Jesus Cristo e o Centurião, por Caiubi Miranda

Só quem passou a infância no interior sabe ou tem ideia do que seja um circo-teatro. Na verdade, eu nem sei dizer se o circo-teatro ainda existe hoje em dia mas era muito popular na minha adolescência – ou seja: 50 anos atrás. Sobretudo em Ouro Fino, a cidade natal de minha família onde invariavelmente eu ia passar minhas férias e não perdia sequer uma apresentação do circo-teatro.

O circo-teatro era, fisicamente, tal qual um circo de verdade. Cobertura de lona, arquibancadas de taboas de madeira, coxias e um tablado central, também de madeira. A diferença entre o circo tradicional e o circo teatro é que, no primeiro, o espaço destina-se à exibição de animais adestrados, palhaços, mágicos, contorcionistas e malabaristas; no circo teatro o espaço presta-se à encenação de uma peça. Que pode ser uma comédia com palhaços, pastelões e um enredo absolutamente non sense, até trágicas histórias escritas, na maioria das vezes, pelo próprio dono do circo.

A última encenação de circo teatro que vi foi, obviamente, em Ouro Fino, e como estávamos nos feriados da semana santa, o tema e o título da peça eram “Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”.  O enredo seguia rigorosamente o roteiro bíblico, começando com a traição de Judas, a prisão de Jesus, a subida ao calvário, a crucificação e terminava com a ressurreição em grande estilo, com fumaça colorida pela luz de spots.

Como sempre na maioria dos circos-teatros, o elenco era formado por “profissionais” do próprio circo e que o acompanhavam pela sua peregrinação no interior, e por amadores que desempenhava os papéis secundários e eram normalmente recrutados na própria localidade e treinados pelos atores profissionais. Naquela encenação da Paixão e Morte eram atores profissionais o Arlindo Pereira, o Lilico, que fazia o papel de Jesus Cristo e cinco dos 12 apóstolos, incluindo Judas. Os demais eram todos amadores recrutados nas lojas comerciais e armarinhos da cidade. Praticamente não tinham fala ou, quando tinham, limita-se a uma ou duas frases.

A apresentação naquela noite era a última em Ouro Fino e tinha tudo para ser uma apresentação tranquila, já que os amadores estavam na sexta apresentação e atuavam praticamente como profissionais.

O que ninguém contava era com o assanhamento da Maria Madalena, representada pela Leninha, um morenaço que trabalhava no Bar do Ádio e que gostava de provocar os frequentadores, apesar de noiva de casamento marcado com o Estáquio, caixa do supermercado Três Poderes e que fazia o papel de centurião. Não é que a Leninha havia se engraçado com Jesus Cristo, o Lilico, e viviam se agarrando pelos cantos quando o Eustáquio não estava presente. E não era uma agarração discreta, era uma agarração cheia de gemidos e “uis” que todos no elenco viam.

Todos menos o Eustáquio que não percebia os chifres que estava levando, já que sempre chegava depois de iniciada a apresentação, sua participação na peça era da metade prá frente.

 Aquele dia, no entanto, por alguma razão que desconhecemos, alguém ligou anonimamente para o supermercado e fez uma denúncia minuciosa da pouca vergonha entre Maria Madalena e Jesus Cristo, Leninha e Lilico. O anônimo denunciante deu detalhes das sem-vergonhices e descaradamente, em meio a gargalhadas, chamou Eustáquio de corno manso.

Eustáquio não podia acreditar naquilo, mas eram tantos detalhes, difícil duvidar. Precisava tirar aquilo a limpo. Falou com o gerente, saiu mais cedo do supermercado e foi direto apara o circo teatro, chegando 10 minutos antes de começar a função. Não teve que fazer nenhum esforço: logo de cara deparou com Lilico e Leninha agarrados como se fossem um só corpo, ela gemendo como num orgasmo, um gemido que ele conhecia tanto…

Sem ser notado, ele se afastou em silêncio, o peito doendo… não podia acreditar naquilo. meu Deus, o que ia fazer agora? Afastou-se em silêncio e ficou parado no canto não pensando em nada, só sentindo a raiva crescendo, crescendo…

Aquela era a última apresentação da temporada e a casa estava cheia. Logo vieram chamá-lo: que se preparasse, em cinco minutos entraria em cena. Seu papel era simples, tinha nenhuma fala, era o centurião tinha apenas que simular chicotear Jesus enquanto ele subia o monte do calvário com a cruz.

Mais alguns minutos, deram-lhe o chicote na mão e o empurraram para o tablado para que fizesse o seu papel. Foi então que viu sua oportunidade de vingança. Sem pensar duas vezes gritou tome seu filho da puta sem vergonha, que agora você vai aprender. E desceu com toda violência o chicote nas costas de Jesus Cristo, o sem vergonha do Lilico. Uma, duas, três, quatro vezes o chicote desceu com violência nas costas de Lilico. Assustou-se a princípio mas logo percebeu que não era nenhum engano, nenhuma brincadeira. Largou a cruz no tablado e partiu para cima do centurião, os dois se atracaram e rolaram pelo chão, trocando impropérios.

