Nietzsche e os sintomas da corrupção

Por Edivaldo Dias Oliveira

Comentário ao post “O xadrez dos homens santos e das eleições gerais

 

Aqui, 2 aforismos do alemão, extraído do livro “A gaia Ciência” de 1888, que esclarece de forma visionária dois fatos que nos são muito familiares, a saber; a corrupção e as manifestacções de junho de 2013., leiam…

Nietzsche e a corrupção

23 – Sintomas da Corrupção – Atente-se para os seguinte sintomas das circunstâncias sociais, necessárias de tempos a tempos, que se designam pelo termo de “corrupção”.

Assim que a “corrupção” aparece em qualquer parte, vê-se reinar uma variada superstição, na qual a crença geralmente adotada até então pelo povo empalidece e se torna impotente: pois que a superstição é um livre pensamento de segunda ordem (1); quem a ela se entrega, elege certas formas e formulas que lhe agradam  e concede-se o direito de escolher.

O supersticioso tem qualquer coisa de mais “pessoal” do que o homem religioso, e uma sociedade supersticiosa será aquela onde se encontram já muitos indivíduos e prazer ao que é individual. Deste ponto de vista a superstição coloca-se sempre como um progresso sobre a fé e torna manifesto que a inteligência se torna mais independente e reclama seus direitos.

Desta forma, os partidários da velha religião e religiosidade lastimam-se de corrupção  –  mas foram eles que até aqui determinaram o uso linguístico  e que criaram à corrupção uma má reputação, mesmo entre os espíritos mais livres. Portanto, temos que saber que a superstição é um sintoma de emancipação.

Acusa-se também de “relaxamento” uma sociedade onde a corrupção se instala: de fato, o prestígio da guerra e do entusiasmo guerreiro  sofrem uma baixa visível e aspira-se aos prazeres da existência com tanto ardor como aquele que antigamente se punha a procurar as honras militares ou atléticas. Mas os observadores costumam ignorar que esta antiga energia e paixão da nação , com a guerra e os torneios, que alcançavam tão pomposa evidencia, transformou-se em uma infinidade de paixões privadas e limitou-se a ser menos visível; 

Mas que digo? Sim, é até provável que, no estado de “corrupção”, a nação dispenda uma força, um violência de energia muito maiores do que nunca, e que o individuo gaste essa energia mais prodigamente do que o podia fazer anteriormente, quando ainda não era suficientemente rico!

Portanto, é precisamente nas épocas do “relaxamento” que a tragédia corre pelas ruas e pelas casas, que se vê nascer o grande amor e o grande ódio, e que a flama do conhecimento jorra em braseiro para o céu.

Em terceiro lugar, pretende-se dizer que compensando de algum modo a censura de superstição e de abandono que se pode fazer às épocas de corrupção, os costumes se tornam mais brandos nesses períodos, que a crueldade diminui notoriamente em comparação com as épocas precedentes, mais crédulas e mais fortes.

Mas não poderia aprovar este elogio, da mesma forma que como não aprovei a acusação precedente: o que concedo é que a crueldade se torna refinada, e que as suas antigas formas repugnam ao gosto novo;

Mas a arte de ferir, de torturar, através da palavra e do olhar, alcançam em tempos de corrupção, o seu supremo aperfeiçoamento; é só então que nascem a malignidade e o prazer de ser maldoso.

As pessoas das épocas corrompidas são espirituosas e caluniadoras; sabem que se podem matar dispensando a utilização do punhal e do golpe de mão; sabem também que se acredita em tudo o que é bem dito.

Em quarto lugar, quando os costumes se corrompem, é o momento em que surgem esses seres a que se dá o nome de tiranos: São os precursores e, por assim dizer, as precoces guardas avançadas do individuo. Mais um instante de paciência: esse fruto dos frutos  acabará por pender, maduro e dourado, da árvore de um povo; e é somente em função desses frutos que essa árvore existe!

Quando o declínio chegou ao apogeu, assim como a luta dos tiranos de todas as qualidades, vê-se sempre chegar o César, o tirano definitivo, que vibra o golpe de misericórdia à luta cansada dos concorrentes preponderantes fazendo trabalhar o cansaço em seu proveito.

Em sua época, o individuo, em geral, está no momento da sua maturidade perfeita, estando a “cultura” por consequência no zênite da sua fecundidade e elevação;… Mas não é graças a ele, não é por via do tirano, se bem que as pessoas de cultura elevada gostem de lisonjear o seu Cesar, fazendo-se passar por obra dele.

