Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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O canto triste da austeridade, por André Araújo

Por André Araújo

A economista Lynn Parramore, do Institute for New Economic Thinking de Nova York, escreveu um excelente paper sobre o conceito de austeridade em economia, o lead do trabalho é o abaixo.
 
“Austeridade é um conceito tão poderoso porque ele se auto alimenta. O conceito faz as pessoas inseguras. As pessoas deixam de unir forças e o sistema político se trava. O nome do princípio “”AJUSTE FISCAL” congela a atenção da população, que não questiona o seu conteúdo, formando uma barreira entre os indivíduos e o mundo político. O “ajuste fiscal” solapa a participação democrática.  Esta obscura teoria da austeridade valida com sua autoridade conservadora um grande erro econômico que parece algo sensato, mas é uma panela furada.
 
O conceito de “AJUSTE FISCAL” apresenta uma falácia completa, a de que um orçamento nacional é como um orçamento de família. É um magno engano.  Uma família não emite dinheiro, já emitir dinheiro é uma das principais funções de um Estado.”

 
A tese de Lynn Parramore ataca a própria lógica do ajuste fiscal, pelas mesmas razões que aqui no Brasil muitas pessoas intuitivamente perceberam que, ao reprimir a atividade econômica e os gastos e investimentos públicos, a arrecadação cai e em função disso cai a capacidade do Estado de investir e num círculo vicioso, a cada queda da atividade, mais cai a arrecadação sucessivamente e, ao fim, o ajuste empobrece o País e o Estado que, para ter arrecadação, precisa ter mais e não menos atividade econômica que serve de base à taxação.
 
Lynn ataca a ciência e sapiência dos economistas que propõe algo tão primário como um ajuste fiscal auto destrutivo, o que não invalida de modo algum a necessidade de racionalizar os gastos públicos MAS não o corte linear apenas para encolher o orçamento por razões financeiras e não de eficiência do Estado.
 
A lógica do AJUSTE FISCAL vem do mercado financeiro e é sua visão para aumentar sua garantia de recebimento da dívida pública, sem se importar com os efeitos do AJUSTE sobre a atividade econômica geral e a vida da população.
 
O Institute for New Economic Thinking-INET é um círculo de 790 economistas da mais alta qualidade que questionam os cânones e o modelo monetarista validado até a crise de 2008, que demonstrou as fissuras perigosas desse modelo criado pelo mercado financeiro para seus próprios objetivos. Como demonstrei em meu livro, o monetarismo de Milton Friedman é uma produção do CITIGROUP que bancou a revista e a série de palestras onde Friedman divulgou sua teoria monetarista, que serve como uma luva ao sistema financeiro, mas não à economia produtiva.
 
O INET professa sérias dúvidas sobre o modelo monetarista e quer rediscuti-lo, pondo em dúvida suas premissas, criticando portanto a turma do “almoço grátis” e da “lição de casa” que tantos seguidores tem no Brasil.
 
O INET tem entre seus economistas associados Prêmios Nobel, professores de Harvard, Cambridge, Princeton, Oxford, Columbia, Berkeley, a montagem do instituto foi financiada pelas fundações Rockefeller e Carnegie, por George Soros e outros que embora oriundos do modelo anterior põe em dúvida sua sustentabilidade futura e querem revisá-lo. No Brasil não há nenhum seguidor, o pensamento econômico predominante continua aferrado ao velho modelo da “lição de casa”.
Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

30 Comentários

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  1. pois é, o EUA afrouxou o que

    pois é, o EUA afrouxou o que deu na política monetária, inundando o mercado de dólares, e impedindo uma repetição da críse de 1929.

    O efeito colateral no mundo estamos sentindo agora, sendo que o Brasil, em 2008, ainda protegido pela boa recuperação dos preços  (especulativamente, diga-se bem) das commodities, só foi sentir os efeitos bem depois, até porque demorou a perceber que a marolinha era tsunami.

    Os EUA, com sua política de afrouxamento fiscal estão bem? Por enquanto pode-se dizer que sim, mesmo levando o resto do mundo à bancarrota. Mas o  desfecho dessa crise ainda está longe de acabar, e ela ainda pode voltar para os EUA, depois de dar a volta no mundo.