A plateia, pega de surpresa no início, agora caia na gargalhada ao ver que a briga era de verdade e que, pela primeira vez na história do cristianismo, Jesus se rebelara contra o centurião…

Ninguém sabe o que aconteceu depois mas aquela trupe nunca mais voltou a Ouro Fino.

Redação

8 Comentários

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  1. Em Itapetinga-BA, minha

    Em Itapetinga-BA, minha cidade natal, era recorrente a presença do “Embalo 8 Circus”. Alí funcionava os dois espetáculos, sendo que o teatro era apresentado depois da apresentaçõa circense. Eu entrava no circo, sempre por debaixo da lona, que é uma forma de entrar sem pagar, pois raramente tinha dinheiro, dizíamos “furar a lona”, driblando os vigias. Pois bem, mesmo que eu perdesse toda a parte circense eu entrava só para ver o espetáculo teatral. Lá era possível assistir, Sanssão e Dalila, Coração Materno, O ébrio, entre outros clássicos…

  2. Boa. Deu pra rir, agora se

    Boa. Deu pra rir, agora se Jesus tivesse realmente se rebelado não seria novidade alguma para a humanidade, a grande diferença é a resignação sobre-humana que ele viveu.

  3. Circo Teatro Martins

    Boa lembrança Caiubi, você deve se lembrar em Poços de Caldas nos anos 1950/1960  o Circo Teatro Martins, lembro de uma peça intitulada Maconha – Veneno Verde ou a Erva do Diabo, que fez muito sucesso naquelas paragens, em que uma das últimas montagens foi aonde é a Agência do INSS na Av. Francisco Salles.

    Tem também uma história de um professor nosso conhecido, já falecido, que se apaixonou por uma das atrizes do Circo, mas não foi correspondido e depois sofreu uma tremenda desilusão amorosa, nunca mais namorou e obviamente não se casou, será verdade?

  4. lembrei-me das peripécias


    lembrei-me das peripécias para enganar os vigilantes

    e entrar por baixo da lona.

    tinha um cara que pegava o touro a unha.

    de costas,o touro avançava, ele agarrava nos chifres e aguentava o tranco.

    ovacionado.

    mas o que mais me emocionou nesse tempo

    foram  as palhaçadas do xique-xique,

    memorável ator circense do sul do país.

    ele manipulava uma cadelinha de pano, se não me enfgano, e falava, para delírio da plateia:

    pula, violeta,pula!

  5. Em Passa Tempo (MG), também

    Em Passa Tempo (MG), também sempre parava um circo-teatro em época de Semana Santa e, lugar comum nessas pequenas trupes desse nosso interiorzão, o espetáculo de fôlego era a “Paixão de Cristo”.

    Pois bem, no clímax da cruxificação calhou que os panos que encobriam as “vergonhas”  de Jesus começou a escorregar. Maria, posta de joelhos em frente à cruz cochichava par ele “Puxa os panos” e Jesus respondia “Como, se minhas mãos estão presas na cruz?”  E o que era para ser uma cena dramática acabou virando uma grande comédia, mesmo porque Jesus estava “desprevenido e o pano acabou cainda para delírio da platéia!

  6. Esse assunto me marcou pro

    Esse assunto me marcou pro resto da vida.

    Eu tinha uns 14 ou 15 anos e curttia palavras cruzadas, Minha família era de classe média baixa.

         Havia prêmios no jornal Gazeta Esportiva pra acertar as palavras cruzadas durante o mês– eram gigantescas,uma página inteira;O prêmio do mês era uma panela de pressão, moda na época.

                Eu estava indo bem.Quando na última semana, apesar de 9 estatísticos( tipo Fluminense se classificar pra lbertadores) só dois de fato tinham chance reais, Eu era um dos dos dois.

           E aí ao comprar o jornal abri de imediato nas palavras cruzadas.Parecia um livro de muitas páginas,de tão imenso que era.

                No último dia do concurso.a Gazeta optou pra aumentar o tamanho das letras e da página.

                    Então comecei a decifrar. E fui bem. Até o momento que apenas uma palavra ISOLADA  se sobressaia no meio da pgn.Nenhuma letra de pista, ISOLADA MESMO.

                Só faltava essa. Tinha convicção que tinha acertado tudo,

                      Consultei os poucos recursos que tinha na época tipo dicionário.Não tinha a menor ideia do que aquilo significava,E evidentemente nada dizia nada com nada.

                      No dia seguinte entreguei pro jornaleiro( uma espécie de correio na época)faltando apenas essa palavra.

                             Afinal, havia prêmio pra segundo e terceiro lugar.

                                   Esperei uma semana pra eu e mais 2 ganharmos a tal panela.

                                       A palavra era: LADRÃO DE FEIRA COM 11 LETRAS

                                               Alguém sabe?

                                                ps: Pista muito boa. Tem tudo a ver com o tema  do poste::”

                                                     ”Circo , TEATRO”

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