Cartórios a serviço da segurança jurídica, por Marco Aurélio de Carvalho

A história dos cartórios geralmente é contada com muitos mitos, lendas e com pouquíssimos fatos. Compreensível. Ninguém reserva uma manhã ensolarada para reconhecer firmas, e não há quem recolha taxas e emolumentos sorrindo.

Cartórios a serviço da segurança jurídica

por Marco Aurélio de Carvalho

O presidente Jair Bolsonaro corre contra o relógio para viabilizar um partido, Aliança pelo Brasil, com o qual possa disputar as eleições municipais deste ano. Fundamental para o seu ambicioso projeto político.

Tarefa complicada entretanto. É preciso reunir 500 mil assinaturas e levá-las ao crivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em média, o processo demora 40 meses. Bolsonaro conta com pouco menos de quatro. Para chegar lá, ele vem se aventurando por mares nunca antes navegados. Primeiro pensou em usar assinaturas digitais, mas desistiu diante de obstáculos jurídicos. Agora ele tenta usar um atalho ao reconhecer firma das fichas de filiação previamente, antes de enviá-las ao TSE.

A manobra tornou-se tema de uma grande polêmica, pois há quem tenha enxergado conluio dos bolsonaristas com a atividade notarial, em especial com uma de suas respeitadas entidades representativas. É preciso fazer algumas ponderações antes de se chegar a conclusões equivocadas.

A história dos cartórios geralmente é contada com muitos mitos, lendas e com pouquíssimos fatos. Compreensível. Ninguém reserva uma manhã ensolarada para reconhecer firmas, e não há quem recolha taxas e emolumentos sorrindo. Inclusive por não se darem conta de que parte expressiva destes valores é destinada a importantes fundos de manutenção de relevantes atividades estatais.

Para esquentar ainda mais o caldo, vez ou outra, os titulares de cartórios são apresentados como ricos donatários que ganham milhões para… carimbar papéis. O que desconsidera por completo dados e fatos que comprovam exatamente o oposto. Parte expressiva da atividade é mantida por fundos criados pelos próprios cartórios, e outra parcela significativa tem ganhos muito abaixo do que se especula. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem dados detalhados a respeito.

Fiscalizada de forma rigorosa pelo Poder Judiciário, a atividade é exercida por particulares colaboradores da administração pública que inclusive se submetem a duríssimos concursos públicos.

Talvez o desconhecimento explique, pelo menos em parte, a celeuma em torno do trabalho dos tabeliães no processo de criação do partido de Bolsonaro.

O fato é que, apesar das marcas do passado, os cartórios se modernizaram e hoje dão uma enorme contribuição para elevar a segurança jurídica dos negócios no Brasil. Contribuem decisivamente para desafogar o judiciário e prestam serviços públicos indispensáveis: registro civil, usucapião e divórcio simplificados, escrituração de imóveis, transferência de veículos, protesto de títulos e inúmeros outros importantes serviços. Como já se disse, tudo isso é feito com supervisão direta do poder público, a quem os cartórios devem prestar contas regularmente.

Caberá ao TSE decidir se o atalho encontrado por Bolsonaro pode ser usado. É preciso esperar. De qualquer forma, pode ser que a equipe encarregada do processo de criação do partido, Aliança pelo Brasil, tenha descoberto uma nova utilidade para os serviços notariais, que não deixa de ser uma valiosa contribuição para o fortalecimento da nossa democracia.

O que os cartórios têm feito nesse caso não é nada além do que fazem todo dia: reconhecer firmas. Erros eventualmente podem ter sido cometidos. E devem ser rigorosamente punidos. Pelo bem da própria atividade.

Mas não é todo dia que alguém aparece com 500 mil assinaturas para validar. As entidades que representam os cartórios de notas precisaram se organizar rapidamente para orientar seus 9 mil associados, que estão presentes em 24 estados, em pequeníssimas cidades e capitais.

