Para Bandeira de Mello, liberdade de imprensa não é para fins capitalistas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Na versão paulista do Seminário “Democracia Digital e Poder Judiciário”, o professor titular de Direito Administrativo da PUC-São Paulo, Celso Antônio Bandeira de Mello, abordou o tema “Lei de Imprensa, Marco civil e direito de resposta na mídia”. Ele disse que, como cidadão, sente-se preocupado com a atuação da mídia em geral. E, por outro lado, ficou confortado com a vinda da internet, que ofereceu aos cidadãos uma oportunidade de informação muito maior do que aquela que a grande imprensa proporciona.

O texto constitucional prevê a liberdade de opinião e a liberdade de imprensa, como todos bem sabem mas, diz ele, “os dispositivos constitucionais que tratam desta matéria têm que ser inseridos, como tudo o mais na vida, dentro de um contexto constitucional”. Bandeira de Mello aponta para o fato de que a Constituição tem diretrizes nítidas e claras nesta matéria que “evocá-las é a coisa mais simples possível”.

Como exemplo citou o artigo 3º, um dos principais artigos de toda a Constituição, porque diz quais são os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. “É a partir desses objetivos que se há de entender aquele conjunto”, diz ele, enfatizando a diminuição da desigualdade social e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.  Se este é o objetivo da República Federativa do Brasil, a liberdade de imprensa e o direito de informação, “se encartam dentro deste panorama”. Ele expõe que, essa liberdade que existe para esta matéria não é para “fins capitalistas”. “Quando se fala nestas coisas o objetivo não é o fortalecimento do empresariado, não é de modo algum, e tanto não é que quando o texto constitucional coloca, lado a lado, o tema da livre iniciativa o tema da valorização do trabalho, ele realça a valorização do trabalho e não a livre iniciativa”. E explica que o texto constitucional do Brasil tem diretrizes claríssimas ao tratar da ordem econômica e social “ele nos mostra quais as diretrizes que a Constituição quis traçar”.

“Se é assim, nós temos que encarar o tema liberdade de imprensa e da liberdade de comunicação muito mais do prisma do direito do cidadão a ser informado, muito mais do prisma do direito do cidadão saber o que se passa à volta dele, do que do ponto de vista do ganho que o empresário possa ter com a liberdade de informação”, alerta. E continua dizendo que isto lhe causa estranheza, bastando ver os dispositivos constitucionais mencionados.

 

Liberdade de imprensa

Bandeira de Mello afirma que, no entanto, não é assim que o tema liberdade de imprensa têm sido tratado entre nós, “mas sim como uma forma de proteger o empresário que se dedica ao tema da comunicação e não é esta a diretriz constitucional, visivelmente”, diz ele. Tanto que quando que se diz que a censura é proibida, e de fato o é, “mas que censura é proibida?” pergunta ele, “é a censura ideológica”, responde em seguida, “não é a censura dos costumes, dos chamados bons costumes”, completa. O problema, afirma ele, “é que tudo tende a ser rotulado de censura”.

“Nós ficamos tão amargados com o período do golpe militar, que nos tirou de tal maneira a liberdade de informação, que nós ouvimos falar em censura e ficamos arrepiados”, diz, “sem perceber que nós somos a favor da censura”, arremata. Mas de quê censura e com quem exercendo, se tornam as questões verdadeiras.

Bandeira toca no tema censura e seus motivos por questões simples, segundo ele o que temos hoje é um sistema de informação em que os grandes veículos, os que foram apelidados de PIG (Partido da Imprensa Golpista), e listou grandes grupos de mídia, “que são não só os que informam, mas que formam a sociedade brasileira”, diz, afirmando que “nós temos um problema delicado que é uma tecnologia de primeiro mundo em cima da cabeça do terceiro mundo”, critica, “é fácil moldar a cabeça do povo brasileiro com uma espécie de liberdade de imprensa”.

“Liberdade de imprensa é liberdade para cinco, seis famílias, dez, se tanto? Não pode ser entendida a liberdade de imprensa como liberdade para uns poucos”, enfatiza, afirmando ser uma coisa muito mais ampla, pois que visa proporcionar às pessoas oportunidade de expor seus pontos de vista como ao povo obter informação, saber o que se passa ao seu redor, “ter elementos, portanto, de informação”.

