Ucrânia e Venezuela: lutar com palavras, por Rodrigo Vianna

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Enviado por Pedro Penido

Do Escrevinhador

Ucrânia e Venezuela: lutar com palavras

Por Rodrigo Vianna

Não se trata de poesia. Mas de política. A edição da “Folha” desta sexta-feira é mais uma demonstração de que a batalha nas ruas de Kiev ou Caracas não é feita só de coquetéis molotov, bombas e fuzis. A batalha se dá na mídia, na TV, na internet, nas páginas envelhecidas dos jornais. São Paulo, Caracas, Kiev, Moscou e Washington. A batalha é uma só. 

Reparemos bem. Acima, temos a primeira página do jornal conservador paulistano – o mesmo que apoiou o golpe de 64 e emprestou seus carros para transporte de presos durante a ditadura militar. Na capa da “Folha”, ucranianos escalam uma montanha de entulho no centro de Kiev, e a legenda avisa: “Manifestantes antigoverno usam pneus e entulho para montar barricadas…” Logo abaixo, uma chamada sobre reintegração de posse em São Paulo: “Em SP, invasores destroem imóveis do Minha Casa”. Numa página interna, o jornal informa que esse “invasores resistiram e, até a noite, praticavam atos de vandalismo”. 

Ucranianos não praticam “vandalismo”. São tratados de forma heróica. Ainda que se saiba que parte dos manifestantes em Kiev tem um discurso racista, próximo do nazismo. Brasileiros são “vândalos”. Ucranianos são “manifestantes”.

Mas sigamos adiante. Nas páginas internas, a “Folha” traz vários textos do enviado especial a Kiev. Num deles, o repórter mostra uma pequena fábrica para produção de coquetéis Molotov, dentro do Metrô de Kiev. O cidadão que produz as bombas é descrito assim: “Sem afiliação a partidos ou uma proposta ideológica clara, o cidadão diz ter sido atraído pela praça e pelas manifestações a partir da ideia de que é necessário mudar o sistema político na Ucrânia.”

Mudar o sistema político. Hum. Não fica claro se o cidadão quer uma ditadura. A Ucrânia não é uma democracia? O governo não foi eleito pela maioria? Hum… “Sem afiliação a partidos” – essa parece ser a chave para legitimar tudo nos dias que correm. A CIA, os EUA, a CNN, a Folha não tem filiação a partidos. Não. Nem o nobre manifestante de Kiev.

Ao lado da reportagem sobre os molotov, um texto opinativo assinado por Igor Gielow (sobrenome “eslavo”, muito bom! Isso dá credibilidade ao comentário). Basicamente, Gielow diz que a crise na Ucrânia é “reflexo da estratégia de Putin para a região”. Ele não está errado. Pena que esqueça de contar uma parte da história. “O importante não é o que eu publico, mas o que deixo de publicar”, dizia Roberto Marinho.

Gielow e a “Folha” ensinam: Putin é um líder malvado, que pretende manter na Ucrânia “a esfera de poder dos tempos imperiais e soviéticos”. Aprendam: só a Rússia tem interesses imperiais na Ucrânia. Do outro lado, há cidadãos sem afiliação partidária, lutando contra um insano governo pró-Moscou.  Os EUA e a Europa não têm interesses na Ucrânia. Só Putin. A culpa é dos russos.

Na “Folha” luta-se com as palavras muito antes da manhã começar. Luta-se com as palavras em Kiev, em São Paulo, Moscou. Washington fica invisível. E toda a estratégia passa por aí. O poder imperial só existe por parte da Rússia. Washington não tem qualquer projeto imperial: nem na Ucrânia, nem na Síria, nem tampouco na América Latina…

Falando nisso, a cobertura sobre a Venezuela é também grandiosa no diário da família Frias. Declarações de Maduro aparecem entre aspas. Velho truque jornalistico para desqualificar, colocar no gueto da suspeição, qualquer fala dos chavistas. Segundo a Folha, o governo de Maduro afirma que o movimento (golpista? Isso a Folha não diz) é uma armação de “forças de ultradireita da Venezuela e de Miami”. No texto original a expressão está assim, entre aspas. Por que? Para dar a impressão de que Maduro é um lunático, e que não há forças de ultradireita lutando nas ruas. Não. Há só “estudantes” e “manifestantes” (e agora sou eu que coloco entre aspas).

A legenda da foto acima (também publicada pelo jornal conservador paulistano) diz: “Estudantes queimam lixo em atos contra Nicolás Maduro”. Primeiro, como se sabe que o sujeito é um “estudante”? Depois, reparem que queimar lixo na Venezuela é “ato contra Maduro“. Queimar prédios em desapropriação, em São Paulo, vira “vandalismo”.

Em Caracas não há “vândalos”.

Ao lado da foto, um texto assinado por repórter (que está em São Paulo!!!!!) narra  roubo de equipamento da CNN em Caracas: “o ataque à CNN se assemelha a inúmeros relatos de motociclistas intimidando manifestantes, com tolerância e até respaldo das forças de segurança do governo”. O roubo ocorreu em manifestação da oposição. Mas o roubo certamente é coisa dos chavistas. Claro. Nem é preciso ir até Caracas pra saber (registro a bem da verdade factual que o repórter – a quem conheço, ótima pessoa – foi correspondente em Caracas).

