Como um guru das redes sociais criou a fantasia em torno da cloroquina

Françoise Barré-Sinoussi, cientista ganhadora do Prêmio Nobel que assessora a França no Covid-19, disse ao jornal Le Monde que não era ético dar às pessoas falsas esperanças antes da prova.

O Financial Times de hoje traz matéria sobre Didier Raoult, o cientista-influenciador que vendeu a ideia da cloroquina para o mundo.

Raoult ganhou fama depois que publicou um vídeo  no YouTube  no final de fevereiro, descrevendo como os médicos chineses conseguiram tratar pacientes com cloroquina e prevendo o “fim do jogo” do coronavírus.

Raoult dirige o Méditerranée Infection Foundation. E seu vídeo foi assistido por Donald Trump, que se entusiasmou com a história.

O que Raoult tinha de concreto era apenas apenas  dois estudos relativamente pequenos de 122 pacientes, cheio de falhas, conforme apontado por especialistas. Foi acusado pelos colegas de ser um autopromotor, assumindo riscos em uma pandemia.

Nas fantasias das redes sociais, os alertas dos especialistas foram ignorados. Foi criado um grupo no Facebook de apoio às suas teses, com quase 400 mil pessoas.

Seus vídeos semanais sobre o surto passaram a acumular um milhão de visualizações cada, muito mais do que a entrevista coletiva oficial do governo à noite.

Em um país rachado, como se viu nas manifestações dos Coletes Amarelos do ano passado, Raoult foi aclamado por políticos à direita por ser percebido como não fazendo parte da elite de Paris.

Depois que o vídeo de Raoult foi divulgado por Donald Trump e pelo bilionário Elon Musk, o tema viralizou. A esperança se disseminou por todo mundo. E a cloroquina passou a ser utilizada para tratar pacientes do Covid-19, fora dos usos aprovados para malária, lúpus e artrite.

Para evitar a escassez, fabricantes de medicamentos genéricos como Mylan aumentaram a produção. Enquanto isso, em Marselha, centenas de pessoas se alinharam do lado de fora da Méditerranée Infection Foundation para serem testadas e tratadas com o protocolo de cloroquina.

Françoise Barré-Sinoussi, cientista ganhadora do Prêmio Nobel que assessora a França no Covid-19, disse ao jornal Le Monde que não era ético dar às pessoas falsas esperanças antes da prova. ” ela disse sobre a multidão. “É ridículo.” “Um médico pode e deve pensar como um médico, e não como alguém obcecado com a metodologia”, ele escreveu em um artigo de opinião no Le Monde .

De qualquer modo, cientistas de todo mundo passaram a estudar o protocolo em ensaios maiores e controlados.

Um estudo que agora envolve 1.300 pacientes de alto risco em 36 hospitais franceses de hidroxicloroquina contra um placebo visa “acabar com a controvérsia” nas próximas semanas. Outro estudo com cerca de 3.200 pacientes em oito países europeus comparará os resultados do atendimento hospitalar padrão do Covid-19 contra quatro tratamentos experimentais. A hidroxicloroquina será testada juntamente com o remdesivir da Gilead Sciences e combinações de anti-retrovirais geralmente usados para tratar o HIV.

Andre Kalil, especialista em doenças infecciosas e principal investigador de um estudo de remdesivir patrocinado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, disse que é importante aguardar estudos mais completos, já que a cloroquina, a hidroxicloroquina e a azitromicina podem “causar sérios efeitos colaterais ao fígado e para o coração ”.

“As pessoas estão tomando drogas inseguras e não comprovadas, e o risco de morrer com essas drogas pode ser maior do que morrer com o Covid-19”, disse ele.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Vale entender o contexto subliminar. O que representa a hidroxicloroquina? Representa, se comprovado, um tratamento a base de um remédio extremamente barato, disponível e simples. Quem é o maior interessado que isso não seja verdade? A J&J, a empresa que possivelmente terá uma vacina pra nos inocular a todos, no final do ano que vem, quando todos já tivermos os anti-corpos e a pandemia já tiver passado.

    – o CDC em 2005 atestou como eficaz contra SARS-COV – https://stacks.cdc.gov/view/cdc/3620/Email
    – A patente da hidroxicloroquina – expirou 31-Março – coincidência estranha né? Mas, se for essa a solução, ela não tem patentes, nenhum lucro pra J&J – https://patents.google.com/patent/US5314894A/en

    Esse outro estudo aqui, é no mínimo interessante. Se esse estudo for verdade, torna-se indispensável queimar o filme da hidroxicloroquina para a industria farmaceutica:
    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5718030/

    Segue outras notícias fresquinhas e relevantes:
    https://m.washingtontimes.com/news/2020/apr/2/hydroxychloroquine-rated-most-effective-therapy-do/

  2. Dear Mr. Fantasy
    (Traffic)

    Dear Mr. Fantasy, play us a tune
    Something to make us all happy
    Do anything, take us out of this gloom
    Sing a song, play guitar, make it snappy

    You are the one who can make us all laugh
    But doing that you break out in tears
    Please don’t be sad if it was a straight mind you had
    We wouldn’t have known you all these years

  3. Nassif, gente. Devagar com o andor.

    Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa! o Didier Raoult não é um guru de rede social, um Olavo de Carvalho na medicina. Basta uma pesquisa no Google Acadêmico: 148 mil citações, 63 mil desde 2015. Fator h 175, 99 desde 2015. não é pouca coisa.

    Inclusive o Raoult fazia parte do conselho de saúde para a pandemia em torno do Macron. Ele saiu do conselho há uma ou duas semanas, por causa dessa polêmica.

    Está tendo uma controvérsia GIGANTE na França sobre esse assunto. Todo dia recebo artigos da Marianne (www.marianne.net, recomendo muitíssimo), revista semanal de esquerda francesa, com diversas opiniões e dados a respeito. A mesma coisa na Russia Today. Estou citando veículos de mídia de esquerda, não alinhadas ao mainstream (como o FT e o Le Monde, não se enganem qto a esse).

    Os resultados do Raoult não podem, a meu juízo, serem considerados cientificamente válidos porque não se tratou de um experimento científico, com delineamento metodológico para isso (por exemplo, a coisa mais óbvia, não teve grupo de controle). Foi mais um tratamento experimental, que se apoiou, aliás, em resultados obtidos, também com tratamento experimental, na China.

    Acontece que o Raoult é um iconoclasta, um outsider na academia francesa, sempre foi polêmico, não é uma figura que saiu do nada, ele é conhecido na França e suas controvérsias, idem. E ele está insistindo nos seus resultados como sendo generalizáveis, o que a meu ver é um erro. Ele está insistindo para tentar ganhar essa guerra de egos. Por outro lado, o mainstream francês está insistindo pra não usar a cloroquina em hipótese alguma. A meu juízo, nada disso ajuda.

    Todo mundo que conhece um pouco a comunidade científica francesa (sou prof universitária e tenho trabalhado com profs franceses) sabe que guerra de egos é o que mais tem por lá. A ponto de, quando vamos organizar congressos, colóquios, bancas etc temos que ter cuidado com “quem colocar na mesma mesa”. Também já cansei de ver conceito serem usados sem citação, só de birra. É um problema sério. Não significa que não se faça ciência séria por lá, ao contrário, mas tem esses ruídos também.

    Isso pode levar a uma situação típica de “jogar o bebê fora com a água do banho”. De tudo que tenho lido, humildemente, o que tenho concluído até agora é: não dá pra generalizar o uso da cloroquina sem fazer um estudo com delineamento metodológico adequado (o que já está sendo feito, como diz o texto, e temos que ficar MUITO de olho pra ver a influência da indústria farmacêutica nisso – tenho percebido que as declarações feitas, ainda no início dos estudos, tem um viés em favor do medicamento americano, contra a cloroquina e o medicamento cubano, por exemplo). Enquanto isso, como se trata de uma situação emergencial, o medicamento poderia ser administrado por médicos, em pacientes rigorosamente supervisionados, de modo a tentar reduzir os efeitos colaterais possíveis. Isso é bem diferente do que o Trump e o Bolsonaro propuseram (além de alguns médicos irresponsáveis que divulgaram receitas por whatsapp).

    Mas também é bem diferente de chamar o Raoult de “guru de rede social”…

  4. Lamentável o tom da reportagem . Didier Raoult é diretor do Hospital Universitario de Marselha ( Institut Hospitalo-universitaire de Marseille), Luc Montagnier, Prémio Nobel de medicina (2008), admira seu trabalho.

  5. Lamentável o tom da reportagem . Didier Raoult é diretor do Hospital Universitario de Marselha ( Institut Hospitalo-universitaire de Marseille), Luc Montagnier, Prémio Nobel de medicina (2008), admira seu trabalho.

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