A verdade é que eles tem necessidade de quietude exterior porque trazem a sua inquietude e trabalho dentro de si. É o momento do auge da traição, da corruptibilidade: pois o amor do ego descoberto de fresco é então muito mais poderoso do que o amor à velha, gasta e decantada “pátria”;

E a necessidade de se defender contra os temerosos caprichos da fortuna abre também as mãos mais nobres, quando um homem rico e poderoso se mostra disposto a ali deitar ouro.

O futuro é tão incerto que as pessoas vivem para o momento: estado de alma que favorece o jogo dos tentadores de todas as espécies; pois que também não se deixa seduzir, e corromper, se não por “um momento” reservando-se um futuro e a virtude!

Sabe-se que o individuo, esse autentico homem “em e para si”, pensa mais nas coisas do momento do que o seu oposto, o homem do rebanho, porque não pensa contar mais consigo do que conta com o futuro; liga-se do mesmo modo aos tiranos, porque se julga capaz de ações e de investigações que não podem contar nem com a inteligência nem com o perdão da multidão…

Mas o tirano ou o César compreende o direito do individuo, mesmo nas suas aberrações, e tem interesse em dar a palavra e até mesmo permitir uma moral pessoal mais audaciosa. Porque pensa dele, e quer que o pensem, aquilo que Napoleão exprimiu um dia da forma clássica que lhe era particular. “Tenho direito de responder a todos os vossos queixumes com um eterno “sou o que sou”.Estou apartado de toda gente e não aceito as condições de ninguém. Deveis submeter-vos a todas as minhas fantasias e achar natural que me entregue a semelhantes distrações”. Foi o que disse a sua mulher, certa vez, quando ela teve razões para duvidar da sua fidelidade conjugal.

As épocas de corrupção são aquelas em que as maçãs caem das árvores: refiro-me aos indivíduos, aqueles que carregam em si as sementes do futuro, os promotores da colonização espiritual, os formadores de novos estados e sociedades. A palavra corrupção torna-se um termo injurioso quando relaciona-se com as épocas outonais de um povo.

38 – Os “explosivos” – Se pensarmos o quanto a força dos jovens tem necessidade de explodir, não nos espanta a pouca finura e falta de dicernimento que se utilizam para se decidir a favor desta ou daquela causa: o que os atrai é o espetáculo do ardor que rodeia uma causa, como se fosse a visão do rastilho incendiado, e não a causa em si própria . Assim os sedutores sutis esforçam-se por os obrigar a esperar a explosão e por distrair a atenção da justificativa da causa: não é com argumentos que se conquistam esses barris de pólvora!

 

Redação

7 Comentários

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  1. Bom conhecer este trecho do Friedrich Nietzsche sobre corrupção

     

    Edivaldo Dias Oliveira,

    Quando acessei o blog de Luis Nassif vi que você estava com dois posts na primeira página. Um é a “A proposta de transição e Constituinte com Dilma, por Edivaldo Dias Oliveira” de quinta-feira, 16/06/2016 às 12:00, em que você defende que grupos diferentes lancem um modelo de Constituição e depois cada modelo iria para uma disputa eleitoral com segundo turno em que se daria a escolha da mais votada. Considero sua proposta inviável. O endereço do post “A proposta de transição e Constituinte com Dilma, por Edivaldo Dias Oliveira” é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/a-proposta-de-transicao-e-constituinte-com-dilma-por-edivaldo-dias-oliveira

    E o outro é este “Nietzsche e os sintomas da corrupção” de quinta-feira, 16/06/2016 às 09:55. Eu tenho muito interesse em todos os dois posts, mas este não só me foi de um extremo aprendizado, pois desconhecia completamente essa análise de Friedrich Nietzsche sobre a corrupção, como serve como mais um argumento no entendimento que eu tenho sobre a corrupção.

    No final da década de 80, eu fiz um texto que apelidei de “Em defesa da corrupção” que não era propriamente uma defesa da corrupção, pois eu sou favorável a que se a combata, mas era um ataque a visão pequena dos que viam na corrupção como o grande mal do país. A incompetência na área técnica é muito pior. É preciso, no entanto, olhar com mais cuidado até a incompetência na área técnica. É verdade que uma ponte que cai diminui o PIB naquela parte que o investimento na ponte compõe o PIB e no futuro além de tornar a base do PIB menor, a queda da ponte não trará os resultados de mais eficiência que provavelmente a ponte traria. No entanto, enquanto esteve em construção a ponte permitiu a alimentação de muita gente.