Uma frente de partidos de oposição ao governo Bolsonaro formulou uma representação ao Conselho Nacional de Justiça apontando a impropriedade desse trabalho feito pelos cartórios. Pode ser uma boa oportunidade para se discutir o assunto com mais frieza. Há quase uma centena de partidos em processo de formação no Brasil, e não é o caso de se discutir aqui se são muitos ou poucos. Criar partidos, quantos forem, é um direito garantido pela Constituição. Mas sabe-se que um direito só é pleno quando acompanhando das condições para que se materialize. No caso dos partidos, os cartórios podem ter uma grande contribuição a dar.

Artigo publicado originalmente na Análise Editorial.

Marco Aurélio de Carvalho é advogado e sócio-fundador do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados. Membro integrante do Grupo Prerrogativas e associado fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), é especializado em Direito Público e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É coordenador geral do Grupo Prerrogativas. Veja todos os posts de Marco Aurélio de Carvalho.

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Esta matéria foi gloriosa !!! Mostrou a Defesa dos Feudos Parasitários Tupiniquins. CARTÓRIO? Eu quero um pra mim !!! PEDÁGIOS? Eu quero um pra mim !!! RADARES? Eu quero um pra mim !!! Vou colocà-lo na Ponte das Bandeiras com velocidade de 30 Km/h. É para segurança do trânsito. Enquanto numa moto de 150 Kg trafega a um metro de carreta de 70 toneladas. O que pode dar errado?!! CARTÓRIOS para o bem da Cidadania Brasileira? E não sabíamos disto !!!! Igualzinho ao DPVAT. Como acabar com tão importante e “IRRISÓRIA” contribuição do Cidadão Brasileiro. Um pequeno sacrifício, apenas. Cobrança Pública para Enriquecimento Privado, você não concorda, Bivar? Bastou um pouco de luz, sobre a escuridão golpista para enxergamos os cheques migrando para Contas do Judiciário e STF. Coincidência, apenas. Sabemos. Assim como é apenas coincidência amantes e bordéis judiciários financiados por imprescindíveis Reconhecimentos de Firma e Cópias Autenticadas. Defensores da Cidadania, dizem. Tudo coincidência. Afinal Somos a Pátria das Coincidências. Pobre país rico. Falta dinheiro para que? E para quem? Caro Advogado, por que não escreve exigindo ‘transparência’ e ‘eleições diretas totais’ na OAB? Mas de muito fácil explicação.

    1. O Brasil é SURREAL !! SEGURANÇA JURÍDICA é o termo !!! E eu que pensava que era só para garantir Lucros Astronômicos Privados das Empresas Estatais que haviam sido privatizadas com o Dinheiro Público do BNDES? Não é somente isto. Vejam os Postes de Rede de Energia Elétrica com milhares de fios pendurados, de Energia, Telefonia, Internet e outros serviços. Tudo dividido sem incomodar Autoridades. Mas usar a Rede Elétrica para vender o excesso de Energia Elétrica produzida por Consumidores Particulares em Micro Estações Solares, isto não pode !!!! Para isto as Privatarias precisavam de Segurança Jurídica !! A RODOVIA RAPOSO TAVARES SP 270 foi privatizada há 23 anos. Contrato assinado e Mario Covas esbravejando, que em 4 anos no máximo, estaria duplicada e remodelada. PEDÁGIOS EXTORQUINDO em apenas 6 meses depois do contrato. E 23 ANOS DEPOIS, a maior Rodovia Paulista, ainda espera por DUPLICAÇÃO no trecho contratado entre São Paulo e Sorocaba. E Você Cidadão Brasileiro pode entrar na Justiça para não pagar pedágio? Para ser ressarcido por tais prejuízos e quebra de contrato? Pode entrar na Justiça para ser indenizado pelas centenas de mortes e acidentes diários, atrasos, perigo por tal Rodovia e Concessionária CCR VIAOESTE, não ter cumprido o estabelecido em Contrato? É CLARO QUE NÃO !!! Nunca andará no Judiciário. Arquivo e lata de lixo serão seus Direitos. Para isto Você precisa de SEGURANÇA JURÍDICA !! (Você são as Privatarias do Estado Absolutista e seus Feudos, quero dizer) Entenderam o termo fenomenal que o Absolutismo Tupiniquim cunhou? NÃOOOOO!! Tentarei desenhar. E PEDÁGIO em Área Urbana a menos de 30 Kms do Marco Zero da Praça da Sé, que são PROIBIDOS por Lei? Lei que até hoje não foi revogada. Mas mesmo assim nem Poder Judiciário, muito menos Institutos de Defesa do Consumidor e Cidadania, muito menos OAB, não foram capazes de contestar? SEGURANÇA JURÍDICA mas pode chamar também de Redemocracia ou Constituição Cidadã ou Progressismo ou Democracia Brasileira…Pobre país rico…

