curitiba já abrigava Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, o Tribunal de Justiça do Paraná, aprovou o auxílio-moradia para os juízes e procuradores. A regalia, justificaram-se os homens da lei, já é concedida em 14 Estados.

A difícil situação financeira do Paraná já estava escancarada quando os defensores públicos do Estado obtiveram da Assembleia Legislativa um projeto que aumentou seus vencimentos em 87%. O aumento acabaria suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado. A celeuma deixou no ar a impressão de que os paranenses, que ganharam a última defensoria pública a ser criada no país, poderiam continuar a prescindir desses servidores.

A Lava-Jato é motivo de orgulho num Estado que deu ao PT algumas de suas piores votações da história. A principal alternativa aos petistas também está na berlinda por lá. Se é verdade que a operação está fadada a virar o Brasil ao avesso, os próximos tempos do paranismo podem dar alguma ideia do que está por vir em seu lugar.

Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às sextas-feiras

E-mail: [email protected]

Redação

27 Comentários

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    1. Não sei se você percebeu, mas

      Não sei se você percebeu, mas o  artigo foi publicado por um jornalão de SP. 

      Penso que este artigo pode ser perfeitamente adaptado para SP.

      Aliás, alguém pode me dizer onde os tucanos fizeram alguma coisa que prestasse?

  1. Que artigo IDIOTA ,tentando

    Que artigo IDIOTA ,tentando desmerecer um Estado do nosso Brasil.

    Qualquer bobalhão  pode escrever um artigo pseudo-intelectual,desmerecendo qualquer Estado da Federação.

    Nem vou citar exemplos.

    Viva o Brasil !

  2. Se o Paraná fosse um partido,

    Se o Paraná fosse um partido, seria o PMDB.

    Sem unidade, sem identidade, uma costela do interior de São Paulo, este último que tem sua cultura e costumes, diferente da capital que se tornou mera vitrine capitalista (em breve será a Dubai do hemisfério sul, sequinha sequinha).

    Um amontoado de cidades povoado por um amontoado de “famíglias”.

    Um amontoado de “liberais” de umbigo próprio!

  3. Que artigo INTELIGENTE, Uma

    Que artigo INTELIGENTE, Uma bela síntese da História do Paraná, que muito nos ajuda a entender sua atual conjuntura bem como o conservadorismo político do lugar. Realmente, quem conhece o Paraná sabe muito bem que o sul do Estado é uma extensão do Rio Grande e no norte, de SP. Curitiba não dialoga nem é reconhecido pelo resto do Estado. É uma ilha. 

    A autora podia continuar nesta senda e nos brindar com um artigo, por exemplo, relatando o anterior encontr entre o Juiz Moro e o Youssef, no caso do BANESTADO. De por que o Youssef continuou fazendo de suas estripulias e como vai se safar desta, para daqui ha mais alguns anos, retornar, pronto para novas delações que o safem de suas enrascadas recorrentes.  

  4. bem que essa moça acertou o diagnóstico

    a parte sul do estado pensa que é gaúcha e a parte norte pensa que é paulista.

    a falta de uma identidade cultural é horrível.

    1. Prezado,é necessário saber

      Prezado,é necessário saber conviver com a diversidade.

      Conheço o Brail de Norte a Sul ,e acho Ele SIMPLESMENTE  FASCINANTE.

      1. Preconceitua para acusar de preconceito…

        “nos tirem dessa Federação de bosta chamada Brasil”… (JCB, 13:27h)

        Hehe, isso é que é preconceito, além de falta de identidade com o todo.

        O melhor que o “abençoado” consegue pensar (?) é apenas um pedaço..

        Limitação mental, se não for doença…

         

        (PS: Boa parte do PIB do estado em geração de energia vem de Itaipú, um projeto de “bosta”…

         

         

         

         

         

        1. Putz

          Que PIB de Itaipú, infeliz.

          Só se for dos visitantes, porque o dinheiro da energia sequer passa pelo estado e o ICMS, por uma briga encabeçada pelo Serra e apoiada pelos ladrões de todos os estados e de todos os partidos, inclusive o PT, passou a ser tributado no destino.

          E os royalties sobre a imensidão de terra agriculturável que perdemos com o lago tivemos que buscar a força.

           

      2. o problema não é comigo,

        estou apenas relatando a realidade. preconceito tem os paranaenses, que invejosos com a cultura riograndense, tentam de todas as formas desmerecer aos gaúchos que como eu foram para o paraná para ajudar no desenvolvimento deste estado.

        só estou observando a realidade dos fatos.

  5. não fosse isso
    e era

    não fosse isso

    e era menos

    não fosse tanto

    e era quase.

    lemisnki.

    mas tem o dalton trevisan, o vampiro de curitiba.

    curitiba a tudo vampiriza.

    SE DE LATA o paraná o o que seria?

     

    tinha um poeta que transmigrou sem heteronimos depois de dizer da cidade

    – ritiba, é o ..do mundo….