    De certo modo, o que eu pensava no final da década de 90 não difere muito do que eu disse, ainda que bem mais resumido, junto ao post “Nunca se roubou tão pouco, por Ricardo Semler” de sexta-feira, 21/11/2014 às 11:51, aqui no blog de Luis Nassif contendo, por sugestão de Pedro Penido dos Anjos a transcrição do artigo de Ricardo Semler com mesmo título “Nunca se roubou tão pouco” que fora publicado na Folha de S. Paulo. Tenho dois comentários no post “Nunca se roubou tão pouco, por Ricardo Semler” e que podia ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/nunca-se-roubou-tao-pouco-por-ricardo-semler

    Disse: “podia ser visto” porque tentei acessar o post e a tela que aparece é com a informação: “o acesso negado”, inclusive aos meus comentários.

    Mais recentemente eu acrescentei um argumento para mostrar que a corrupção não causa tão mal como parece. Passei a dizer que a corrupção tem a mesma gênese do capitalismo, isto é, ambos são uma forma de acumulação de capital apropriado de outrem. Se, sem acumulação de capital apropriado de outrem, o capitalismo não cresce, não vejo muito como a corrupção possa ser um empecilho ao crescimento econômico.

    E voltando ao seu post “A proposta de transição e Constituinte com Dilma, por Edivaldo Dias Oliveira”, eu a considero inviável porque ela retira do parlamento toda a sua força e, portanto, uma proposta assim nunca vai ser aprovada no parlamento brasileiro.

    E a segunda crítica que faço é que esta proposta é também um retrocesso à medida em que o grande avanço da democracia representativa é a possibilidade do fisiologismo. E aqui eu me refiro ao fisiologismo lícito que é o toma-lá-dá-cá, o é-dando-que-se-recebe, ou seja, a barganha ao longo de um processo que é o que em síntese mostra a nossa superioridade sobre os animais.

    O fisiologismo poderia existir na democracia direta se ela fosse de poucas pessoas. Suponhamos cinco pessoas que discutiriam como elas se relacionassem em uma ilha. Se as decisões fossem pontuais: ser a favor ou contra tal medida talvez ai não existisse fisiologismo. No entanto se as discussões não se dessem de forma pontual mais em um processo, talvez a decisão final pudesse se dar de outra forma. No grupo de cinco, um grupo perdedor com dois votos em uma discussão poderia propor um acordo com um do outro grupo de tal modo que na discussão de outro assunto eles dariam o apoio para o que estava no grupo vencedor na primeira discussão, mas iria perder na segunda.

    E há também a possibilidade de a Constituição escolhida ser a mais de direita possível. Nesse sentido a alegação de João Feres Jr no artigo “Constituinte e novas eleições: as outras modalidades do golpe”, de 08/06/2016, diante da qual você justifica sua proposta é bastante correta. Transcrevo-a a seguir:

    “Talvez seja melhor colocar em forma de pergunta: como seria possível obter um contrato constitucional mais progressista que o de 1988 em um contexto politicamente tão pior que aquele da Constituição Cidadã? Imaginem  se, ao invés de eleger uma assembléia constituinte, o próprio congresso arrogasse para si esta tarefa, como ocorreu na constituição anterior! Mas não precisa. Mesmo se houver eleição de constituinte exclusiva, imaginem a qualidade dos eleitos! Provavelmente similar à que temos agora na Câmara dos Deputados, a mais conservadora da história. A não ser que os defensores desta idéia tenham algum plano secreto para resolver esse problema, uma constituinte agora seria um desastre de proporções titânicas para o nosso país.”

    Então a sua proposta, mesmo que fosse viável, ao não dar margem ao fisiologismo acaba representando um retrocesso naquilo que a democracia representativa tem de superior à democracia direta e que é o debate para se chegar ao consenso e que não é feito de modo pontual mas em um processo.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 16/06/2016

  2. 1-  como se se defendeu por

    1-  como se se defendeu por aqui, dado que subraça leva bilhões de anos da evoluir,  é infinitamente melhor ter um bando de corruptos, capaz até de roubar dinheiro que iria comprar material de limpeza para hospital do que um bando que usa o poder para matar e lavar de sangue tudo quando fosse rua

    2- se bem seguisse os estão ¨jovens¨ que derrubaram Collor, iria se achar entre esse os piores corrutptos da atualizade

  3. Não é com argumentos que se conquistam esses barris…

    Muito interessante o que diz Nietzsche sobre a sociedade e a corrupção. Se pensarmos que o filosofo viveu o fim do século XIX, ou seja o momento que a Alemanha caminha lentamente em direção as duas grandes guerras, de consequências terriveis. A segunda com ascenção do nazimo. Acho que Nietzsche sintetiza, no que lemos acima, com bastante precisão de como sobrevem, pouco a pouco, das profundezas aquilo que se transformara em convulsão social e catarse politica.

    “”Quando o declínio chegou ao apogeu, assim como a luta dos tiranos de todas as qualidades, vê-se sempre chegar o César, o tirano definitivo, que vibra o golpe de misericórdia à luta cansada dos concorrentes preponderantes fazendo trabalhar o cansaço em seu proveito.””

  4. Nietzsche não explica Brasil

    Nietzsche se refere a um “tempo de corrupção, uma condição atipica, uma época de “relaxamento” de uma moral mais rígida, um tempo de oportunidades para o surgimento do novo. Não é o caso do Brasil onde a corrupção é a norma que coexiste desde a fundação e acompanha todo nosso desenvolvimento.  Aqui a corrupção solapa qualquer possibilidade de nação e corrói o avanço civilizatório.

  5. Acredito que os jovens tem

    Acredito que os jovens tem conhecimento e discernimento, e é com isto que acendem seus barris de pólvora. tanto é assim que eles tem dado muitos exemplos de cidadania e resistencia, eu acredito nesta juventude, ou como diz Gonzaguinha:

    Eu acredito é na rapaziada

    Que segue em frente e segura o rojão

    Eu ponho fé é na fé da moçada

    Que não foge da fera e enfrenta o leão

    Eu vou á luta com essa juventude

    Que não corre da raia a troco de nada

    Eu vou no bloco dessa mocidade

    Que não tá na saudade e constrói

    A manhã desejada.

    Em frente, enfrente que atrás, vem gente.

  6. Nietzsche: você pode estar dizendo o contrário do que queria!

    O outro post no comentário sobre o xadrez dos homens santos me dá impressão de que o autor do post não tem  ideia de que colocou uma peça fina da ideologia de extrema direita no site do ggn. O texto é uma clara apologia da tirania em contraposição aos movimentos socialistas e democráticos das ruas; não é uma defesa da democracia.Se a intenção de quem postou isso aqui era essa, deu um tiro no pé.  Nietzsche é altamente difundido para pessoas que desconhecem a obra do autor, a sua época e a filosofia, se tornado uma armadilha para incautos bem intencionados.

    O jovens do barril de polvora, os ‘explosivos’ a que Nietsche se refere são os jovens socialistas, os jovens dos movimentos de trabalhadores, os jovens da Comuna de Paris.  Filosoficamente o termo ‘corrupção’ não significa ‘propina’ ou ‘venda do Estado’, mas decadencia. Nietsche via no acirramento das lutas socialistas e no avanço dos direitos democráticos um sintoma da decadencia dos valores aristocraticos(a corrupção a que ele se refere),substituidos pelos valores dos ‘escravos'(valores democráticos) nos termos metáforicos presentes na obra de Nietzsche.

    Na época da corrupção(decadencia) ‘a superstição é um progresso e uma emacipação’; o espirito de guerra continua existindo e ‘uma violencia maior do que nunca’ é despendida pela nação – o exercio pleno da ‘vontade de poder’ e da vida que segundo Nietzsche é violencia; não é uma critica mas uma apologia -; a ‘tragédia corre nas ruas’ – quem conhece a obra de Nietzsche sabe que isso é uma apologia pois Nietzsche era defensor da tragédia que tinha caráter ‘dionisiaco’ e ‘emancipatório’. Assim a corrupçao (decadencia) é vista por Nietzsche como um periodo redentor que prepara a ‘emancipação’.

    O pior mesmo é de onde vêm essa emancipação segundo o texto: a corrupção gera um tirano que é ‘ a guarda avanaçada do individuo'(guarda contra quem? os jovens democratas e socialistas ‘explosivos’), o ‘fruto que pende da árvore do povo que só pode existir em funçao desse fruto’ (só faltou fazer a saudação nazista seguida dessa afirmação!), o tirano ‘compreende o direito do individuo’ e dá a palavra ‘ a uma moral mais audaciosa'(a moral aristocrática dos senhores em lugar da moral democrática dos ‘escravos’ que tem como adeptos os ‘jovens explosivos’).Fica claro que Nietzsche coloca o tirano como a saída para a ‘corrupção'(decadencia) em lugar dos ‘explosivos'(os jovens socialistas e democratas) e o faz não de forma critica, mas como apologia, como defesa da tirania contra os valores dos ‘escravos'(os democráticos) defendidos pelos “explosivos’.

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