      1. As causas do crack de 1929

        As causas do crack de 1929 são multiplas e ainda não se esgotou a revisão dessas analises. Uma das principais razões

        foi o financiamento dos bancos para compradores de ações, as chamadas “margens” eram financiadas em 90% por credito bancrio e isso fazia subir as cotações ao infinito, não havia nenhuma regualção do Estado sobre o mercado de ações, que era um selva onde se praticava o “”vale tudo””.

  2. https://www.youtube.com/watch

    https://www.youtube.com/watch?v=ZfawDMtX_6c

    Video com entrevista da Prof.Lynn Parramore na TV americana. Lynn Parrmore tem o blog New Deal 2.0 e nos EUA

    e considerada da linha progressista. É Pesquisadora Senior do Institute for New Economic Thinking. Para quem achar o INET muito radical, um de seus fundadores e financiadores é o antigo Presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, outrora consideradao ultra conservador mas que hoje tem duvidas concretas sobre a racionalidade do modelo “mainstream”.

  3. Dois parágrafos desse escrito

    Dois parágrafos desse escrito são esclarecedores: um diz algo que os defensores de ajustes fiscais defendem e que nós, desconhecendo a lógica perversa contida na propaganda, terminamos viajando na maionese. Vejamos: “O conceito de “AJUSTE FISCAL” apresenta uma falácia completa, a de que um orçamento nacional é como um orçamento de família. É um magno engano.  Uma família não emite dinheiro, já emitir dinheiro é uma das principais funções de um Estado.” O segundo é aquele que nos mostra o porquê dos neoliberais defenderem com ênfase o ajuste fiscal: “A lógica do AJUSTE FISCAL vem do mercado financeiro e é sua visão para aumentar sua garantia de recebimento da dívida pública, sem se importar com os efeitos do AJUSTE sobre a atividade econômica geral e a vida da população.”

  4. Nada que já não tenha sido comentado aqui

    Nada que já não tenha sido comentado aqui por diversos economistas e especialistas na área econômica, inclusive o Nassif, mas é bom saber que existem outras vozes discordantes pelo mundo, inclusive no centro do império…

  5.   Infelizmente pouco

      Infelizmente pouco contribuo, mas ainda posso parabenizá-lo pelo seu esforço em trazer o tema à baila, André. Meus parabéns.

      Simplesmente o que temos é toda a economia atrelada à lógica financeira, para benefício de alguns poucos. É uma nova idade média, conceitos como nação, povo, interesse nacional, emprego de capital e trabalho etc são todos jogados no lixo. Para entender essa época não é necessário grande discussão filosófica, basta olhar o orçamento federal.

  6. Caro autor,
    separei a parte

    Caro autor,

    separei a parte abaixo para tecer um breve comentário:

    O conceito de “AJUSTE FISCAL” apresenta uma falácia completa, a de que um orçamento nacional é como um orçamento de família. É um magno engano.  Uma família não emite dinheiro, já emitir dinheiro é uma das principais funções de um Estado.”

     

    Comentário:

    O conceito de ajuste fiscal apresenta um falácia completa. No entanto, essa “falácia completa” proporciona cargos importantes para seus defensores. Exemplo recente é o do ex-ministro da fazenda, sr. Levy  que ao implementar  o “ajuste fiscal” no Brasil já conseguiu importante  “cargo” no BIRD.

    Vale dizer: BIRD- Banco Interncional para Reconstrução e Desenvolvimento. 

    Resta saber pra quem seria esse “desenvolvimento” hodiernamente.

    Por outro lado, o paper( papel que só os politicamente influentes, não se sabe como, conseguem publicar e propagar) diz que emitir dinheiro é uma das principais funções de um ESTADO.  Ora, isso é flagrantemente FALSO.

    O correto seria dizer: emitir dinheiro é uma das principais funçoes da União. Os Estados federados, o DF e , sobretudo, os municípios NÃO emitem moeda. Considero os municípios pois estamos na República Federativa do Brasil. 

    Ora, se estes entes, que também fazem parte do ESTADO ( soberano) não podem emitir moeda, podemos pensar que estamos diante de uma falácia da falácia.

    Noutras palavras, a falácia apontada pelo paper é também uma falácia, vez que não se trata de uma das principais funçoes de um Estado, mas sim, da UNIÃO, QUE NÃO É UM ESTADO OU “O ESTADO”. A união é apenas a  parte “federal” de um ESTADO.