    2. É só prestar o concurso público (provas objetiva, prática e oral, exame psicotécnico, sindicância de vida pregressa e contagem de títulos) e ser aprovado. Lembrando que, depois disso, terá que instalar por conta própria o local de atendimento e arcar com todos custos, contratar os empregados por sua conta e pagar mensalmente sistemas de informática e comprar servidores de dados para manter os padrões de acordo com as especificações do CNJ. Ao fim, o que sobrar você paga o IRPF, inclusive sobre o que gastou com algumas coisas acima, pois não pode abater, já que deve pagar como pessoa física, e o que sobrar é teu, pode desfrutar, será mais que merecido.

  2. Os cartórios tem um papel a cumprir no sistema jurídico brasileiro, o que não significa que isso precise ser realizado nos moldes atuais. Na prática temos uma estrutura hereditária, na qual o cartório é passado de pai para filho por meio de permuta. Os serviços são inexplicavelmente caros e burocráticos. Os tabeliães das grandes comarcas são ricos e estão entre os maiores pagadores de IR. É um negócio lucrativo para os tabeliães e para o poder judiciário. Não gosto muito das propostas do João Amoedo, mas se há uma proposta que eu gostei foi a que cartórios podem ser substituídos por blockchain.

    1. Ah, e, a propósito, não há sucessão hereditária na atividade notarial, o ingresso é por concurso de provas e títulos, se você vê algo similar a uma sucessão deve estar diante de um caso anterior a implantação do sistema atual ou um caso de interinidade, que é quando alguém responde por uma serventia vaga até seu provimento em concurso. Recomendo a todos a leitura da lei 8935: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8935.htm

  3. Há tempos havia um notário que sempre comentava aqui no blog sobre a importância dos mesmos. E com unhas e dentes. E falava que os salários não era nenhuma maravilha. Podemos ficar discutindo da necessidade dos mesmos para está ou aquela atividade atribuída aos cartórios. Mas sinto muito, os donos de cartório nadam em grana.

    1. Ficou nacionalmente conhecido um destes, de uma pequena Cidade do interior de Goiás. Interior de Goiás !! Na piscina, tomando champanhe francesa dentro de seu iate, defronte na Riviera Francesa. Imprescindível Cartório de uma pequena cidade de Goiás.

  4. Sou entendedor dos dois assuntos e digo: o blockchain pode substituir os cartórios (arquivos) (no futuro, pois hoje a capacidade limitada de armazenamento que têm as blockchains faz impossível), mas não pode substituir os notários e registradores e suas respectivas equipes de trabalho, pois o trabalho que exercem tem natureza técnica e científica. Dizer que podem ser substituídos por blockchain é o mesmo que propor que a blockchain substitua advogados, juízes, etc. A forma de exercício da atividade notarial poderia ser copiada de países como a Alemanha, onde há um fracionamento maior, havendo assim mais vagas, não enriquecendo exacerbadamente um único tabelião ou registrador (como se ficar rico pelo trabalho próprio e gestão do trabalho alheio devidamente remunerado fosse errado, se assim fosse os empresários deveriam sofrer o mesmo preconceito).

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador