do Observatório de Geopolítica
A importância histórica da CEPAL
por Paulo Roberto de Camargo
A CEPAL ainda nos diz alguma coisa? Se não tem mais o espirito critico na qual se formou em 1948, essa pergunta teria validade também para alguns de seus expoentes como Raul Prebisch, Celso Furtado e Medina Echavarria, entre outros? Setenta anos depois da fundação dessa instituição da ONU e no decorrer de algumas décadas depois, os estudos que esses autores realizaram sobre a estrutura sócioeconômica dos países latino-americanos teriam alguma relevância para os dias que atuais?
Retomar os autores clássicos é refletir sobre a história, analisar criticamente o desenvolvimento de contextos que foram criados, bem como os que se mantém e se modificam no decorrer de décadas. Assim, neste curto artigo pretendo fazer algumas considerações sobre a base epistemológica de alguns desse estudos e evidenciar algumas características estruturais que poderiam perdurar nos dias de hoje. Afinal, os processos de industrialização das nações latino-americanas ainda são temas recorrentes, além das questões relacionadas à grande desigualdade social entre outros fatores que persistem no decorrer desse tempo em um mundo no qual a geopolítica mundial apresentou e apresenta mudanças significativas.
O continente latino-americano, no pós-segunda guerra mundial, sob inspiração da CEPAL, como supridor de matérias primas tentou fazer sua política desenvolvimentista no caminho da industrialização naquilo que denominou substituição de importações e tentar de uma certa forma, ainda que tímida uma integração regional. Esse processo se encerra no final da década de setenta quando o montante enorme da dívidas juntamente com a mudança do receituário liberal da economia pressionaram para a adoção de políticas liberalizantes para o capital internacional nas quais o Estado se vê pressionado a deixar de lado algumas de suas políticas sociais, ainda que incipientes, para que sejam substituídas pela iniciativa privada, principalmente de origem externa.
Já nesse processo algumas observações se tornam importantes como a não apropriação do desenvolvimento tecnológico, o alto índice inflacionário que levou a sucessivas recessões com a presença constante do FMI e também a um horizonte de democratização na grande maioria das nações que viviam sob regimes ditatoriais. A partir da década de 90 do século passado as políticas liberalizantes tomaram conta praticamente da grande maioria das nações latino-americanas.
No campo geopolítico a emergência da China como um novo e grande player global propiciou uma parceria considerável nas relações internacionais como grande importadora de produtos básicos relacionados à agro-pecuária e mineração, que de uma certa forma foram modernizados tanto na questão tecnológica quanto na sua produtividade. Quanto a indústria, esta teve um declínio na produção das riquezas nacionais, que em nosso país se denominou de “desindustrialização”. Tema esse que se torna circular em se tratando do nosso ponto de partida que foi justamente a industrialização.
A criação do Mercosul do Grupo Andino, por exemplo, visando uma maior integração das nações, que foram intensificadas a partir dos anos 2000 pareceu refluir na década seguinte com a mudança de orientação de governos eleitos e também na mudança do cenário internacional. É preciso ressaltar aqui a mudança no quadro geopolítico mundial em relação aos anos cinquenta. No entanto vale ressaltar que a desigualdade social e a instabilidade sócio econômica persistiram no decorrer desse período como uma evidência no qual o tempo parece não se modificar. A ruptura com essas raízes exportadoras que remonta ao tempo colonial não propiciou um desenvolvimento em que se possa dizer que a situação estrutural exportadora de produtos básicos esteja acompanhada de um processo endógeno de industrialização na produção de riquezas, juntamente com a instabilidade política decorrente.
Quanto ao propósito deste texto em tentar responder a questão sobre se ainda é viável os autores, seria importante colocar algumas considerações dos autores acima mencionados que se basearam obviamente em seus trabalhos e estudos provenientes da CEPAL. Para esse artigo retoma-se a base epistemológica de José Medina Echavarria (1903-1977), espanhol de Castello de la Plana, refugiado no México em 1939, por ocasião da Guerra Civil Espanhola.
Aspectos econômicos, sociais e políticos forma a base de sua análise sociológica sobre a América Latina. Para ele, em seu texto editado em 1963 intitulado “Considerações sociológicas sobre o desenvolvimento econômico da América Latina” a estrutura dessas sociedades deve ser analisada pela sua formação histórica anterior ao apontar para a possibilidade de novas situações com seus aspectos “permanentes de continuidade”.
Ao afirmar que nesse período o continente passava por uma “Revolução Industrial”, este compreende não somente o fator econômico, mas também a forma de vida, as idéias, novos horizontes com mobilidade social e também nas estruturas de poder. O aspecto cultural é um elemento a ser muito considerado que poderá ser discutido em outra ocasião.
Ponto principal para o autor é sua análise centrada na superação das velhas estruturas para uma nova na qual pergunta “quais são e onde se encontram os grupos de homens que haverão de carregar nos ombros as tarefas do momento”? Análise de fundo weberiano que enfoca tanto nos agentes que providenciarão as mudanças quanto nos aspectos de consciência que darão suporte a essas transformações. Amplia-se portanto o leque de análise para além do econômico o que permite verificar o grau de sustentabilidade interna que as nações latino-americanas teriam para tal tarefa, uma vez que a dependência dessas do cenário externo percorre toda sua história.
Em relação ao aspecto político no sentido de uma democratização das nações do continente em lidar com suas heterogeneidades internas e externas entre si, bem no desenvolvimento econômico entre as classes sociais é importante deixar aqui uma citação do autor em seu texto que nos convida a uma importante reflexão atual:
“A fórmula democrática pode perecer, consumida pelos estragos da ineficácia. Mas também pode morrer de uma anemia galopante da seiva mantenedora de sua legitimidade. Neste ponto, convém não nos enganarmos quanto a estas duas ameaças; a segunda é muito mais grave e implacável do que a primeira. Sempre pode haver uma última esperança de que, já quase na hora zero, possam surgir homens aptos a converter a inépcia em eficácia, homens capazes, se necessário, de uma última e salvadora intervenção cirúrgica. Em contrapartida, porém, o completo esvanecimento das crenças, a quebra moral que pode ter a dissolução dessa fé. Até em seus fundamentos últimos – a “anomia“” generalizada de todo um corpo social – não deixa outra coisa senão desesperança e “extremismo”. (Pag. 449. Grifos do autor)
A importância da história em um tempo cujo modo de vida é excessivamente frenético e em que concepções de mundo absurdas vêm à tona com total ausência de crítica é de essencial para o desenvolvimento d e nossa consciência pois retornar a esses autores é fundamental para que possamos superar a circularidade do tempo já que os tempos são outros.
Paulo Roberto de Camargo – Doutor em Ciências Sociais/ Política pela PUC/SP
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