    Além disso, nossa Federação, como todos sabem, surgem de forma centrífuga, isto é, desde a origem já escolheu os “meritocráticos” herdeiros para tocar o  projeto de formação de otários brasileiros! Brasil, ame-o ou deixe-o, seria uma outra forma mais recente do papel desse nosso “Estado”, dito de forma imprecisa pela economista de escol da terra onde nasceu ou vive. Que se vire  por lá com seus papéis higiênicos.  Aqui é outra coisa.  Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa!

    E isso não é ufanismo bobo. É partir da terra para o mundo e não o contrário. Ou será que vamos  continuar “centrifugando” também no âmbito internacional?

    Portanto, vale notar que os economistas de escol de meia tigela mesmo quando  aparentemente pretendem defender uma tese “desenvolvimentista” ( resta saber para quem) comentem sérios  equívocos. Acabam por produzir   falácias de falácias. Ou talvez, parte de percepções históricas de apenas uma parte do mundo que, obviamente, não serve como paradigma mundial.

    Saudações

  7. Troque os termos austeridade e ajuste fiscal pela

    teoria do choque da Naomi Klein e temos o mesmo fenômeno: desculpas baratas, escondidas em termos técnicos vazios, repetidos como mantras por pessoas intelectualmente insignificantes como o Tombini, para fazer a população aceitar perdas de direitos e tudo que for necessário para satisfazer o deus mercado. Uma situação absurda dessas só é possível por que nosso estado fez um trabalho muito bom de destruição da educação e agora temos uma população completamente ignorante e vulnerável aos argumentos mais imbecis que eu já ouvi. Nem precisa de muita teoria ou PhDs para entender onde a austeridade sem sentido pode levar uma nação, ou os exemplos da Grécia, Portugal e Espanha nao servem para nada?

  8. Em minha opinião

    Bom artigo, por lançar luzes de lógica óbvia e sensatez no que pareceu-me por bom tempo algo parecido com loucura (no sentido de alienação da realidade). Entretanto a cada texto da da linha em que defende A.A., parece-me que os Neoliberalistas são é muito cientes do que estão administrando.

    O que entendo por isso:

    1. No que menciona “cada queda da atividade, mais cai a arrecadação sucessivamente e, ao fim, o ajuste empobrece o País e o Estado que, para ter arrecadação, precisa ter mais e não menos atividade econômica que serve de base à taxação.” – Se não há possibilidade de receitas via tributos, mantem-se o caixa dos Governos positivo via empréstimos extremamente rentáveis ao credor e danoso à maior parte da sociedade, além de por si só enfraquecer o Estado fazendo-o crer à mercê da banca. Nesses casos de puro e simples assalto valeria lembrar aos governantes que qualquer País é mais forte do que todos os bancos juntos em conluio(*). Ameace-os com uma revisão do cálculo de juros e valor total devido da dívida pública e a eliminação da σκατά (pronuncia-se scatá) de SWAPs cambiais para ver como procurariam um acordo “que seja satisfatório à todas as partes”.

    2. “A lógica do AJUSTE FISCAL vem do mercado financeiro e é sua visão para aumentar sua garantia de recebimento da dívida pública, sem se importar com os efeitos do AJUSTE sobre a atividade econômica geral e a vida da população.” – Uma falácia juntamente com o simplismo – a gestão da economia de um país não cabe em uma frase de efeito, mas esta é facilmente assimilável e serve de publicidade a causa que é simplesmente transferir o máximo de riqueza ao credor expropriando o Estado. 

    Sobre esse último item, acredito que seja o principal problema dos nossos Governantes atuais. Decidir se a transferencia de rendimentos vai para uma minoria ou para a maioria da população. Os rentistas evidentemente tem sua escolha. Isso já ocorreu na Inglaterra nos séculos 17/18. Levaram cerca de 100 anos e algumas guerras para reverter isso. A maioria de nossa população escolheu uma melhor distribuição de rendas nas eleições e a presidenta foi eleita para isso. O Rentismo e sua face, que é o Neoliberalismo por essas razões é por natureza antidemocrático, por defender uma minoria sobre a maioria.

    A fraqueza que imputamos a presidenta Dilma e seus ministros (ah, Cardozo) é decorrente da oscilação entre essas duas linhas de pensamento economico (não exageraria chamar a mencionada austeridade como pensamento). A constatação disso está entre a nomeação de seus ministros da área. Quer coisa mais estranha que um Guido Mantega ser seguido por Levy o Breve?

     

     

    (*) se não me engano isso é mencionado em seu livro “Moeda & Prosperidade”

     

  9. Eu fico intrigado com esse

    Eu fico intrigado com esse questionamento ao AJUSTE FISCAL. Não concordo com ele pois sei que é potencializador do buraco que estamos. Mas, qual a saída?

    Sei que o André Araújo é, de certa forma, menos rigoroso com a inflação. Não tenho a mesma visão. A politica expansionista/heterodoxa/desenvolvimentista aliada a uma incapacidade total de gestão levou o país ao buraco. Podemos enumerar uma série de fatos e fatores mas, não vem aqui ao caso. O fato é que não foi o famigerado Ajuste Fiscal que nos levou ao buraco. Ele é uma consequencia nefasta de algo que veio antes.

    Partindo do principio que não há recurso (esqueça emitir moeda indiscrimadamente!!) suficiente pra tudo – programas socias, infraestrutura, crédito susidiado, etc – temos que encontrar outra maneira de ativar a economia, dentro de uma racionalidade que não envolva o tal ajuste. Precisamos urgentemente de investimento na economia, de reestabelecimento da confiança ao investidor, de regras claras e sustentaveis, de dinamizar as relações de troca e de um governo mais focado onde se faz mais necessário pra população.  Como fazer isso? De forma simplista, teríamos que passar por uma modernização da administração publica junto com um retorno maciço das privatizaçoes. Mas isso é pecado mortal nos dias de hoje. É admissível o governo quebrar a Petrobras e a Eletrobras mas não se pode vender absolutamente nada. 

    As unicas alternativas, até agora, são: Ajuste fiscal ou aposta dobrada na Nova Matriz Economica. De que lado vc está André Araújo, ou tem algo novo a propor, que não o Ajuste Fiscal?

  10. … do capítulo político-econômico Das Austeridades

    … do capítulo político-econômico das Austeridades: 

    “Minha mulher pede aos restaurantes chineses que entreguem a comida em caixas de papelão. Meus filhos atentam de perto para as mudanças climáticas. Nossa família é ambientalista: por seus critérios, sou uma relíquia antediluviana da era da inocência ecológica. Mas quem circula pelo apartamento, apagando luzes e checando se há torneiras pingando? Quem prefere consertar tudo, na era da troca imediata? Quem recicla sobras e guarda cuidadosamente papel de embrulho? Meus filhos comentam com os amigos: meu pai nasceu na miséria. Nada disso, corrijo: cresci na austeridade.

    Depois da guerra, faltava tudo. Churchill empenhara a Grã-Bretanha e exaurira o Tesouro para derrotar Hitler. O racionamento de roupas durou até 1949, a mobília barata e simples, “prática”, até 1952, o controle sobre os alimentos, até 1954.

    […]

    Racionamentos e subsídios significavam que as necessidades básicas estavam acessíveis a todos. Graças ao governo trabalhista do pós-guerra, as crianças tiveram acesso a uma gama enorme de alimentos saudáveis: leite grátis, suco de laranja concentrado, óleo de fígado de bacalhau – adquiridos somente em farmácias, depois que a pessoa se identificava.

    […]

    Todos os governos britânicos, de 1945 até meados dos anos 1960, lançaram projetos habitacionais públicos em larga escala: nenhum deu certo. No início dos anos 1950, milhares de londrinos ainda viviam nas “prefabs”: trailers urbanos para os sem-teto, esquemas supostamente temporários que não raro duravam vários anos.

    O ar na capital assemelhava-se ao de um dia ruim em Pequim; o carvão era o combustível de escolha – barato, abundante, produzido no país. O smog era um perigo perene: eu me lembro de me debruçar para fora da janela do carro, a cabeça envolta por uma névoa densa e amarela, e orientar meu pai quanto a distância do acostamento.

    […]

    Mesmo assim, desde a guerra os ricos mantiveram um perfil prudente, discreto. Naqueles anos davam raras demonstrações de consumo desenfreado. Todos pareciam iguais e usavam os mesmos tecidos: lã, flanela e veludo. As pessoas preferiam cores discretas: marrom, bege, cinza – e levavam vidas bem parecidas. […] Em abril de 1947, o eterno rabugento Cyril Connolly falava de nossas “roupas sombrias, cadernetas de racionamento e livrinhos policiais […] Londres é hoje a maior, a mais triste e a mais suja das metrópoles”.

    […]

    Olhando para o passado, da perspectiva privilegiada do presente, vemos com mais clareza as virtudes da época das vacas magras. Ninguém deseja seu retorno. Mas a austeridade não se restringia à questão econômica:  aspirava a ser uma ética pública. Clement Attlee, primeiro-ministro trabalhista de 1945 a 1951, surgira – como Harry Truman – da sombra de um líder carismático da época da guerra e personificava as reduzidas expectativas do período.

    Churchill o descreveu, ironicamente, como um homem modesto “que tem muitos motivos para ser modesto”. Mas foi Attlee quem conduziu a maior reforma da história britânica moderna – comparável às conquistas de Lyndon Johnson, duas décadas depois, embora para Attlee as circunstâncias fossem bem menos auspiciosas. A exemplo de Truman, ele viveu e morreu com parcimônia – colhendo ganhos materiais escassos numa vida inteira de serviço público. Attlee era um típico representante da grande era dos reformistas eduardianos de classe média: moralmente sério e levemente austero. Quem, entre os líderes atuais, poderia alegar o mesmo – ou mesmo entender isso?

    A seriedade moral na vida pública é como a pornografia: difícil de definir, fácil de identificar quando se vê. Representa uma coerência entre intenção e ação, uma ética de responsabilidade política. Toda política é a arte do possível. Contudo, até a arte tem sua ética. (A ética não é uma lei. Não é imposta pelo Estado. É um conjunto de normas, valores, crenças, hábitos e atitudes adotados voluntariamente – que nós, como sociedade, impomos a nós mesmos. As leis regulam o comportamento de fora para dentro. A ética regula o comportamento de dentro para fora. A ética é algo que você carrega consigo aonde for, para se guiar no que fizer). 

    […]

    A riqueza de recursos destinada ao entretenimento serve só para disfarçar a pobreza do produto; da mesma forma, na política, palavrório interminável e retórica grandiloquente mascaram um vazio entediante.

    O oposto da austeridade não é a prosperidade, mas luxe et volupté. Substituímos o comércio desenfreado pelo benefício público, e não esperamos de nossos líderes aspirações mais altas. Sessenta anos depois de Churchill só poder acenar com “sangue, empenho, suor e lágrimas”, nosso próprio presidente guerreiro – não obstante o moralismo exacerbado de sua retórica – não conseguiu pensar em nada para nos pedir, depois do 11 de Setembro de 2001, além de que continuássemos consumindo. Esta visão empobrecida de comunidade – união em torno do consumo – é o máximo que recebemos dos governantes. Se queremos um governo melhor, precisamos aprender a exigir mais dele e pedir menos para nós. Um pouco de austeridade viria a calhar.

    […]

    Exatamente três séculos depois, o governo trabalhista de Clement Attlee iniciaria o Estado de bem-estar social que garantiria aos mais pobres uma vida digna e um governo a seu serviço. Attlee nasceu em Putney e morreu a poucos quilômetros dali; apesar de uma longa e bem-sucedida carreira política, manteve a modéstia nos modos e nos recursos – em gritante contraste com seus sucessores ambiciosos e carreiristas. Ele foi um representante exemplar da grande era dos reformistas eduardianos de classe média – moralmente sério, financeiramente austero.”

    O Chalé da Memória, de Tony Judt. Trad. Celso Nogueira. Editora Objetiva, 2012.

  11. André Araújo, Rpv e jc.pompeu,
    compilação perfeita.

    A virtude está no meio: entre a “competição e a solidariedade” (Rpv).

    Seriedade moral (sem falso moralismo!) e parcimônia financeira (jc).

    “A lógica do AJUSTE FISCAL vem do mercado financeiro e é sua visão para aumentar sua garantia de recebimento da dívida pública, sem se importar com os efeitos do AJUSTE sobre a atividade econômica geral e a vida da população.” (AA)

    Post-cidadão.

  12. esse lead é  uma brilhanre

    esse lead é  uma brilhanre síntese crítica do tal ajuste fiscal.

    síntese do que   ocorre no brasil hoje e na maioria das

    economias dominadas pela banca, pela  

    financeirização da economia…..

    mais um artigo essencial do andré.

    valeu  e vale muito….

  13. A falácia do egoismo como virtude

    Parabéns pelo artigo, como sempre, “out of the box”.

    “A lógica do AJUSTE FISCAL vem do mercado financeiro e é sua visão para aumentar sua garantia de recebimento da dívida pública”

    Isso é tão elementar quanto um mais um é igual a dois. Só os cegos não veem.

    Mas o mais interessante é que por trás desta questão trivial há outras duas.

    Primeiro, e mais importante, é a ideia smthitiniana, do senso comum economicista, de que “farinha pouco, meu pirão primeiro” é uma virtude. Isto é bom porque se todos seguirem este caminho, ao final encontrão um pote de ouro, a ser repartido*… 

    Traduzindo, é uma virtude ter “agentes financeiros” que defendem com unhas e dentes seus interesses imediatos, custe o que custar, doa a quem doer. Assim, todos devem agir (e agem, naturalmente…**).

    O segundo ponto a ser destacado é o seguinte. Ao acreditar na primeira premissa, seja porque creem que o ser humano/sociedade é assim mesmo, não havendo razão para questionar uma “lei da natureza”, ou porque a teoria do Sr. Smith é cientificamente (seja lá o que isso quer dizer) inquestionável; 9 entre 10 analistas econômicos transformam-se em torcedores.

    Logicamente, torcem para quem está ganhando. Vai que… sobra umas graminhas daquele pote de ouro?!

     

    A partir disso, creio que por trás da ideia falaciosa (que serve para encobrir os interesses dos rentistas) do “Ajuste Fiscal”, não está a tese igualmente furada de que “o orçamento do Estado é identico ao familiar”. Ou melhor, acredito que por trás desta “panela furada”, há outra ainda maior. Um “caldeirão furado” – a tese da VIRTUDE DO EGOISMO. 

    O egoismo puro e uma competição sem freios é uma falácia fática e moral.

    Do ponto de vista fático, quem é pai ou mãe sabe que o ser humano não existiria se fosse puro egoismo. O mercado não existiria se fosse pura competição. Os clusters estão aí para comprovar. Qualquer dono de bodega sabe que nem sempre (e necessariamente) é bom matar seu concorrente. And so on…

    Do ponto de vista moral, como diria Aristóteles: a temperança é destruída pelo excesso e pela falta, e preservada pela mediana. “O que se abstem de todos os prazeres e não se entrega a nenhum torna-se intemperante [sem limites], enquanto o que evita todos os prazeres, …, se torna de certo modo incensível”. Em suma, o egoismo puro é a “lei do inferno”, e a pura entrega, a “lei dos céus”. Nenhuma delas diz respeito ao processo civilizatório da história da humanidade.

    Na prática, e nas teorias que a refletem (ao contrário do apressado e simplista pensamento do senso comum), deve haver um equilíbrio entre competição e solidariedade. 

    Quando a solidariedade é demais, o santo desconfia. Quanto a competição é alucinada, no final, sobra poucos para contar a história.

    Sejamos realistas, somos egoistas e solidários, não necessariamente nesta ordem.

    A falácia a ser enfrentada, porque sem base empírica e de frágil base teórica, é a virtude do egoismo. Uma tese que serve para os torcedores dos vencedores apelarem para a solidariedade (mesmo que não acreditem nela) destes últimos. Vai que… sobra uma graminha de ouro.

     

    *Ah, um detalhe, já ia me esquecendo, a divisão do pote de ouro será por ordem de chegada – por isso, boa sorte e sebo nas canelas. Obs.: se apenas um sobreviver poderá desfrutar de todo ouro do mundo – sozinho!

    ** Se “é” assim, não precisaria “dever ser” deste modo. Trata-se de uma contradição. But who cares.

    1. Gostei muito!
      Nosso egoísmo

      Gostei muito!

      Nosso egoísmo vem de nossa necessidade de consumir para existir, mas somos mais do que isso.

      Nossa cultura consumista prega um reducionismo da nossa existência, reduzindo tudo a relações de consumo, mas a vida não é só consumo! A vida também é convívio humano, troca de ideias, respeito, dignidade, criação artística e muito mais!

