A reforma agrária aconteceu?, por Rui Daher

Plantador

Da Carta Capital

A reforma agrária aconteceu?

Ainda que as redistribuições não tenham ocorrido como propostas por lideranças da esquerda, rearranjos sociais autônomos acabaram por realizá-las

por Rui Daher 

Na coluna da semana passada fiz referência ao livro “A Crise Agrária”, de Alberto Passos Guimarães, escrito no final da década de 1970. Através de conjunturas e estatísticas históricas e da época, o autor projetava um futuro auspicioso para a agricultura no Brasil.

A vitória, no entanto, só viria se as forças do campo promovessem uma reforma agrária profunda e em moldes distributivos. Dicotomia polêmica e frequente que dura até hoje.

Vista assim do alto, poderá parecer que apenas parte da profecia se realizou. Escorados na ampliação da fronteira agrícola para os cerrados de terras baratas, com tecnologias modernas aqui desenvolvidas ou vindas de fabricantes multinacionais, concentrou-se a produção em culturas de exportação e nos transformamos numa potência agrícola.

Muitas decorrências negativas? Sem dúvida. Algo natural em processos amplos e agudos, ainda mais numa Federação de Corporações regida por interesses pouco gerais.

Se vamos à lupa, percebemos que as “forças do campo”, como entendidas pelo autor, parecem não terem sido suficientes para promover uma reforma agrária de resultados produtivos e sociais efetivos.

Será?

A considerar como modelo de reforma agrária assentamentos desassistidos, estigmatizados acampamentos de sem-terra, projetos inacabados do governo e a imensa massa rural que nas últimas décadas se deslocou para os centros urbanos, certamente não.

Arriscando-me a um muro poucas vezes frequentado, penso que não foi bem assim.

Ainda que as formas redistributivas no campo não tenham ocorrido nas bases estudadas pelo autor e propostas por lideranças políticas e eclesiásticas da esquerda, rearranjos sociais autônomos acabaram por realizá-las. Vou mais longe: com resultados melhores do que se conduzidas na forma de coletivos agrários.

Com exceção do excelente Globo Rural (TV e revista), o destaque nas folhas e telas cotidianas acaba sempre reservado aos grandalhões do agronegócio.

Grande equívoco. Contamos com milhões de pequenas propriedades rurais bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá ou os que por ali passam de olhos e boa vontade abertos.

Sim, enfrentam vários entraves. Situações climáticas adversas sem garantia de seguro rural, burocracia nos financiamentos, insumos e processamentos precificados em condições oligopolistas, armazenagem insuficiente, comercialização concentrada em poucos receptores.

Suas dificuldades são maiores do que as dos beneficiários da escala em áreas mais extensas, níveis de mecanização, acesso a formas diferenciadas de financiamento, apropriação precoce das inovações tecnológicas, poder de barganha na venda da colheita.

Mas, depois das transformações na economia do planeta, a partir da década de 1980, seria possível impedir a concentração que ocorreu em praticamente todos os setores?

O Censo Agropecuário do IBGE, com dados de 2006, revelou existirem 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, com área média de 68 hectares. Em 1970, a média era de 60 hectares. Assim, se houve um processo de concentração fundiária ele não é recente, fato reconhecido no próprio livro de Alberto Guimarães.

Os agricultores brasileiros pequenos e médios superaram suas dificuldades, evoluíram comprando ou arrendando áreas para plantio, e permitiram a interiorização do desenvolvimento, fazendo surgirem municípios prósperos com repercussões positivas nos demais setores da economia.

No Brasil, são cultivados mais de 100 “produtos da terra”, importantes por seus valores de produção e comercialização. Uns pelos volumes que representam, outros pela agregação de valor que trazem.

Uma diversificação fantástica que relativiza o protagonismo que se dá às grandes extensões de terras ou, como trata o livro “A Crise Agrária”, latifúndios improdutivos ou capitalistas.

O levantamento Produção Agrícola Municipal, do IBGE, entre culturas temporárias e permanentes, informa área plantada e colhida, quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção para as 64 culturas mais importantes, em cada município brasileiro. Uma pesquisa que encanta e surpreende.

Meu ponto: nada disso aconteceria sem que tivesse autogestado algum tipo de reforma agrária.

Até chegar aí foi doloroso o processo? Sim. Poderia ter sido melhor como pensada pela esquerda, na década de 1970? Não sei. Muitos campesinos ficaram fora do processo e hoje ralam sem terras e apoio? Com certeza.

Mas que o panorama atual é completamente diferente do preconizado quando se iniciou o arranque agrícola, isto é. Para arredondar o processo, agora, bastam dar importância e aumentar os recursos financeiros, técnicos e educacionais para os programas de agricultura familiar.

