Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Guerra na Ucrânia: o Império vê Hitler no próprio espelho, por Wilson Ferreira

E novos “Hitlers” são necessários. A diferença é que não mais gerados pelo Cristianismo. Mas agora pela democracia liberal midiática.

Guerra na Ucrânia: o Império vê Hitler no próprio espelho

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

“Parecem com a gente!”, exclamou o repórter da CBS News ao ver imagens de refugiados ucranianos. Ato falho sintomático: foi a deixa para aumentar a escalada retórica midiática da iminência de uma “guerra mundial” – afinal, guerra mundiais só acontecem quando brancos estão morrendo. No mundo real, a Segunda Guerra Mundial jamais terminou. Os Impérios nunca pararam de lutar em inúmeras guerras quentes e golpes a sangue frio por décadas. Historicamente, as guerras mundiais sempre liberam o Império Branco (América-Europa) da culpa da própria violência colonial e racismo, ao escolherem o Hitler da vez e dizer “esse era o cara mau” e “nós o pegamos”. Agora, é Putin, com todo o “physique du rôle” para o papel. O Império sempre precisa de um Hitler. Caso contrário, eles teriam que se olhar no espelho e ver sua própria hipocrisia. Há 77 anos, Aimé Césaire, no livro “Discurso Sobre o Colonialismo”, chamava de “efeito bumerangue” quando as guerras se voltam contra o próprio Império, com mesmo racismo e violência que dispensam às suas colônias. E novos “Hitlers” são necessários. A diferença é que não mais gerados pelo Cristianismo. Mas agora pela democracia liberal midiática. 

Dr. Julius No, Goldfinger, Blofeld, Scaramanga, Renard e toda uma galeria de supervilões que infernizaram a vida do espião com licença para matar à serviço de Vossa Majestade, James Bond (007), tinham lá suas diferenças: um tinha braço mecânico, outro uma emblemática pistola de ouro, um vilão tinha uma bala na cabeça que o tornava insensível à dor, outro ameaçava Bond com armas laser etc. Alguns com interesses geopolíticos de dominação do planeta… outros por puro desejo de vingança contra 007. Mas todos eles tinham um drive comum: a pura maldade manifestada pela ambição desenfreada, crueldade, o cálculo e a frieza típica dos sociopatas.

James Bond, criado pelo escritor Ian Fleming e notabilizado pela telona com Sean Connery e Roger Moore, foi um típico produto imaginário da Guerra Fria – 007 enfrentava inimigos do Ocidente escolhidos a dedo na Coréia do Norte, Moscou, China etc. 

Ao longo das décadas, o espião do serviço secreto britânico foi perdendo sua relevância na cultura pop. Não tanto pela qualidade dos filmes, mas porque o protagonista e seus vilões começaram a perder a concorrência com realidade. Ou melhor dizendo, para a maneira como a mídia relata a realidade.

Sadam Hussein com seu grosso bigode invadindo o Kwait e ameaçando fazer uma guerra com armas químicas, Bin Laden (outro vilão iconicamente perfeito) sendo caçado nas cavernas do Afeganistão. Trilhões de dólares foram gastos pelos EUA naquele país matando pessoas pobres, supostamente do Talibã, fundamentalistas que pretendiam reestabelecer o califado islâmico, no mundo todo, através do terrorismo – aterrorizar seu próprio povo e o Ocidente.

Uma piada: como uma organização que mal consegue pagar seus soldados queria dominar o mundo? Como um povo miserável pode pretender dominar um mundo unipolar com mais de 800 bases militares e cercado pela banca financeira ao redor do planeta?

Com a saída desorganizada e quase patética das forças militares americanas que ocupavam o Afeganistão, foi como se, de repente, toda a narrativa sobre supervilões como Sadam Hussein, Bin Laden, e o amorfo Talibã virassem pó. Do nada, o jornalismo corporativo Ocidental, que por décadas alimentou os perfis de supervilões ambiciosos, cruéis e sociopatas que ameaçam o mundo livre, viu seu principal plot ser destruído por um presidente democrata da potência militar que supostamente nos protege desses inimigos.

Depois da diversão…

“Sleep Joe” Biden sabia que bater em muçulmanos pobres deu certo, mas foi divertido por um tempo. Depois do Iraque, a bola da vez até seria o Irã… mas o país tem um programa nuclear… recebe urânio enriquecido da Rússia… não seria exatamente uma boa ideia.

Por isso, deu uma guinada geopolítica (já explicada por esse Cinegnoseclique aqui) na qual as estratégias “boots on the ground” seriam substituídas por guerras híbridas – guerras por procuração pelo planeta, sem mais o risco de ver muitos sacos plásticos com americanos dentro voltando para o país.

O problema é que depois de décadas da emoção com o mundo acompanhando nos telejornais as implacáveis caças dos supervilões, uma geopolítica baseada exclusivamente na guerra híbrida (por sua natureza, invisível) corria o risco de deixar as multidões entediadas.

Enquanto a OTAN avançava desde que o Pacto de Varsóvia caiu, alguns muçulmanos aleatórios, aqui e ali, serviam de álibi. A contínua expansão da OTAN para o Leste era condenada por muitos estrategistas como uma aventura perigosa. Mesmo assim, depois de muitos avisos entre 2008 e 2014 (de que estacionar mísseis cada vez mais próximo da Rússia seria tão perigoso quanto a crise dos mísseis de Cuba, em 1962), eles finalmente conseguiram uma guerra de verdade.

Depois de cutucar o urso por tempo suficiente, a Rússia acordou de sua hibernação e atacou a Ucrânia.

O Hitler russo

Agora o chamado “Deep State” (complexo industrial, militar, energético e financeiro) mal pode conter sua alegria, junto com a mídia corporativa que estava sentido-se só e abandonada: agora temos um vilão, algo para o qual todos os dedos podem ser apontados – o “Hitler russo” Putin, o supervilão com o physique du rôle perfeito: ex-agente KGB, ambicioso, frio e sanguinário, que só pensa em “dominar o mundo”, como um fim em si mesmo para o seu próprio desfrute.

O produto perfeito da propaganda ocidental. As massas foram preparadas para odiar os russos, desde a animação infantil Alceu e Dentinho (The Rocky and Bullwinkle Show, 1959-64). Enquanto filmes sobre nazistas (que até viraram um subgênero, “naziexploitation”) são produzidos todos os anos, de maneiras cada vez mais fantásticas. Por décadas o Ocidente foi preparado para a Terceira Guerra Mundial contra os nazistas russos.

O Império e sua máquina de propaganda privatizada nesse momento pede mais armas, mais sanções e até mesmo uma zona de exclusão aérea (o que na verdade significaria bombardear a Rússia e atirar em aviões fora do território). Motivam civis ucranianos a pegarem em armas para renderem novas imagens sensacionais de mortos e feridos para o prime time das TVs. Em suma, pedem a Terceira Guerra Mundial. Porque finalmente encontraram um inimigo digno.

Putin é o novo Hitler! Não é à toa que o jornalismo corporativo histericamente ressalta que a crise dos refugiados e essa guerra “é a maior desde a Segunda Guerra Mundial”. Aterrorizados, denunciam que se a Alemanha de Hitler começou com a Polônia, e agora Putin está começando com a Ucrânia.

Por que o Império sempre precisa de um Hitler? Porque, caso contrário o Império teria que olhar para o espelho e ver a própria hipocrisia.

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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