Tortura em Brasília: Ao caçar coelhos, mataremos a borboleta azul!, por Lenio Luiz Streck

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Consultor Jurídico – Conjur

Tortura em Brasília: Ao caçar coelhos, mataremos a borboleta azul!

Por Lenio Luiz Streck

Lá pelos anos 70, atormentados por uma superpopulação de coelhos, os ingleses adotaram uma política tão bem-intencionada quanto equivocada, que culminou com a extinção da borboleta-azul no sul do país (essa metáfora é utilizada em outro contexto por Monica Baumgarten de Bolle para descrever o governo Dilma). Achei a metáfora interessante. Os ingleses queriam se livrar dos coelhos. Uma infestação inédita de coelhos ameaçava os prados verdejantes e as plantações das fazendas da região, levando os produtores a declarar que uma crise ambiental estava prestes a ocorrer e a pedir socorro ao governo. Para evitar um massacre possivelmente infrutífero de coelhos, já que a taxa de reprodução dos animais é quase inigualável na natureza, as autoridades encontraram uma solução “brilhante”.

Inocularam os bichinhos com o vírus da mixomatose, uma doença que ataca, sobretudo, os coelhos, deixando-os letárgicos, mais suscetíveis aos seus predadores naturais, menos inclinados a se reproduzir. Inicialmente, o experimento foi um sucesso. A população de coelhos caiu vertiginosamente, preservando as plantações e evitando a temida catástrofe.

Contudo, a estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções, como diz o famoso aforismo.

Com menos coelhos a mordiscar a vegetação, ervas daninhas proliferaram e a grama cresceu mais do que o normal. O crescimento da grama acabou aniquilando a população de um tipo de formiga que só sobrevivia alimentando-se da grama mais baixa. Infelizmente, esta formiga tinha laços estreitos com a borboleta azul, carregando seus ovos para o formigueiro e cuidando de suas larvas até que se tornassem lagartas adultas.

Sem a proteção das formigas, os ovos da borboleta azul ficaram expostos aos predadores. Um dia, a borboleta azul sumiu para sempre do sul da Inglaterra.

E assim pode ocorrer no Brasil. Juízes e membros do Ministério Público, sob pretexto de cumprir a lei e proteger o patrimônio público, estão tomando medidas que podem matar a borboleta azul, que aqui, na minha metaforização, é a democracia.

Com efeito, leio que o juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, determinou o uso de técnicas de tortura para “restrição à habitabilidade” das escolas, com objetivo de convencer os estudantes a desocupar os locais. Entre as técnicas estão cortes do fornecimento de água, luz e gás das unidades de ensino; restrição ao acesso de familiares e amigos, inclusive que estejam levando alimentos aos estudantes; e até uso de “instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono” dos adolescentes. A decisão é do último domingo (30/10). Li a decisão e fiquei pasmo. Um juiz da infância e da juventude decidir desse modo?

O juiz ainda ressalta que tais medidas ficam mantidas, “independentemente da presença de menores no local”. “Autorizo expressamente que a Polícia Militar (PM) utilize meio de restrição à habitabilidade do imóvel, tal como, suspenda o corte do fornecimento de água; energia e gás (…) restrinja o acesso de terceiro, em especial parentes e conhecidos dos ocupantes (sic)”, determinou Oliveira.

O magistrado determina ainda a identificação de todos os ocupantes e que a PM observe uma eventual prática de corrupção de menores no local. A determinação para reintegração de posse das escolas é imediata, demandando apenas que a polícia efetive o reconhecimento dos locais, conheça o número de ocupantes e disponibilize efetivo para a ação.

Reproduzo as palavras do advogado Renan Quinalha, que auxiliou os trabalhos da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, a decisão é absurda e legitima técnicas de tortura contra estudantes nas escolas ocupadas.

“É uma reedição de técnicas de tortura. São considerados meios mais amenos, por assim dizer, por que não tem violência direta, mas isso agride física e mentalmente os estudantes. Visa criar o caos entre os jovens. Não é para convencer. É autoritário e violento”.

Pronto. A noticia é auto explicativa. Estamos indo com sede ao pote no e do autoritarismo. Vamos ao moinho e poderemos perder o focinho. Já não se respeitam nem os adolescentes estudantes. Quem será o próximo? A Constituição nada vale? Proteção à criança e do adolescente? Alguém leve, urgentemente, o ECA para o juiz de Brasilia. Tenho medo que usem gás lacrimogênio. Sim, consta que os adolescentes saíram pacificamente dia 1. Também, pudera. Saíram com medo de serem chicoteados. Provavelmente seria a próxima medida.

Democratas de todos os matizes: unamo-nos. Não deixemos a borboleta azul morrer. Por vezes não damos bola para as formigas, porque queremos liquidar com os coelhos. Mas as formigas podem ser as causadoras da morte da borboleta. Mas, de onde surgiram tantas formigas?

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Excelente analogia.

    Realmente quando se bloqueia uma manifestação social pacífica de estudantes que só querem melhores condições de ensino o que resultará?

  2. Fascismo em voga

    É o fascismo em ação. Seria interessante que todos voltassem à história não tão antiga assim para entender o que está acontecendo no Brasil aos olhos de ‘doutores’ em isso e aquilo. Leiam com detalhes a história da Itália mussoliniana (tem até filmes bem esclarecedores sobre a época) antes do seu envolvimento na Segunda Guerra com suas tropas de fascistas camisas pretas invadindo casas, restaurantes populares e outros locais  para chicotear e perseguir trabalhadores, estudantes, políticos (muitos depois assassinados) e entenderaão onde estamos. A propalada modernidade por aqui está apenas nos meios eletrônicos.

