A Unifesp assumiu o compromisso de ser um dos pilares que sustentará a identificação de corpos de desaparecidos políticos
Jornal GGN – Pilar de sustentação do Grupo de Trabalho de Perus, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) assumiu o compromisso de fornecer as estruturas, parte de seus pesquisadores e um espaço para a identificação dos mortos e desaparecidos políticos, presentes entre as mais de mil ossadas, encontradas nos anos 90, no cemitério do Dom Bosco, na zona norte de São Paulo.
A tarefa não seria fácil.
Primeiro porque, em meio a um histórico de descaso, será a quarta universidade brasileira a manejar os ossos e se responsabilizar pelo trabalho de perícia. Antes da Unifesp, os 1.049 sacos contendo os resquícios ósseos já foram levados à Universidade de Campinas (Unicamp), primeiro local e onde sofreu o maior abandono por quase dez anos, à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, por último, ao Instituto Médico Legal da Universidade de São Paulo (USP) – Instituto Oscar Freire, em 2001.
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Em segundo lugar porque foi um convite que precisou de amadurecimento. A articulação veio do secretário de Direitos Humanos e Cidadania da prefeitura de São Paulo, Rogério Sottili que, depois de movimentar os bastidores do apoio do governo federal para o tema, com o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, e com a Comissão Nacional da Verdade, contatou a reitora Soraya Smaili. A primeira resposta foi de que não tinham condições, poucos recursos em uma gestão que se iniciava na Universidade.
Naquele período, a Unifesp era um polo atuante nas investigações da ditadura em São Paulo, por ser a primeira instituição de ensino a criar uma Comissão da Verdade interna. O trabalho rendeu vínculos com alguns familiares dos desaparecidos políticos do regime militar. E a tarefa inicial de Sottili repercutiu, desdobrando convites para a reitora da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e de diversos atores.
“Quando os familiares fizeram o apelo a Unifesp, aí nós entendemos que tínhamos que dar um jeito de ajudar mais do que estávamos ajudando e buscar as condições para, de fato, abrigar esse trabalho”, contou Soraya Smaili ao Jornal GGN.
A primeira iniciativa da instituição foi uma condição: “que só faríamos isso se fosse junto e o tempo todo com os familiares”, disse a reitora.
A partir de então, a Unifesp entrou com a sede do laboratório, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), um espaço independente, com armários próprios, sistema de lavagem e montagem das ossadas – todas as condições necessárias à perícia.
Soraya Smaili soube guiar o projeto, assumindo que a Universidade não teria o suporte completo de profissionais para a responsabilidade. “O verdadeiro papel da universidade é dizer quando ela não sabe fazer, é ir em busca e aprender”, afirmou.
Do círculo de docentes, a Unifesp contribuirá com oito professores: dois geneticistas, um arqueólogo, dois antropólogos, dois historiadores e um médico. Além deles, o Grupo de Trabalho de Perus é formado por profissionais contratados, entre brasileiros, argentinos e peruanos. E a integração a nível acadêmico está prevista.
“Nós estamos criando condições para que essas pessoas se juntem, os profissionais internacionais, nacionais e os da universidade, para formarmos uma massa crítica que permita que a gente não só identifique essas ossadas, mas para um centro que possa dar uma contribuição para o país. E que isso continue não só para este, mas para outros casos”, confirmou a reitora.
Um dos projetos da Unifesp, por exemplo, é oferecer um curso de extensão a partir de 2015. “Nós vamos, de fato, aproveitar muito das experiências dos estrangeiros. Aproveitando a vinda deles, nós adquirimos também mais expertise, aprendemos aquilo que a gente não sabe, para transmitir para mais profissionais no Brasil”, adiantou ao GGN.
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Soraya Smaili entende que, apesar de todos os esforços de todas as partes – Ministério Público Federal, Prefeitura de São Paulo, governo federal e Comissão da Verdade – o resultado do GT de Perus ainda é imprevisível, reconhecendo que muitos corpos não serão identificados.
“Vai chegar um momento que nós teremos que dar condições dignas, um sepultamento digno pra essas ossadas, mas não teremos identificação”, disse a reitora, analisando que esse é o resultado de “uma sociedade que não trata dessa questão”.
“Nós temos que trazer isso à tona. Perus nos ajuda a enxergar isso. O papel da universidade vai além, tem a função de se abrir e de ir para a sociedade colocar suas contradições, se abrir para que a sociedade também tenha um espaço de discussão e de reflexão. Se a gente estiver fazendo isso, vamos estar fazendo o verdadeiro papel da universidade”, concluiu.
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Veja o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=fOn6KsPIjDw&feature width:700 height:394
Imagem e edição: Pedro Garbellini
Entrevista concedida a Luis Nassif, Patricia Faermann e Pedro Garbellini
Acompanhe as próximas reportagens da série “Ossadas de Perus, a difícil transição”.
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Comissão da Verdade
A Comissão da Verdade de SP “Rubens Paiva” é constituída por pessoas que lutaram na resistência da ditadura, de familiares e sobreviventes que sempre trataram desse tema.
Não consigo entender como essa séria de artigos que está sendo escrita não leva em consideração essas famílias, essas pessoas que fizeram a abertura da Vala de Perus.
É normal que isso aconteça? Já não basta o ocultamento dos cadáveres e todo o esquecimento?
Agora a recontagem da história da recuperação das ossadas, como se não houvessem protagonistas originais de toda essa história?
Fica aqui nosso profundo pesar por esse tipo de esquecimento.
Espero que agora a coisa ande
Espero que agora a coisa ande e que um dia termine as identificações das ossadas de Perus. Toda essa demora so prejudicou mais as identificações e a dor das familias. O pouco caso ou falta de meios da Unicamp com esse caso é incompativel com uma universidade desse peso.