Quantos casos de Covid-19 podemos ter atualmente no Brasil?, por Sergio Guedes Reis

O fundamental é que o número de mortes é o fator crítico pra se avaliar o número "real" de contaminados pelo vírus.

Agência Brasil

Quantos casos de Covid-19 podemos ter atualmente no Brasil?

por Sergio Roberto Guedes Reis

O problema da subnotificação de casos de coronavírus é uma questão importante e frequentemente abordada por quem se interessa pelo tema. Mas é difícil estabelecer estimativas, e sequer sabemos o total de testes realizados no Brasil até agora (dado disponível para dezenas de países).

Tentei fazer uma projeção (“backward induction”) da quantidade de casos de COVID-19 potencialmente existentes no Brasil. O princípio básico (e conservador) é o de que as mortes diárias são um retrato da quantidade de casos há duas semanas (o tempo varia bastante, mas na Itália, p.ex., as pessoas fazem o teste em média 5 dias depois de começarem a sentir sintomas; as mortes ocorrem 9 dias depois). Se morrem 20 pessoas em um dia e a taxa média de mortalidade é de 2,9%, então na média novos 685 indivíduos se contaminaram há 14 dias (número “real”, não o número de pessoas que testaram positivo – esses são os casos reportados). Com certeza muitos morrem antes ou depois; o importante é o valor médio e a distribuição dessas mortes ao longo do tempo.

Com base nisso, dá pra estimar o número de casos potencialmente existentes a cada dia. Somados, eles dariam cerca de 19,8 mil casos até ontem (29/03). Ou seja, menos de 25% dos casos foram detectados. Fazendo uma projeção em cima desses números, chegamos em cerca de 44 mil casos potencialmente existentes em 11 de Abril (e 20 mil detectados, que são o estoque atual). São dados bastante conservadores pq não se pressupõe nenhuma morte por coronavírus não detectada. E se assumirmos que o tempo médio entre o teste e a morte for maior, então a subnotificação também é maior ainda.

Na projeção de mortes, chega-se a aproximadamente 600 em menos de duas semanas (abstraindo-se choques externos, seja o aumento das restrições à locomoção, seja a realização de “carreatas anticonfinamento”, ou mesmo passeios presidenciais no entorno do GDF). Caso o modelo estiver correto, seriam mais cerca de 700 mortes até 24 de Abril. Ao final do mês, o número total muito provavelmente ultrapassaria 1.500, e poderia ficar próximo a 2 mil.

Fiz um teste desse modelo na Coreia do Sul, país com a maior quantidade de testes por habitante, e é interessante ver como eles se aproximaram bastante de detectar praticamente todo mundo conforme ampliaram a testagem (e adotaram as medidas de isolamento). No caso do Brasil, o modelo prevê que o percentual de casos reportados ultrapasse 40% até meados de Abril. A título de comparação, NY, atual centro global da pandemia, teve 237 mortes ontem, o que sugere que cerca de novos 14 mil doentes teriam entrado no sistema. Só que há duas semanas apenas 750 (5%) foram detectados. Detalhe: naquele dia, apenas 900 testes foram feitos naquele Estado (e quase todos, como visto, deram positivo, um indício de como o vírus já estava bem disseminado).

O fundamental é que o número de mortes é o fator crítico pra se avaliar o número “real” de contaminados pelo vírus. O sucesso das medidas de contenção pode ser melhor estimado pelo decréscimo ou estabilização da quantidade de mortos a partir de 15-20 dias de implementação, mais do que pela quantidade de testados positivos por dia. Em outras palavras, o número que realmente deve impactar a avaliação do andamento da pandemia é a evolução do número de mortes. Enquanto elas continuarem a crescer (ou a se manter em certo patamar), então teremos um indício forte de que estaremos longe de superar a crise.

Redação

4 Comentários

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  1. Discordo.

    Se o numero de mortes diarios se mantem estáveis, mesmo com o número de contaminados aumentando diariamente, indica que o tratamento que está sendo oferecido aos doentes está dando certo.

    Já há 5 dias as mortes diárias estão oscilando entre 20 até 23 mortes. A previsão era de uma subida de 30% ao dia.

    1. Não é verdade. Nos últimos 5 dias, tivemos 11, 20, 16, 21 e 22 mortes. E hoje tivemos 29. A tendência é de aumento expressivo dos óbitos, sabendo-se que houve, nas últimas 2 semanas, a multiplicação por 20 do número de casos (de 200 p/ 4 mil). E, como explico no artigo, há considerável subnotificação, dada a pouca quantidade de testes feitos.

  2. O numero de mortes pode, e deve ser muito, mas muito maior do que o divulgado, vide materia sobre funeraria em BH e outras. Isso invalidaria todos os calculos acima.

    1. Eu explico no segundo parágrafo que a estimativa é conservadora, mas isso não invalida os cálculos. Significa apenas que a projeção de 20 mil casos é um MÍNIMO a partir do qual podemos trabalhar. Com certeza pode ser mais do que isso, e é praticamente impossível que seja menos. É essa a contribuição do meu estudo.

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