Para ele, a internet foi a grande maravilha nesta matéria, porque as pessoas podem ter uma relação de sites que vão da extrema direita à extrema esquerda, “elas vão ao que a, b, c, z, dizem e ela vai, então, eleger a melhor informação”, expõe. “Mas nós sabemos que isto está restrito a uma camada muito pequena do povo brasileiro”, alerta, enfatizando que ainda vivemos a situação de que o rádio e a televisão, “e não aquilo que está escrito”,  são os fornecedores de informações às pessoas. A televisão, a seu ver, é a que mais faz as cabeças das pessoas, “antigamente as pessoas eram educadas pelos pais e pela escola, hoje as crianças são educadas pela televisão”, aponta Bandeira de Mello, “as novelas dão diretrizes, fazem a cabeça das pessoas e qual é o poder de resistência dos pais em relação a isso?”, pergunta ele, “é muito pequeno”, responde, “porque eles não podem criar os filhos separados de tudo o que existe no mundo ao redor deles”. Mas é um mundo em que os meios de comunicação pertencem a um número restrito de pessoas, alerta o professor, “e que não tem a menor das menores imparcialidades”, completa, “estão aí para ganhar dinheiro”.

O mensalão e a mídia

Para Bandeira de Mello, um dos piores defeitos que um homem pode ter é o de “ser mau”. E, para ele, um ministro do Supremo Tribunal Federal demonstrou ter exatamente este defeito, o de ser “mau”. “Não era apenas um homem insensível, um homem pouco equilibrado, é um homem mau”, disse ele, “um homem que não se sensibilizava pelo sofrimento, no caso era o sofrimento de José Genoino”, completa.

Mas, segundo ele, nós fomos, durante todo o julgamento do mensalão, “bombardeados por uma propaganda da imprensa tão violenta, mas tão violenta e completa, que quem pensasse de maneira diferente era um bandido”, disse,  sendo considerado “um homem que apreciava a roubalheira, ou então seria taxado imediatamente de um petista ou comunista, alguma coisa do gênero”, completa Bandeira de Mello.

“Agora que passou o ápice, dois dos mais insuspeitos indivíduos da área jurídica, dois indivíduos que militam no direito constitucional com muita frequência, Ives Gandra da Silva Martins, o homem mais insuspeito na vida de ser esquerdista e um homem que a história mostra ter uma profunda ojeriza de bater de frente com os poderes constituídos, esse homem deixa claríssimo que o julgamento do Dirceu foi feito ao arrepio do direito, sem prova nenhuma, condenado”, diz Bandeira, “ele disse isso com todas as letras”.

E mais, “depois dele se manifesta um indivíduo tão insuspeito quanto ele, de esquerdismo, que é o nosso ex-governador, mas que é um homem de bem, todo mundo sabe disso, que é o Cláudio Lembo, que também dá uma entrevista dizendo praticamente a mesma coisa a respeito desses julgamentos que não respeitam o direito”, relata Bandeira de Mello.

Fica a questão: o que os cidadãos devem dizer diante de tudo isso? Como a imprensa não descobriu isso? Ao contrário, diz ele, ela estava dizendo que agora se fez realmente justiça e que o presidente do Supremo era um grande paladino da justiça, “ao ponto de desejar que esse homem seja até presidente da República”, se espanta.

“Nós devemos crer em quê, afinal?”, pergunta-se, “nós devemos achar que as pessoas que diziam que aquilo não estava correto, quem primeiro o disse, e muito bem, foi o hoje ministro Luiz Roberto Barroso, que disse que foi um ponto fora da curva, esta frase dele resumiu tudo maravilhosamente bem”, considera Bandeira de Mello. E também se considera um cidadão e quer que o poder judiciário julgue de acordo com as leis e não de acordo com a mídia. “Neste julgamento quem condenou foi a mídia”, afirmou Bandeira de Mello,  “as pessoas parecem esquecer, de modo geral, que os juízes são seres humanos iguaizinhos aos outros, sujeitos às mesmas falências, sujeitos às mesmas pressões e que, é claro, são influenciados como todos nós somos”.

Formalismo e formalidade

“Eu fui acusado de ser um formalista do direito”, relata Mello, “uma coisa é formalista e outra é formalidade, formalidade é outra coisa e não é o formalismo jurídico”, diz,  e completa evocando Hans Kelsen, filósofo e jurista austríaco autor de Teoria Pura do Direito, “nunca fui capaz de aceitar que a falta de caráter ou que a covardia pudesse ser um critério de julgamento. Kelsen tem uma frase, absolutamente verdadeira, em que diz que o direito pertence ao mundo normativo, é o mundo do dever ser, se o indivíduo praticar tal ato deverá ser punido, então o fato de uma coisa ser não significa que deva ser, e do fato de que uma coisa deva ser não é certo que seja”

“Existe um conjunto de circunstâncias, não é o mundo do ser, é o mundo do dever ser, e são dois mundos incomunicáveis, pertencem a dois universos lógicos diferentes, são trânsitos lógicos diferentes”, explica ele, “o homem não pertence ao mundo do dever ser, ele pertence ao mundo do ser, portanto ele está encartado dentro de um conjunto de circunstâncias que invocam fatores sociais, psicossociais, psicológicos e em função deles é que reage. O homem age em função disso. O indivíduo completamente desligado disso tudo seria um louco”, completa.

A realidade do cidadão

Bandeira de Mello cita Guerreiro Ramos, grande sociólogo brasileiro já falecido, que dizia que “não existe um ponto de vista absolutamente desligado do todo e da realidade, todo nosso ponto de vista é de alguém imerso numa certa realidade, inclusive da nossa pessoa, das nossas circunstâncias pessoais”. À luz desta citação, Bandeira de Melllo lembra que o juiz é um homem comum, portanto ele está imerso neste mundo e ele é suscetível de ser atingido por tudo o que está à sua volta, suscetível de ser influenciado por uma imprensa orientada diretamente para obter certos resultados, “que foi o que aconteceu na época do mensalão. Fizeram tudo para obter a condenação dos chamados ‘mensaleiros’”, diz ele.

“Tudo isso podia não ter existido, bastava ter o Jefferson, que nunca foi alguém com credibilidade fantástica, bastava aquele homem não ter dito nada do que disse, a história continuaria”, entende Mello, “um homem cuja raiva era tão grande que levou ele dizer eu vou junto, mas ele vai”. “ Eu não estou dizendo que achava bom aquilo que ocorreu, não achava bom, eu achava errado, agora eu tenho sérias dúvidas que tenha existido o mensalão, eu acho que não existiu, acho que existiu pagamento de propina sim como sempre existiu ao longo de todos os tempos”, explica ele. E relembra um fato bem pior, no seu entender, quando deputados receberam dinheiro para votar na continuação do mandato de Fernando Henrique Cardoso, “pelo menos dois deles reconheceram que receberam propina, que foram comprados. E até um dos dois renunciou ao mandato para não ser punido”, completa.

Domínio do fato

“Aqui no Brasil existe uma coisa fantástica, inaudita, é uma realidade brasileira infelizmente, como cidadão chocado com o que aconteceu, pois eu nunca imaginei que o Poder Judiciário fosse fazer o que fez, nunca, por quê razão nunca imaginei?”, disse. Entende ainda que inverter a ideia de que se é inocente até prova em contrário, “é um atraso na história da humanidade, e isso aconteceu, Dirceu foi condenado sem provas, foram até buscar de um alemão a história do domínio do fato, que o próprio fabricante desta teoria disso que não era assim, aqui não se aplica isso, ele mesmo disse isso, mas isso não abalou a chamada grande imprensa”.

“Eu nunca imaginei que o Supremo Tribunal Federal fosse tomar o rumo que tomou, assumindo a questão da responsabilidade objetiva, só porque tinha um cargo tinha que saber, se fosse assim tinha que pegar o Lula, mas eles não tinham coragem, evidentemente, de pegar o Lula, tinham medo que ele fizesse um movimento ali que ia derrubar o Supremo, então ficaram nos dois, no Dirceu e no Genoino”, critica, “e no caso de Genoino é algo extremamente doloroso, porque Genoino é notoriamente um homem bom e pobre, além do mais. Bom e pobre. Ficou a vida inteira pobre”, lamenta.