       

  14. você paga…
    Olha a reunião de bacana… Deixando bem claro: A trava da agiotagem com  swaps dólar X juros compromissadas funcionam assim: V = valor inicial investido; L = taxa juro letra cambio; t = taxa juros compromissada; D = cupom cambial(a tal da taxa linear informada no resultado dos leilões de swap): V +  L + D * (V +  L) – (V + D) * t Se a taxa for de 30% (confortavelmente a atual taxa média dos empréstimos livres após IRRF, IOF, custo operacional, etc) e a taxa de compromissadas for de 0,1415 ao ano: 1 + 0,30 + 0,0445 * (1 + 0,30) – (1 + 0,30) * 0,1415 Mais de 17% ao ano… E os camaradas com esse lero-lero aí… Bye.

  15. Rabo preso

    E enquanto isso, Dilminha VETOU a proposta do PSOL de auditoria na Divida Pública, gasto que consome quase a metade do orçamento do governo federal, a maior parte só para pagar juros de rolagem.

    http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/01/14/dilma-veta-auditoria-da-divida-publica-proposta-pelo-psol.htm

    Ao mesmo tempo, acena com o aumento da idade mínima da aposentadoria…

    Assim fica difícil…  

     

     

    1. Postei isso logo pela manhã

      Mas já esperava que não tivesse repercussão.

      Afinal se o Congresso aprova uma auditoria da dívida e a Presidente veta, como fica o discurso da intransponível barreira chamada legislativo, que impede o lulpetismo de governar como queria ?

      Sem o discurso pronto e decorado, os arautos do possíbilismo preferem se calar.

      1. Caraca meu

        Você confundiu uma entrevista com um paper ???

        A autora do paper é a Orsola Constantini.

        Bem que eu achei estranho a Lynn Perramore ter virado economista tão rápido. Até o ano passado ela era só jornalista e escritora. KKKKKK

  16. Os economistas do bem

    Os economistas do bem

    A ciência econômica é um ramo da ciência bastante infeliz. Para começar, muitos nem aceitam que a economia seja ciência, pois suas teorias são baseadas em hipóteses comportamentais de seres humanos que não são possíveis de replicar em um laboratório.

    É claro que, ao longo do tempo, economistas desenvolveram técnicas estatísticas para fazer experimentos controlados, por exemplo, no caso de avaliação de políticas públicas. No entanto, mesmo assim, somos ainda dependentes da famosa hipótese “tudo o mais constante” na construção dos modelos e testes empíricos. Economia não é um ciência exata. Nós economistas sabemos disso.

    No entanto, já há muita experiência acumulada e teorias que, se não explicam tudo, são bons indicadores do que se deve e o que não se deve fazer. Mesmo assim, há economistas que insistem em velhos dogmas ou buscam algo inédito, que não é necessário, para solucionar as mazelas do Brasil. Vou denominá-los aqui “economistas do bem”.

    No caso da economia brasileira, as supostas soluções mágicas são muitas. Nessa lista destacam-se a expansão do gasto público para promover crescimento, o aumento da carga tributária sobre os mais ricos e redução forçada das taxas de juros.

    Em relação à expansão do gasto público, esse remédio poderia funcionar em um país com elevado desemprego, inflação muito baixa, juros reais próximos de zero e com elevada capacidade de endividamento. Esse não é o caso do Brasil. Em apenas três anos, de 2012 a 2014, o Brasil experimentou cortes de impostos e uma forte expansão da despesa não financeira do setor público de quase 5% do PIB (incluindo aqui as pedaladas fiscais), algo próximo a R$ 300 bilhões.

    Uma autêntica política Keynesiana, cujo resultado foi um grave desequilíbrio fiscal e uma longa recessão que teve início no segundo trimestre de 2014, quando o crescimento da despesa pública estava em pleno vapor. Ao invés de despertar o espírito animal, a política Keynesiana de 2012 a 2014 despertou o medo que o Brasil replique a experiência da expansão da dívida, na segunda metade dos anos 70, seguida por uma década perdida de estagnação da renda per capita.

    No caso do aumento de impostos, a solução mágica dos economistas do bem concentra-se na criação de uma faixa nova de tributação do imposto de renda, com alíquota de 40%, e tributação dos dividendos. Nesse debate, raramente se explicita que o maior problema no caso do pagamento de dividendos, por exemplo, é a isenção dos dividendos pagos pelas empresas no regime de lucro presumido e do Simples; empresas que, muitas vezes, são constituídas por poucos sócios, sem empregados, e que têm carga tributária inferior a empresas no regime de lucro real que já pagam imposto de renda de 34% sobre o lucro, um taxa semelhante a cobrada em muitos países. Assim, tributar dividendos é possível, mas o potencial de arrecadação não será tão grande como muitos querem acreditar.

