Argentina elege novo presidente em cenário econômico similar ao da crise de 2001, por Victor Farinelli

Segundo um estudo do Observatório da Dívida Social Argentina, realizado somente na região que inclui a capital Buenos Aires e sua região metropolitana, a quantidade de pessoas que vivem na extrema pobreza é de mais de 37%.

Foto Follha/Uol

Argentina elege novo presidente em cenário econômico similar ao da crise de 2001

por Victor Farinelli

Especial para o GGN, de Buenos Aires

Neste domingo (27/10), as argentinas e os argentinos irão às urnas mais uma vez, no que será o primeiro turno das eleições presidenciais em seu país.

Se todas as pesquisas publicadas desde setembro estiverem certas, a votação de hoje terminará com um candidato eleito, sem necessidade de um segundo turno: o peronista Alberto Fernandez aparece com mais de 50% em quase todas as dezenas medições, e mesmo nas suas em que aparece com um pouco menos (o seu menor índice é de 48,5%), sua vantagem sobre Mauricio Macri sempre é de mais de 15%. Lembrando que as regras eleitorais na Argentina permitem que um candidato seja eleito ainda no primeiro turno se supera os 40% dos votos, desde que sua vantagem para o segundo colocado seja de ao menos 10%. Se superar os 50%, estaria eleito independente da vantagem que imponha aos demais.

Essa enorme desvantagem macrista, que o obriga a operar um verdadeiro milagre para poder obter sua reeleição, tem a ver com o cenário econômico e social que seu governo produziu, especialmente nos últimos dois anos.

Segundo o Instituto Nacional de Dados, Estatísticas e Censos (INDEC), a inflação nos últimos 12 meses acumulou em 53,5%, e 37,7% nos nove meses deste ano. Os aumentos das tarifas de energia e serviços básicos ajudam muito a desencadear a onda inflacionária: desde 2016, nos primeiros meses do governo macrista, as tarifas de luz subiram 1491%, as de água 1031%, as de gás 2057%, e as tarifas de transporte público subiram 377%, também segundo o INDEC.

Por outra parte, o desemprego no país tem se mantido acima dos dois dígitos desde fevereiro de 2018, ficando em 12% no final de agosto. Isso sem contar os efeitos da precarização, que faz com que muitas pessoas com emprego mesmo assim sejam consideradas pobres.

Todos os números acima colaboraram para uma piora importante na condição de vida dos cidadãos. Ainda segundo o INDEC, a pobreza na Argentina afeta cerca de 35,2% da população (oito pontos a mais que o mesmo índice ao final do governo de Cristina Kirchner, que era de cerca de 27,3%). Isso significa ao menos 16 milhões de pessoas, sendo que 3,4 milhões estariam também em situação de indigência.

Alguns centros de estudo também apontam para números igualmente preocupantes. Segundo um estudo do Observatório da Dívida Social Argentina, realizado somente na região que inclui a capital Buenos Aires e sua região metropolitana, a quantidade de pessoas que vivem na extrema pobreza é de mais de 37%. O grupo de estudos, que está ligado à Universidade Católica Argentina (UCA), também destaca outro número importante, que é o de crianças e adolescentes que vivem em situação de insegurança alimentar: também considerando a chamada Grande Buenos Aires, se estima que 32% dos menores de idade enfrentam problemas para ter acesso a água potável, uma igual porcentagem mantém uma alimentação que não inclui os ingredientes necessários para o seu desenvolvimento, e 44% carecem de qualquer tipo de assistência para ter uma alimentação melhor.

Para Juan Guahán, analista político do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE), existe uma pequena vitória macrista no fato de que “apesar de todas as dificuldades que o macrismo impôs à realidade econômica da maioria dos argentinos, o presidente conseguiu se manter no cargo até agora, e provavelmente chegará até o final do seu mandato, embora outros em cenários igualmente desfavoráveis tenham renunciado antes, como Raúl Alfonsín (em 1989) e Fernando de la Rúa (em 2001)”.

Para o analista, mesmo no caso de uma vitória importante do peronismo em termos de diferença de votos, os próximos anos deverão considerar o apoio que o atual governo conseguirá manter. “Macri certamente reunirá mais de 30%, alguns comentaristas aliados acreditam que pode forçar um segundo turno, embora pareça muito difícil, mas o simples fato de ainda manter um terço de apoio mesmo com resultados econômicos tão ruins é muito importante. Por exemplo, após a crise de 2001, De la Rúa e todos os políticos ligados ao seu governo foram tiveram suas carreiras políticas terminadas, e não parece que o mesmo destino cruel acontecerá com o macrismo”.

Guahán não é o único que faz comparações entre o atual cenário de crise econômica e outras que o país viveu em seu passado recente, e especialmente aquele que se viveu em 2001, e que ficou conhecido pelo chamado “corralito” (congelamento parcial dos valores depositados em contas bancárias, através de um limite diário para retirada de fundos). 

As analogias entre a crise atual e a de 2001 encontra algumas semelhanças e diferenças interessantes. Apesar de não adotar um “corralito” às contas bancárias, Macri sim vem estudando medidas para restrição à compra de dólares, medida que também foi imposta pelo governo de Cristina Kirchner em seus últimos anos, e que contradizem sua promessa de campanha em 2015, de que sua gestão seria marcada por uma total liberdade na política cambiária.

