Relatório da CNV e os caminhos certos, por Miriam Leitão

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – No dia 11 de dezembro, durante as suas férias, a jornalista Míriam Leitão publicou um artigo sobre o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). A associação entre seu nome e a ditadura tornou-se mais constante com os relatos da jornalista, depois de mais de 40, sobre os momentos de tortura vividos por ela. No depoimento, Miriam Leitão dizia ainda esperar um pedido de desculpas das Forças Armadas.
 
Em sua coluna recente, elogiou o trabalho da CNV, escolhendo “o caminho mais difícil, mas mais verdadeiro”, ao listar os autores das graves violações dos direitos humanos. 
 
Acompanhe, abaixo. Para acessar a lista completa de nomes de responsáveis e autores elencados pela Comissão, acesse a segunda parte do volume I do relatório, disponível aqui. Mais especificamente da página 845 a 931.
 
A escolha certa
 
Por Miriam Leitão
 
Do seu blog
 
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) escolheu o caminho mais difícil, mas mais verdadeiro. A lista dos “autores de graves violações dos direitos humanos” começa por Humberto de Alencar Castello Branco, inclui ex-presidentes, oficiais generais e atravessa toda a cadeia de comando. Escolheu também a tese do crime contra a humanidade, uma rejeição implícita à Lei de Anistia.
 
A alternativa seria fingir que, no governo militar, os presidentes, os comandantes, os chefes nada sabiam. Que apenas os “bolsões radicais” prenderam ilegalmente, torturaram, mataram e ocultaram cadáveres. E que em instituições regidas pela hierarquia, como são as Forças Armadas, pudessem alguns sádicos fazer o que fizeram dentro de instalações públicas, sem que os superiores disso tomassem conhecimento.
 
Era mais cômodo fazer uma lista só de “ulstras” e “malhães”, mas essa escória não agiu sem o poder a ela delegado. Em um país acostumado a contornar conflitos, a CNV preferiu enfrentar a verdade como ela é. Este era o seu papel institucional, fazer um relato para a História, principalmente para os 80 milhões de brasileiros que nasceram após o fim da ditadura. O que o país fará com o relatório já é outra etapa desta tarefa inacabada de reencontrar o passado. Mas escamotear a verdade e se curvar à versão dos militares não era uma opção.
 
Atravessar as mil páginas do relatório não é agradável. É importante. Há relatos terríveis, descrições de torturas e testemunhos que levantam pistas sobre mortos e desaparecidos. Há o silêncio eloquente de pessoas como o hoje coronel Wilson Machado. Ele era capitão quando tentou explodir estudantes no Riocentro, em 1981. Fracassou, felizmente. Mas ele foi perdoado com base na Lei da Anistia de 1979. Está aí a maior aberração: nenhuma anistia pode alcançar um crime futuro. O Superior Tribunal Militar encerrou o caso, decretando que deveria recair sobre o crime “o manto do perpétuo silêncio”. Machado foi condecorado em 2001 pelo Exército, o que prova que os comandantes ainda concordavam com ele ao fim do governo Fernando Henrique.
 
A Lei da Anistia é controversa. Alguns a defendem, outros dizem que ela foi a opção possível, em pleno ditadura. A CNV, com um único voto contrário, considerou que a violência e o terrorismo de Estado de 1964 a 1985 foram “crimes contra a humanidade”. Desta forma, ela se alinhou ao entendimento de organismos internacionais de direitos humanos, que cobram do Brasil esclarecimentos e punições.
 
A presidente Dilma Rousseff falou em respeito aos “pactos” num apoio implícito à manutenção da Lei da Anistia, mas quem decidirá isso não será o Executivo. A Justiça até agora manteve a vigência da Lei. A CNV foi pelo caminho mais atualizado, o da justiça de transição, que considera esses crimes imprescritíveis, e não reconhece anistias autoconcedidas por poderes autoritários.
 
O relatório diz que as violações aos direitos humanos foram “determinadas, permitidas e controladas” pelas cadeias de comando e que os crimes se deram de forma sistemática. O coordenador da Comissão Pedro Dallari me disse que se sente pessoalmente frustrado por ter apenas três corpos e uma pista a entregar às famílias dos mortos e desaparecidos. Uma das razões foi a falta de cooperação de quem tem as informações.
 
A primeira recomendação da comissão é que haja o “reconhecimento pelas Forças Armadas de sua responsabilidade pela ocorrência de graves violações de direitos humanos”. Passaram-se 30 anos desde o fim do regime. Ainda que tarde, é o que deveria acontecer.
 
