Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Argentina e o labirinto: da disparada do dólar ao chamado à unidade na Frente de Todos, por Leonardo Granato

A quatro meses das eleições primárias, a proposta de dolarização defendida pelo candidato da extrema-direita parece pautar o debate.

do Observatório de Geopolítica

Argentina e o labirinto: da disparada do dólar ao chamado à unidade na Frente de Todos

por Leonardo Granato

Em meio a uma nova disparada do dólar, o qual, na última semana do mês de abril, continuou a pressionar o aumento dos preços na Argentina, a palestra da vice-presidenta Cristina Kirchner, durante a inauguração da Escola Justicialista Néstor Kirchner, no Teatro Argentino de La Plata, evidenciou os desafios que hoje se colocam à esquerda, em ano de eleição presidencial. As tensões e conflitos no governo da Frente de Todos e a crise econômica, o avanço do campo da oposição e do neoliberalismo ortodoxo, e a chamada à unidade e à construção de programas de governo para enfrentar o referido avanço apareceram de uma ou de outra forma retratados na fala da vice-presidenta.

Em um contexto de déficit fiscal e comercial e de escassez de reservas, de corrida cambial e de alta inflação, as divisões da Frente de Todos, principalmente em torno do acordo do governo de Alberto Fernández com o FMI, vêm se mostrando não somente como ponto de partida para continuar o debate à esquerda em torno de um futuro programa de governo, mas também como brecha para o fortalecimento das clássicas receitas do ajuste fiscal, da privatização e da dolarização defendidas pelo campo da oposição. Nesse sentido, na sua referida palestra, de 27 de abril, Cristina Kirchner afirmou que o acordo com o FMI “é inflacionário” e que “é necessário voltar a construir programas de governo” que promovam a inclusão social e a soberania nacional.

Distribuição de renda, geração de emprego e questões estratégicas como o combate à reprimarização da economia e o manejo do lítio e das reservas de gás e hidrocarbonetos de Vaca Muerta ganharam destaque na palestra da vice-presidenta. Tais questões, por sua vez, articuladas aos questionamentos do Sul Geopolítico à hegemonia norte-americana, retratados de forma expressiva na recente atuação externa do governo Lula 3 e nas propostas de desdolarizar o comércio internacional, colocam em evidência a escassa margem de manobra do governo Fernández que, ao apostar na estratégia do acordo com o FMI, ficou condicionado aos Estados Unidos – em particular às pressões dessa potência hemisférica para que a Argentina não avance nos acordos com a China.

Do lado da oposição, a quatro meses das eleições primárias, a proposta de dolarização defendida pelo deputado da extrema-direita com aspirações presidenciais, Javier Milei (Liberdade Avança), parece pautar o debate. Ainda que o assunto dolarização não seja novidade na Argentina, sobretudo por se tratar de uma economia desde a década de 70 muito referenciada no dólar, a especificidade da proposta hoje radica em fazer parte da agenda do neoliberalismo ortodoxo, que busca retomar a fórmula da austeridade, abertura irrestrita e desregulamentação financeira, fórmula essa que historicamente tem mostrado impactos regressivos para um país periférico-dependente como a Argentina. Na sua palestra inaugural, a vice-presidenta Cristina Kirchner levantou a proposta de dolarização de Milei e chamou à reflexão ao aludir que “o passado [em referência à experiência argentina nos anos 90] se torna presente a talvez frustre o futuro”.

Frente aos riscos que o avanço do ultraliberalismo da extrema-direita supõe para o país, bem como a fragmentação da Frente para Todos, na palestra em questão, Cristina Kirchner fez um chamado à unidade para superar os desacordos, desenhar estratégias para enfrentar o atual cenário de instabilidade, e formular programas de governo. O presidente Alberto Fernández já anunciou que não será candidato à reeleição, e ela tampouco será candidata à presidência. Por ora, essa é a cena marcada por um governo que concentra esforços para enfrentar a crise econômica e por uma Frente para Todos de cujas divisões a extrema-direita se aproveita para poder avançar em direção à contenda eleitoral.

Leonardo Granato é professor de Administração Pública e Ciência Política da UFRGS e coordenador do Núcleo de Estudos em Política, Estado e Capitalismo na América Latina (NEPEC-UFRGS).

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