  3. Para o sistema ficar

    Para o sistema ficar completo, faltou descrever que primeiro cassaram indiscriminadamente as raposas,

     veio daí a proliferação dos coelhos.

    Mostrando que caçar indiscriminadamente raposas, não faz bem a democracia.

  4. tortura por métodos “não violentos” no Brazil ?!?!?

    Se a pratica de abordagem e investigação atinge os limites da imoralidade (prisão sem crime), coesão sob pratica de tortura fisica, mortes injustificadas, etc, etc,  Imagine-se um juiz autorizando “alguns métodos não convencionais” de reintegração.  

    Se houver morte, não há duvidas, o militar será imediatamente absolvido sob a justificativa do cumprinento do dever. E estamos ditos!

  5. Que vai se fazer né ???
    O

    Que vai se fazer né ???

    O povo apoiou esses cretinos, agora vão bater nos filhos deles para ver se eles aprendem.

    Aperta mais 4, 5 e confirma que tá pouco !!!

    Zé povinho cretino !!!

     

  6. Talvez o juiz e o bacteriologista sejam mal intencionados

     

    Lenio Luiz Streck,

    É verdade. Sem crianças não há festas de aniversários e sem festas de aniversários não há compra de presentes e sem compras de presentes não há crescimento do PIB.

    Agora, aproveito o comentário mais para dar um conselho, não confie muito nas histórias contadas pela direita. Eles inventam muito para que o modelo deles possa caber em qualquer lugar.

    O texto da Monica Baumgarten de Bolle, publicado no jornal Folha de S. Paulo de quinta-feira, 30/07/2015, intitulado “A morte da borboleta azul” pode ser visto no seguinte endereço (acessível para quem se cadastra):

    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monica-de-bolle/2015/07/1662171-a-morte-da-borboleta-azul.shtml

    A verdadeira história sobre as borboletas azuis, ou a mais plausível história sobre as borboletas azuis pode ser vista no seguinte endereço:

    http://www.independent.co.uk/environment/nature/the-butterfly-that-came-back-from-the-dead-ndash-thanks-to-the-red-ant-1706023.html

    Pelo texto, publicado no jornal inglês The Independent, de segunda-feira, 15/06/2009, e cujo título em inglês é “The butterfly that came back from the dead – thanks to the red ant”, vê-se que a praga que dizimou os coelhos, a mixomatose, ocorreu na década de 50, mais como uma praga natural. Ou no máximo, a se considerar o que foi publicado no The Telegraph de segunda-feira, 04/08/2016, no texto de autoria de Danny Boyle, intitulado “Running wild, the disease-resistant rabbits ruining farmers’ crops as population soars by half”, tratando da nova retomada dos coelhos selvagens na Inglaterra, a mixomatose foi introduzida ilegalmente por um bacteriologista que queria que sua propriedade particular ficasse livre da peste dos coelhos na França de onde se espalhou. O endereço da matéria de Dannu Boyle no The Telegraph é:

    http://www.telegraph.co.uk/news/2016/08/04/running-wild-the-disease-resistant-rabbits-ruining-farmers-crops/

    Agora há que se considerar que a esses desmentidos da história de Monica Baumgarten de Bolle foram publicados em jornais de direita e são tão confiáveis como a história dela.

    De todo modo, os inglês são prodigiosos em história e pode ser que a Monica Baumgarten tenha usado a história sem má intenção. Lembro que uma vez um colega falou de teses absurdas que foram desenvolvidas naquele país. Uma delas intitulada “A importância das solteironas inglesas no moral da marinha britânica” demonstrava que as solteironas inglesas criavam gatos que comiam ratos que impediam o florescimento das gramíneas e a polinização pelas abelhas e assim as ovelhas não poderiam crescer nem se reproduzir o que levaria ao definhamento da marinha britânica, salva, portanto, pelas solteironas inglesas. É bom que se diga que esse colega era loroteiro e eu nunca levei a sério a história dessa tese.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 04/11/2016

  7. Sugestão

    Já que o objetivo de Temer é dobrar os estudantes à sua vontade, dou uma sugestão.

    Assim, como ele está fazendo, reprimindo, não apenas não conseguirá, como quando estes jovens chegarem à idade de votar serão ferrenhos opositores da política reaça de Temer. Com a repressão, Temer vai dar mais força ainda para as esquerdas.

    A minha sugestão é a seguinte:

    Que Temer coloque militares para dar aula! Substitua os professores civis, por professores militares. Os alunos terão ordem unida, aprenderão a dizer “sim senhor”, e terão acesso apenas a visão de mundo dos reaças.Os militares fariam uma lavagem cerebral nos alunos e estes de boa vontade aclamariam “seu presidente” por seu “heroísmo”.

    Assim, não precisarão ficar maltratando os alunos, e tudo ficará mais “pacífico e harmonioso”.

  8. “Juízes e membros do

    “Juízes e membros do Ministério Público, sob pretexto de cumprir a lei e proteger o patrimônio público, estão tomando medidas que podem matar a borboleta azul, que aqui, na minha metaforização, é a democracia.”

    E desde quando essa gente tá preocupada com a democracia? A grande maioria dos juízes e de membros do ministério público está cagando e andando para a pobre coitada!

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