***
Todos os volumes do Relatório da CNV podem ser baixados na reportagem: “O Brasil merecia a verdade”, disse Dilma com o relatório da CNV
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. Postura questionavel !

    Ela se consolidou em dos sistemas de poder deixados pela ditadura (imprensa e mercado que financia campanhas para defender interesses de grupos economicos  ) paa depois contar a sua história, postura eticamente questionável, colocar o ministro que nao participou da repressao na parede.  

    1. Calma da uma chance para

      Calma da uma chance para ela.

      Ela só ta fazendo o que o PHA e o Franklyn Martins  e a Tereza Cruvinel ou   seja ganhando dinheiro na Globo.

      Talvez depois que sair dela ela possa criar um blog e sair falando mal da Midia como eles…rs 

  2. Regime militar congresso democratico

    A alternativa seria fingir que, no governo militar, os presidentes, os comandantes, os chefes nada sabiam. Que apenas os “bolsões radicais” prenderam ilegalmente, torturaram, mataram e ocultaram cadáveres. E que em instituições regidas pela hierarquia, como são as Forças Armadas, pudessem alguns sádicos fazer o que fizeram dentro de instalações públicas, sem que os superiores disso tomassem conhecimento.

     

    Troque-se os agentes desta acusação, pelos agentes responsaveis pelos escadalos de corrupção, principalmente da Petrobras e a posição dela fica bem clara.

     

    As alternativas seria fingir que, no governo federal, na presidencia da petrobras, os comandantes, os chefes nada sabiam. Que apenas os subalternos roubaram e desviaram recursos ilegalmente. E que instituições regidas pela hierarquia, como o governo federal, pudessem alguns subalternos fazer o que fizeram dentro das instalações públicas, sem que os superiores tomassem conhecimento.

    1. conde analogia furada a sua

      conde analogia furada a sua heim?

      os crimes citados pela Miriam ocorrem em uma ditadura, hoje por acaso vivemos em uma?

      ela nao precisa fazer esse malabarismo todo para considerar o governo culpado por desvios da petrobras pois hoje nao temos ditadura nenhuma e a  Dilma à epoca dos fatos nao só foi ministra como tomou parte do conselho da empresa para determinados assuntos segundo consta, entao menos né? rs

  3. Milhares de pessoas sao e

    Milhares de pessoas sao e estao presas em condiçoes sub humanas HOJE no pais.

    As condiçoes de higiene, de garantia a sua integridade fisica, são dignas das prisoes da russia czarista.

    Essas pessoas sao molestadas sexualmente a qualquer hora que seus algozes desejem, e sao espancadas e torturadas ora pela policia ora pelos colegas de cela e tudo isso EM UM SUPOSTO REGIME DEMOCRATICO DE DIREITO onde inumeras ongs vivem enchendo a boca para falar de direitos humanos nao respeitados no passado.

    A conclusao que podemos tirar seguindo a logica da tal Miriam e da esquerdalha cinica é que TODOS OS GOVERNOS CIVIS ( O DEUS LULA INCLUSO ) são responsaveis diretos por isso e devem responder legalmente.

    Anos atras ( e isso ocorre no pais todo )um cara que foi recolhido na carceragem do Deic foi morto pelos colegas, furaram os olhos dele  depois de atentado ao pudor contra o rapaz, e encheram a boca dele de papel higienico ” usado ” e ele estava sob custodia do estado certo?

    Pois o entendimento que tortura é crime imprescritivel NAO TEM DATA NAO…rs

     

  4. contradição!


    Por que a miriam leitão não exige da globo um pedido de desculpa, será que tem medo de ser demitida?Já que com certeza ele sabe que a globo deu apoio total a ditadura, é incrivel como ela nem cita o nome dos marinhos! Se fosse alguem do PT ele estaria criticando.

  5. Puta hipocrisia nesse

    Puta hipocrisia nesse país.

    Não se resolve crimes do Estado contra pessoas que acontecem diuturnamente pelo país afora e querem corrigir o que o Estado fez há quarenta anos atrás.

    Daqui a 40 anos vão condenar todo mundo também pelo que acontece em Pedrinhas ?

    E os filhos do Amararildo ( e de tantos outros ), serão recompensados daqui a quarenta anos ?

    E o Igor Mendes, que é um preso político atualmente ?

    E o Fábio Hideki ?

    Repito, puta hipocrisia.

     

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