Tal situação merece um contexto histórico. Nos últimos anos do século passado, ainda durante o governo de Carlos Menem, a Argentina adotou um modelo que o então ministro da Economia, Domingo Cavallo, chamava de “convertibilidade”. Se tratava de uma política que forçava uma relação de igualdade de valor entre o dólar e o peso argentino, ou seja, um dólar sempre valia um peso, sem importar os vaivéns econômicos que pudessem influir no câmbio – o governo de Fernando Henrique Cardoso promoveu uma política semelhante durante alguns anos. Muitos analistas apontam esse como o grande erro da política argentina naqueles anos.

Mas também há outras diferenças: durante o ano de 2001, o último da gestão de Fernando de la Rúa, o Banco Central registrou uma perda de 22 bilhões de dólares em reservas internacionais, usados em medidas para enfrentar a crise. Porém, conseguiu terminar aquele ano ainda com 15 bilhões. O atual governo tem números melhores nesse sentido, as reservas argentinas são de 64 bilhões de dólares, maior até que a do final do governo de Cristina Kirchner, que deixou 29 bilhões.

Porém, a diferença positiva observada na cifra anterior cai por terra quando a comparação se dá em termos de dívida: o próximo presidente – ou o próprio Mauricio Macri, caso consiga sua reeleição – terá que negociar com o Fundo Monetário Internacional a agenda de pagamentos da maior dívida que um país já adquiriu com essa entidade financeira, um total de 57 bilhões de dólares. Quando assumiu em 2003, Néstor Kirchner teve que lidar com uma dívida externa ainda maior, de 144 bilhões de dólares, mas há de se considerar que esse valor foi o acúmulo de dívidas contraídas por diferentes governos, durante a segunda metade do Século XX, enquanto a de atual foi gerada somente por um governo, que durou quatro anos. 

Em termos de inflação e desemprego, situações diferentes. Em 2019, o índice de inflação já acumula um 37,7%, e todos os analistas asseguram que superará os 50%, e poderia até beirar os 60% até o final do ano. Situação bem diferente do quadro de 1,1% de deflação (que está longe de ser algo melhor que a inflação) que havia em 2001, e que era um dos efeitos da política de “convertibilidade” defendida pelo ministro Domingo Cavallo. Já no caso do desemprego, os 12% registrados nessa reta final são um pouco melhores que os 18% do início de 2002, logo após De la Rúa renunciar ao mandato, embora também sejam um grande problema.

Finalmente, com relação à pobreza, os números são quase idênticos. Os 35,2% atuais são percentualmente iguais aos 35,9% de 18 anos atrás – com a diferença de que aqueles 35% de outrora correspondiam a cerca de 12 milhões de pessoas, e os de agora significam mais de 16 milhões. Durante a era kirchnerista, essa cifra teve seu nível mais baixo em 2008, com 15,8%, mas voltou a subir, e terminou em 27,3% no final do segundo mandato de Cristina.

Nenhum desses números estará na cabeça das argentinas e dos argentinos na hora votar, mas as sensações que eles causam em cada um dos eleitores é o que definirá quem será a pessoa que a sociedade escolherá para mudar toda essa situação, e tentar levar a Argentina a uma recuperação igual ou ainda maior que a observada durante o desenvolver da década passada.

Redação

2 Comentários

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  1. Embora um desemprego de mais de 12% seja alarmante,beira o escárnio completo o índice de pobreza de mais de 35%.
    O grito das multidões que começam a se fazer ouvir pelo mundo é um reflexo dessa situação. Não é possível aceitar pobreza de forma alguma,mas é impossível aceitar a pobreza de que trabalha. O discurso dos direitistas nunca esteve tão comprometido como agora. Trabalho não é sinônimo de renda.

  2. Os Argentinos vão às urnas? Urnas de papelão ou plástico reciclável? Do mais barato possível?! Em voto de cédulas de papel? Como assim? Não sabem das maravilhas tecnológicas do Brasil? De Urnas Eletrônicas ao custo de 500 milhões de reais (+ de 120 milhões de dólares), com Biometria Obrigatória de 150 milhões de reais (40 milhões de dólares) com Fundo Partidário de 4 Bilhões de reais (US$ 1.000.000.000,00/Hum bilhão de dólares). Vocês Argentinos, não sabem das possibilidades que esta tal Redemocracia Tupiniquim de Voto Obrigatório de Estado Absolutista pode produzir: Primeiro Justiça Eleitoral, seus Feudos, Coronéis e Bilionários em fantástica ‘Indústria de Burocratização de Secar Gelo’. Já estão morrendo de inveja? Com estas suas ‘Eleições Populares’, nos votos e nos preços, NUNCA terão assassinatos aos milhares, no meio das ruas, em qualquer lugar em qualquer horário, na ordem de 100.000 mortes por ano. NUNCA assassinaram Vereadora de uma das suas maiores cidades, de renome internacional, sem que o Estado apresente os culpados por mais de ano !! Vocês NUNCA terão 100.000 mortes no trânsito por ano !! E CRACOLÂNDIAS iguais às nossas? Jamais !! Jamis terão gigantescas favelas e cidades favelas espalhadas por seu país, alojando mais de 40% da sua População !! E Justiça que nada julga e nada produz, farsante, apenas para garantir o silenciamento do seu próprio Povo? Jamais !!! O que vocês querem com estas Eleições de Urnas de papelão em Voto de papel, caros Argentinos? Democracia?!! Sem Urnas Eletrônicas em Biometria Castradora e Ditatorial? Pobres Argentinos, não sabem o que estão perdendo. E jamais saberão. Sorte de Vocês !!!

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