    O problema maior do Brasil hoje é que, dada a dinâmica atual do gasto público, seria necessário um forte aumento de impostos para perto de 40% do PIB nos próximos cinco anos para conciliar superávit primário de 2% do PIB com a expansão do gasto público. Isso significa a necessidade de uma receita extra de, pelo menos, R$ 300 bilhões ao ano.

    Não é preciso dizer o quão desastroso seria, dado o nosso nível de desenvolvimento, aumentar a carga tributária no Brasil para mais de 40% do PIB. Apenas países de elevada produtividade suportam carga tributária tão elevada e este não é o nosso caso.

    Por fim, há ainda a solução mágica preferida dos “economistas do bem”: reduzir fortemente as taxas de juros. As taxas de juros no Brasil são elevadas? Sim, são muito elevadas. No entanto, mesmo uma taxa de juros de 14,25%, em 2015, não foi excessivamente elevada para uma inflação que, em 2015, foi de 11%. Será que alguém estaria disposto a financiar o governo brasileiro a uma taxa de juros real “zero”?

    O que teria acontecido com a inflação, em 2015, e a esperada para 2016, se o governo tivesse mantido no ano passado a taxa de juros no mesmo valor de dezembro de 2014: 11,1% ao ano? Possivelmente, a inflação teria sido maior bem como a desvalorização do Real. No final, os juros mais baixos se transformariam em um Real mais desvalorizado, inflação maior e em uma maior parcela da divida indexada à inflação e, assim, o crescimento da dívida pública seria o mesmo ou até pior.

    Na verdade, a redução forçada da taxa de juros para 7,25% aa, em 2012, exatamente como defendiam os “economistas do bem”, nos legou inflação mais alta e taxa de juros elevadas, ou seja, não funcionou. Por que agora seria diferente? A economia não precisa ser uma ciência exata como a física para responder esta pergunta.

    A verdade incômoda é que, mesmo com a taxa de juros Selic em 14,25% ao ano, não há segurança para o financiamento da nossa imensa dívida bruta, que já é a maior do mundo entre países emergentes, e com a tendência de crescimento para perto de 75% do PIB este ano.

    Todos almejam o crescimento sustentável da renda per capita, redução das desigualdades e redução da pobreza. No entanto, os economistas do bem acreditam que mais tributação, expansão do gasto público e redução forçada dos juros resolveria o nosso grave desequilíbrio fiscal. Outro grupo, no qual me incluo, advoga um conjunto de politicas diferente que começaria com o aumento do superávit primário por meio da redução do gasto público, inclusive, com aprovação da reforma da previdência e rediscussão dos mecanismos de vinculação da receita e indexação da despesa.

    A redução dos juros seria consequência do aumento do primário e, com a queda da despesa publica (% do PIB) ao longo do tempo, poder-se-ia discutir o aumento da carga tributária para os ricos e redução de impostos indiretos. Infelizmente, não há mágica que possa resolver, rapidamente, o nosso desequilíbrio fiscal, apesar da retórica fácil dos economistas do bem.

    Mansueto Facundo de Almeida Jr é  formado em economia pela Univ. Federal do Ceará, Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e cursou Doutorado em Políticas Públicas no MIT, Cambridge (USA)

     

  17. “Gaste mais do que vc tem”
    André, faça vc mesmo um teste.

    Gaste mais do que vc tem. No fim do ano, endividado e sem dinheiro para pagar suas dívidas, desdenhe de quem lhe sugerir qq tipo de ajuste fiscal e siga gastando mais do que tem no ano seguinte.

    Veja o que acontece e nos relate, por favor.

  18. AF e Levi

    O paper, lead, artigo, escriba, comentário, novela, mensagem, oração ou cacilda a quatro de Lynn Parramore é extremamente bem vindo(a). Ficamos com esse economista de araque chamado Levi que só ferrou tudo pela frouxidão de D. Dilma e tendo ainda de suportar as análises sem noção desses articulistas de plantão, que andam pelos shoping de luxo e pelas rua dos jardins admirando a realidade brasileira.

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