Brasil + Argentina = Prosperidade II, por Luiz Alberto Melchert

Nossa carne para exportação compete em igualdade com a da Argentina e nosso abate anual corresponde ao rebanho total do país vizinho

Brasil + Argentina = Prosperidade II

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

A geografia pode ser um dos determinantes do comportamento humano e de quais atividades econômicas vão-se desenvolver em cada região. Isso é alvo para a geografia Humana, que estuda o diálogo entre a humanidade e o ambiente físico em que se encontra. A forma com que Brasil e Argentina encararam a criação de animais é uma mostra disso. O Brasil é uma morraria sem fim, enquanto a Argentina é muito plana, exceto na região dos andes. No caminho inverso, é importantíssimo lembrar que o Brasil começou a ser colonizado pelo Nordeste, numa economia própria, a do açúcar, tornando o Brasil, desde sua mais tenra infância, uma economia exportadora. A Argentina, por sua vez, era a passagem dos navios que transportavam a prata de Potosí. Isso era tão significativo que daí vem o nome do país, que nunca produziu prata em sua história. O Mar del Plata, ou rio da Prata, era a principal porta para o interior da América do Sul, ou, como chamavam os índios, o Peabiru (caminho para o Peru).

Assim, cabia à Argentina ser uma abastecedora de navios pelo porto de Buenos Aires, ao mesmo tempo em que seu relevo era ideal para a criação de animais de grande porte (equinos, muares e bovinos). Os pampas também são ideais para a lavoura de cereais, tanto que as missões jesuíticas incomodaram muito a economia europeia, pois imbuiu os grãos na pauta de exportações. A riqueza da região vinha da criação de bovinos para a salga da carne, da exportação de animais de tração e montaria, sempre equinos e muares, para o Brasil, além do mate e um pouco de açúcar comparando-se com o Brasil. Em algumas regiões, até a independência, o gado crioulo era criado solto, num regime parecido com o faxinal brasileiro, com o limite de doze mil cabeças por proprietário.

No Brasil, o gado bovino era visto como animal de tração, muito mais adequado ao nosso relevo no Sudeste e como motor para as almanjarras dos engenhos nordestinos. Uma almanjarra era um equipamento com um varão preso a uma parelha de bois, cujo movimento acionava o moinho de cana. Ali eles ficavam até se exaurirem, sendo abatidos e usados como alimento. Isso permitia construírem-se engenhos longe de rios, sem rodas d’água. No Nordeste, o gado era criado numa parceria com os índios tupiniquins e pataxós. Eles guardavam os animais, em troca, podiam abater os necessários ao seu consumo. Segundo Evandro Cabral de Melo em seu livros “O Brasil Holandês”, João Álvares, neto de Caramuru, chegou a ter trinta mil cabeças nesse regime de parceria. No Nordeste e no Sudeste os bois eram vistos como alimento quando não podiam mais trabalhar, daí o Caracu e o Pé Duro, raças mais criadas aqui tinha uma conformação para força, não para concentração de músculos no traseiro, como quer o mercado de carne.

Nos Pampas, além do crioulo, criavam-se os Hereford e os Angus, especialmente depois da introdução do primeiro frigorífico pelos ingleses em 1877. A primeira exportação de carne ocorreu em 1883, quando o primeiro frigorífico realmente argentino foi aberto. Dez anos depois, ele foi vendido para a Swift, que detinha o império da carne na América do Norte. Em 1910, o Frigorífico Anglo firmou-se no país e a carne tornou-se um produto de exportação, juntamente com o couro, o trigo, o milho e a soja, num modelo exportador que, até então, era secundário. Como era de se esperar, esse modelo foi concentrador de renda, dando uma falsa impressão de desenvolvimento.

Enquanto isso, o Brasil substituía os engenhos por usinas de açúcar, cujo tamanho não permitia o uso de outro insumo que não a madeira para movimentar as máquinas, que passaram ao vapor. Aos poucos, o gado perdeu espaço, mesmo mantendo-se como animal de tração, seja na economia do açúcar, seja na economia do café. O que dirigiu o gado brasileiro para servir como alimento foi a urbanização, mantendo-o restrito ao consumo interno até 2005, quando ocorreram as primeiras exportações de carne in natura. A criação de gado também foi o motor da fronteira agrícola, pois a criação a pasto é a forma mais barata para firmar a posse da terra. O pecuarista brasileiro via-se, antes de tudo, como um desbravador, não como um fornecedor de produto de qualidade internacional. Daí a criação de gado zebuíno, muito mais rústico do que as raças europeias, largamente criadas na Argentina, cuja carne é muito mais palatável.

A restrição a abertura de novas áreas, a urbanização e o aumento da renda advinda  da estabilização da moeda mudaram o perfil da pecuária brasileira. O domínio do melhoramento genético, somado à política das campeãs brasileiras, tornaram o país no maior produtor e exportador de proteína animal do mundo.

Hoje, nossa carne para exportação compete em igualdade de condições com a da Argentina e nosso abate anual corresponde ao rebanho total do país vizinho, porém, com custo muito menor. De longe, é muito difícil dizer se é verdadeira a afirmação da jornalista Janaína Figueiredo em seu livro “¿Qué pasa, Argentina?”, quando afirma que o governo local trata muito mal seus empresários, mormente os do agronegócio. Isso será discutido mais pormenorizadamente no próximo capítulo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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