Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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O problema dos sucessores: o caso da Bolívia, por Angelita Matos Souza

Na Bolívia, por enquanto, o dissenso assemelha solucionável, ainda mais em um país cuja história política recente tem muito a ensinar

do Observatório de Geopolítica

O problema dos sucessores: o caso da Bolívia

por Angelita Matos Souza

Algo similar à ruptura entre Rafael Correa e Lenin Moreno, no Equador, desenrola-se na Bolívia entre Evo Morales e Luis Arce. Um racha que tem dividido o MAS (Movimento ao Socialismo), partido das duas lideranças.

No caso do Equador, Moreno aderiu à onda lavajatista equatoriana e acabou por se associar a partidos-movimentos de direita e a recorrer ao FMI. A política socioeconômica neoliberal acordada com o Fundo provocou manifestações populares e Moreno terminaria o seu mandato com menos de 10% de aprovação. O descontentamento geral desembocaria na eleição do atual presidente em 2021, o ex-banqueiro Guillermo Lasso. (Lembro ainda que Moreno revogou o asilo de Assange na embaixada do Equador em Londres).

Na Bolívia, por enquanto, o dissenso assemelha solucionável, ainda mais em um país cuja história política recente tem muito a ensinar, destacarei três aspectos: 1. Mostrou como construir uma frente ampla em torno de um partido progressista de massa (o MAS). 2. Quando o capital-imperialista achava que podia tudo, a manifestação popular organizada irrompeu para mostrar que não era bem assim. 3. A experiência ensina que, em países da periferia, até o reformismo moderado pode depender de conjunturas conflitivas de alta intensidade.

É certo que comparando o antes e o depois, o reformismo na Bolívia nem foi moderado, seguramente devido à combatividade do movimento popular, combinado ao carisma de Morales, à inteligência política de Linera e à eficiência de Arce. Este foi ministro da economia do governo Morales por treze anos, período marcado por crescimento econômico, redução da pobreza e responsabilidade fiscal, segundo avaliação elogiosa do próprio FMI. Vale observar que o governo Lula também ajudou, ao negociar preços mais razoáveis para o gás importado de lá, após as nacionalizações.

Infelizmente, o vizinho agora poderá oferecer um aprendizado amargo: como a derrota das forças progressistas pode ser favorecida pelo próprio campo. Por isso, Garcia Linera tem implorado pelo fim da discórdia entre Morales e Arce, que só beneficia a direita. Não está fácil, pois partidários de Evo entendem que a iniciativa de pacificação deve partir de Arce, ao passo que os partidários deste defendem exatamente o contrário.

Não sei quem deve dar o primeiro passo, opino apenas que as duas lideranças talvez possam se inspirar no presidente Lula. Como é conhecido, a presidenta Dilma Rousseff foi eleita graças a ele, que no ápice da sua popularidade a escolheu para ser a sua sucessora. Contudo, certo afastamento entre os dois seria notado pela mídia ao longo do primeiro governo Dilma.

Não há espaço aqui para se resumir essa história. Importa apenas assinalar que Luiz Inácio nunca foi para os jornais ou redes sociais acusar a presidenta Dilma de deslealdade ou coisa do gênero (se disse alguma coisa, deve ter sido privadamente). Cumpre registrar que, no poder, ele nunca atuou para mudar a Constituição, a fim de garantir um terceiro mandato consecutivo. Hoje, isso até pode parecer que teria sido oportuno, mas certo mesmo era ter devolvido a bola para ele em 2014, ainda mais depois das denominadas “jornadas de junho”.

Sobre o tema, tudo que o atual presidente diz é que respeitou o direito da presidenta à reeleição. E durante a campanha, Lula insistiu na versão da mulher honesta vítima de golpistas e segue nela depois de eleito. Tudo indica ser um posicionamento sincero, além de eivado do cálculo de que é a narrativa que agrada a militância petista.

 Claro que é metade da missa. A outra metade podemos dividir em duas: a) a condução da política econômica pelo governo Dilma foi ruim; a) a Operação Lava-Jato, mal enfrentada pelo governo, pavimentou o caminho para o golpe e promoveu tamanha deterioração da democracia brasileira (e da economia) que levou a extrema-direita ao poder. 

Para encerrar, o povo boliviano não merece a volta da direita, que saberá aproveitar a divisão no MAS. 

Angelita Matos Souza. Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutora em Economia  pela Unicamp. Livre Docente em História Econômica do Brasil pelo IGCE-Unesp e docente no IGCE-unesp.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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