Bandeira de Mello dá um exemplo, focando na imprensa francesa, que se o cidadão ler o jornal de direita, o Le Figaro, ou o de centro-esquerda, Le Monde, ficará informado do mesmo jeito. “Claro que um tem uma linha e outro tem outra linha, mas não é uma coisa indigna, não é uma coisa insuportável, não é um negócio que calunia as pessoas”. Bandeira afirma que todo mundo que já tentou fazer alguma coisa digna já sofreu calúnia da imprensa sendo, ele mesmo, uma vítima, caluniado pela Folha quando deu parecer favorável a Cesare Battisti, “eu fui caluniado pela Folha, por duas repórteres da Folha, e as duas me caluniaram, disseram que eu tinha assediado o ministro, que eu tinha sido contratado para assediar o ministro Carlos Brito”, relata, “e você não pode dizer isso de uma pessoa correta, digna, contratado para assediar o ministro é uma coisa horrível de dizer, além de ser uma ofensa gravíssima” e, além do mais, não se pode dizer que uma pessoa que deu um parecer de graça seja contratado para tal serviço. “Eu dei o parecer eu acho que por uma questão de dignidade, eu achei mesmo que não podiam mandar embora aquele Cesare Battisti, ele provavelmente seria morto na Itália tamanho era o ódio que eles tinham vinte anos depois”, relata.

Dizendo-se longe de ser um entendido de imprensa, afirma ter opiniões a respeito.  E sua opinião é que jornais e revistas deveriam ter uma página dedicada à educação, bem como uma página para o sindicato dos jornalistas. Vai mais longe, ao que os donos do jornal deveriam ter o direito ao lucro do jornal, mas não deveriam ter um jornal inteiro sob aquele mesmo ponto de vista. “Eu não acho que deveria ser possível a propriedade cruzada dos meios de comunicação, quem tem televisão não pode ter rádio, quem tem rádio não pode ter jornal, quem tem jornal não pode ter revista, senão nós temos impérios fazendo a cabeça dos brasileiros”, opina, considerando a internet a nossa esperança. “É muito bom ter estes acessos e se livrar um pouco deste peso esmagador desses grupos a que me referi”, diz ele. 

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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    1. Taí, o STF não quer decidir,

      Taí, o STF não quer decidir, tudo? Os blogs podiam acionar a Corte e aí a gente vai prá lá debater liberdade de imprensa.  A regulamentação da Mídia tb está parada no Congresso tanto qto estava o financiamento de campanhas.

  1. Ainda bem que quem está

    Ainda bem que quem está dizendo isso é mais um jurista e não comentarista da blogosfera… Eu vi um meme no FB que dá bem o tom do que estamos vivendo… O STF todo gradeado e embaixo tá lá… ” O STF capturou a Justiça”… é muito triste e ao mesmo tempo tão real. São só magistrados, não tem o poder e nem tinham o direito de roubar a justiça de uma nação inteira.Sim, são humanos, como todo mundo e por isso é que TENTAARAM, sim, golpear a Nação. Foram na base do se colar, colou mas FORAM… Pois bem, não colou… Tem que voltar atrás, não tem outro jeito. O país vai ficar na treva pq 11 caras não conseguem se entender… Ora, exigem tanta eficiência do Congresso com mais de 500 e o que tem a apresentar a sociedade é isso???? Ah sinto muito… Pra Corte de Justiça de Governo Popular tá muito pouco. Pra governo coxinha tá ótimo; mas para detonar um Projeto para América Latina inteira, vão ter que se esforçar mais.

  2.  
    pelo que entendi, dentro de

     

    pelo que entendi, dentro de minha simplória e ignorância, a mídia , a velha mídia, se deu bem, durante a ditadura e depois dela,

    nos somos os otários , manipulados por ele, e seus proprietários, os verdadeiros senhores do BRASIL.

    pior , ninguém faz nada com medo da tal liberdade de expressão.

    só fala , fala e mais nada, não teria alguém ai corajoso e inteligente o suficiente pra colocar estas duvidas em questão?

    ou por medo vamos ficar reféns do PIG e da censura?????

    acredito que falta é coragem , determinação e iniciativa.

  3. Concordo. A liberdade de
    Concordo. A liberdade de imprensa existe justamente para contrabalançar o exagerado poder público que as empresas adquirem em razão de fazerem propaganda, algo que muitas vezes inibe a divulgação de noticias que as mesmas consideram indesejadas. No Ano da França no Brasil o Carrefour sofreu dezenas de condenações por revistas abusivas, mas isto não chegou a ser noticiado apesar de ser um “furo”, pois o Carrefour é uma empresa de capital francês. Se uma empresa brasileira na França abusasse de seus empregados franceses isto seria notícia lá e cá. Mas ninguém ficou sabendo que, em razão da atuação do MP a pedido do TRT/SP, o Carrefour foi obrigado a pagar de mandar os empregados terceirizados abaixar as calças e levantar as camisas para deixarem o Depósito.

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