Na próxima coluna, a corrida dos candidatos aos corredores do agronegócio. Se eu não mudar de ideia, é claro.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Temos de modernizar a reforma agrária

    O Brasil começou a fazer reforma agrária com um século de atraso. No presente, várias coisas têm de ser levadas em conta ao se planejar assentamentos rurais para camponeses sem terra.

    Agricultura tornou-se atividade de alta tecnologia. No cultivo de grãos no Brasil, mecanização de grande sofisticação e alto custo já está sendo usada pelos produtores que acompanham a evolução da tecnologia. A área mínima de cultivo para viabilizar tecnologias competitivas é de 500 He e quase todo o cultivo é feito pelo plantio direto, técnica na qual somos o país mais avançado do mundo, até porque ela demonstrou não ser aplicável aos solos e climas da Europa e EUA.  Agora estamos entrando da era da agricultura de alta precisão. Nesta, mapas do terreno com as especificações do solo, com resolução de metros, são feitas por satélites. O arquivo de dados é colocado nas plantadeiras, guiadas por computador equipado com GPS, que adubam cada porção do terreno precisamente segundo suas necessidades. O número de horas-homem necessário para cultivar cada hectare é cada vez menor, contado todo o ciclo do cultivo. Isso gera desemprego nas áreas de cultivo de grãos, o que é resultado natural da produtividade do trabalho.

    Quando leem que o agronegócio é responsável por um quarto do nosso PIB, é comum que as pessoas tenham uma visão equivocada da geografia e sociologia do tema. A maioria dos empregos do agronegócio é gerada na cidade, não no campo. Combustíveis, maquinários agrícolas, fertilizantes, pesticidas e herbicidas compõem, junto com o capital empregado na terra, a quase totalidade dos custos agrícolas no setor de grãos. Mais de 90% desses grãos são usados para exportação ou alimento de animais, cuja carne também é largamente exportada. Essas exportações amenizam a situação do nosso balanço de pagamentos, que está ficando enormemente preocupante.

    Temos 16% da população vivendo no campo e essa demografia é insustentável no médio prazo. Temos de pensar em uma população de no máximo 4% da população daqui a coisa de quinze anos. Parte dela se dedicará a atividades rurais intensivas em mão de obra, tais como fruticultura, horticultura e setor granjeiro, no qual se inclui a criação de peixes. Nesses setores, temos um potencial magnífico para assentamentos. O custo de assentamento economicamente viável de uma família é muito alto, não menor do que R$250 mil. Isto porque o assentamento demanda obras de irrigação, instalações eficientes, solos adequados e servidos de infraestrutura de escoamento. E, após isso, assistência técnica de alta qualidade. Como o assentado receberá um benefício de alto valor, deverá ser selecionado por critérios técnicos rigorosos, como se estivesse participando de um concurso público.

    No setor granjeiro, creio que devemos copiar o que tem ocorrido nos EUA. Empresas de produção e comercialização de aves, suínos e peixes têm montado granjas integradas em que suínos comem resíduos das aves e peixes comem resíduos dos suínos. O sistema é muito eficiente. As empresas vendem as granjas a famílias selecionadas com financiamento a ser pago por parte do lucro de produção. Um casal sem qualquer recurso financeiro próprio, mas com vontade de trabalhar e garra comprovada, torna-se instantaneamente proprietário de uma granja a ser paga em vinte anos. Temos empresas com porte suficiente para empreender esse sucessor da franquia, mas ações do governo são necessárias para que elas atuem nesse novo estilo.

  2. O cocneito de Reforma Agraria

    O cocneito de Reforma Agraria é puramente ideologico, não tem qualquer valor economico ou social, o Brasil já gastou com essa fantasia  mais de 200 bilhões de Reais nos orçamentos do MDA e INCRA,  para pifios resultados, no mundo atual esse conceito é ARCAICO, não se encaixa em nenhum modelo economico, capitalista ou socialista.

    Temos um Ministerio de Desenvolvimento Agrario que tem um orçamento maior que o Ministerio da Agricultura e emprega mais funcionarios publicos, alem disso o INCRA, com 10.000 funcionarios, centenas de advogados, um custo inutil a serviço de uma bandeira ideologica, que sustenta o mesmo grupo há 40 anos, ninguem com calo nas mãos.

    Agora tentam confundir reforma agraria com AGRICULTURA FAMILIAR, esta que alimenta as cidades e que não tem nada a ver com reforma agraria, são pequenas propriedades COMPRADAS a dinheiro pelos agricultores, com sacrifios as vezes de gerações, nenhum japonês ganhou terra de graça, nem semente e nem trator.

     

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