  6. Virou mania agora

    Bater no Paraná e nos paranaenses.

    Façam o seguinte, nos tirem dessa Federação de bosta chamada Brasil, para a qual contribuímos com 43 reais em impostos para cada real revertido em investimento federal aqui.

    E sejam felizes.

    KKKKKKK

    1. Por estas brilhantes

      Por estas brilhantes manifestações percebemos que Pinheiro Machado tinha razão: pobre estado rico. Rico povo (intelectualmente) pobre.

  7. “””””” A Operação Lava-Jato

    “””””” A Operação Lava-Jato foi montada e desbaratada por paranaenses. Alberto Youssef é de Londrina e Paulo Roberto Costa, de Telêmaco Borba. Sérgio Moro é de Maringá e a maior parte dos procuradores do caso também é do Paraná. “””” Alvaro Dias também é do Paraná, também a BANESTADO, tambem o BAMERINDUS . . . . enfim, o conjunto de pérolas é considerável ao que agora se soma o grande Beto Lixa . . . .

  8. Algumas comarcas tiveram suas

    Algumas comarcas tiveram suas emancipações para Províncias: as comarcas de Pernambuco (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas),  Pará (Rio Negro, que virou Amazonas). Aqui no Tocantins, as lidranças do antigo Norte de Goiás lutaram para criação da Província da Palma, no início do século XIX, mas faltou alguem na capital do império para consolidar o ideal separatista, que só viria a acontecer com a Consttituint de 1988. 

  9. Na verdade o estado tem uma história rica

    Existe uma rica história de lutas e conquistas no Estado do Paraná, o Cerco da Lapa e a Questão do Contestado (maior levante camponês do Brasil) são fatos relevantes para todo, Brasil mas poco se divulgam informações sobre estes. A verdade é que os poderosos do estado, para minimizar os riscos de um povo orgulhoso com seus feitos, sempre evitaram a criação de uma identidade paranaense, a velha tática de dividir para conquistar.

    https://www.youtube.com/watch?v=_pwT0izlTM

    https://www.youtube.com/watch?v=FYSXN5YhHqA

    1. Cerco da Lapa, desdobramento da Revolução Federalista

      O Cerco da Lapa ocorreu na esteira da Revolução Federalista, guerra civil ocorrida no Rio Grande do Sul a partir de 1893. Essa guerra civil foi a mais cruenta da história do Brasil e colocou em campos opostos os maragatos, partidários da monarquia e de um regime federalista, e os pica-paus (futuramente seriam chamados de chimangos), partidários da república e de um sistema presidencialista forte e centralizador. 

       

      As tropas maragatas de Gaspar Silveira Martins tinham como objetivo chegar até o Rio de Janeiro, então capital da novel República dos Estados Unidos do Brasil, e depor o presidente Floriano Peixoto, mais conhecido como o Marechal de Ferro, sucessor de Deodoro da Fonseca. A batalha da Lapa impediu que os maragatos, com tropas reforçadas por combatentes uruguaios, chegasse ao Rio de Janeiro e foi o ponto de inflexão que marcou o declínio dos insurgentes.

       

      Julio de Castilhos, presidente do Estado do Rio Grande do Sul na época, e corretamente honrado com o título de Patriarca do Rio Grande do Sul após a sua morte, em 1903, era um republicano positivista radical. Defendia a centralização dos poderes e era contra o pseudo federalismo maragato. Graças a sua amizade com o presidente Floriano Peixoto, conseguiu o apoio do Estado Brasileiro na sua luta contra Gaspar Silveira Martins e seus partidários. 

       

      Os maragatos eram latifundiários e estancieiros escravocratas radicados na metade sul do Rio Grande do Sul e eram contra o processo de modernização industrializante, capitaneada pelo Estado, defendido por Julio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e tantos outros.

       

      Para o bem do Rio Grande e do Brasil, os maragatos foram esmagados por Julio de Castilhos e por Floriano Peixoto, com a valorosa contribuição dos combatentes de recém emancipada 5ª Comarca do Estado de São Paulo. O Paraná, espremido pelas circustâncias de uma feroz guerra civil iniciada no Rio Grande do Sul, soube de que lado se posicionar. 

       

      Chegava ao fim a mais cruenta guerra civil brasileira, com aproximadamente 2% de mortos, feridos, inválidos e exilados na antiga Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (se fosse hoje o número de vítimas a nível nacional superaria a casa dos 04 milhões, para ver o tamanho da contenda). 

       

      Em 1923 houve, digamos assim, um segundo tempo na histórica disputa entre chimangos e maragatos, desta vez com menor intensidade e encerrada de modo diplomático com o Pacto de Pedras Altas. Nesta segunda guerra civil gaúcha tombou no campo de batalha o pai do sr. Leonel de Moura Brizola, que era apenas um bebê de pouco mais de 01 ano de idade. 

  10. A investigação do Banestado,

    A investigação do Banestado, de 124 bilhões como disse a autora do texto, não deu em nada, não havia petista.

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