No mesmo texto (assinado, de São Paulo) os grupos que defendem o governo são chamados de “milícias”. Ok. Já estive em Caracas cinco ou seis vezes. E há grupos chavistas que se assemelham mesmo a milícias. Mas do lado da oposição há o que? Não há milícias? A turma de Leopoldo, que deu golpe em 2002, é formada por cidadãos inocentes. E só.

Quem lê a “Folha” aprende que, em Caracas,  há de um lado “milícias chavistas”. De outro, só “estudantes” e “manifestantes”. 

Não há neutralidade no uso das palavras. Nunca houve. Nunca haverá. E quanto mais agudas as crises, mais isso fica claro. Há escolhas. A “Folha” faz as suas. A CNN, a Telesur, a VTV – ou esse blogueiro. A diferença é que uns assumem que têm lado. Outros fingem que estão “a serviço do Brasil”. 

Lutemos, com as palavras. Não há saída. O outro lado luta todos os dias, todas horas.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. As folhices da Folha

    Já disse, a Folha continua fazendo as suas folhices. Nada mais.

    Querem mais uma? Bem provinciana, mas com o mesmo (péssimo) cárater?

    Depois que o Haddad entrou na Prefeitura, a Folha começou a se interessar até por reformas de calçadas. Sim! Isso mesmo. Reforma de calçadas.

    Um belo dia um repórter da Folha se deparou com esta cena em uma calçada da Zona Norte

    estruturas

    Foi o bastante para que a Folha fizesse uma reportagem (tbm repercutida pela, acreditem, Carta-Capital) dizendo que o Haddad estava fazendo uma calçada “anti-mendigo” aos moldes de SerraKassab.

    Simples assim.

    Enfim a obra está quase finalizada, e a outrora degradada calçada está ficando assim:

     cruzeiro 3 

    Revitalização de avenida confunde a imprensa

    Da SpressoSP

    “Folha” chegou a noticiar que o local tinha recebido “pisos antimendigos”, mas trata-se, na verdade, da construção de um jardim e uma ciclovia

    Da Redação 

    Moradores de rua que dormiam na região foram encaminhados para abrigos da prefeitura. (Foto:   Secretaria Executiva de Comunicação)

    Moradores de rua que dormiam na região foram encaminhados para abrigos da prefeitura. (Foto: Secom)

    A prefeitura de São Paulo está realizando a revitalização da Avenida Cruzeiro do Sul, na zona norte, no trecho entre a rua Coronel Antônio de Carvalho e a avenida General Ataliba Leonel, por onde passa a linha 1-Azul do metrô.

    O local, com cerca de 650 metros, receberá gramado, ciclovia, passeio para pedestres e reforço de iluminação. Apenas no trecho de 30 metros localizado em frente à estação Carandiru do Metrô o espaço recebeu paralelepípedos.

    Foram colocadas também pequenas barreiras junto aos pilares para proteger os grafites, que são de autoria de artistas do Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU).

    O jornal “Folha de São Paulo” noticiou na quinta-feira (20) a intervenção no local, dizendo que a prefeitura estava colocando “piso antimendigo”.

    A revitalização do local, no entanto, tem um propósito exatamente oposto. Equipes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), antes do início das obras, abordaram os cerca de 450 moradores de rua que dormem na região para encaminhá-los aos abrigos da prefeitura; desses, 429 aceitaram o encaminhamento.

    Na região, existem quatro Centros de Acolhida municipais voltados especificamente para pessoas em situação de rua.

    A obra completa de revitalização da Avenida Cruzeiro do Sul deve ser concluída em março.

     

  2. Manifestantes ou vândalos, eis a questão…

    Precisamos deciddir se são “vandalos” aquelas pessoas  danificaram apartamentos do conjunto residencial Minha Casa Minha Vida. Se o jornal os chamassem de “manifestantes políticos” , supostamente o blogueiro não iria concordar também com a Folha. Famílias que invadem aptos. de projeto habitacional do governo federal acusados de atos politicos? Nesta não havia saída para agradar os desafetos do jornal de “papel velho”.

    1.  
      Resumo do resumo, não

       

      Resumo do resumo, não existe realidade na mídia tudo é uma questão do que os seus donos querem mostrar e do que eles preferem esconder

  3. Caracas

    Entendo o Viana

    Nada daquilo que se passa na Venezuela é real.

    É tudo um jogo de palavras….alias aquelas milhares de pessoas, diria até milhões, são um bando de débeis mentais alienados e subjugados aos interesses da mídia.

    Eles não tem problemas. Afinal falta de papel higênico se resolve com “obrar menos” 

    Conforme o Lula: “Tem democracia até demais na Venezuela”

    Conforme Kirschner: “a oposição, depois de perder as eleições devera ajudar o partido vencedor.”

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador